ARTIGO

Resistência antimicrobiana: quando a saúde adoece com o planeta

A humanidade tem dificuldade em escapar do ciclo vicioso de utilizar excessivamente recursos da natureza, e, ao fazê-lo, causar dano a si e ao meio ambiente. Com os antibióticos não foi diferente

Tazio Vanni e Julival Ribeiro, infectologistas do Hospital de Base do Distrito Federal

Entre 18 e 24 de novembro de 2025, o Brasil participou da Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência aos Antimicrobianos, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A campanha mobiliza instituições, profissionais e cidadãos para o enfrentamento de uma das maiores ameaças à saúde pública mundial: a resistência antimicrobiana (RAM), que transcende setores, fronteiras e gerações, exigindo ações coordenadas e efetivas.

A RAM ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas deixam de responder aos medicamentos usados para combatê-los. O resultado são infecções graves, maior risco de morte e custos hospitalares elevados. Estima-se que 48 mil pessoas morram por ano no Brasil devido a infecções resistentes a antibióticos, número que pode chegar a 1,2 milhão até 2050. As causas são o uso inadequado e excessivo de antimicrobianos, práticas de higiene precárias, acesso inadequado à água potável e saneamento, baixa cobertura vacinal, bem como fatores ambientais.

A campanha de 2025 reforça a importância do uso responsável de antimicrobianos, não apenas em humanos, mas também na pecuária, aquicultura e agricultura. Dentro da abordagem "one health" (saúde única), que reconhece a interdependência entre os ecossistemas biológicos e sociais. Esse conceito se relaciona com o de saúde planetária, que busca compreender como as perturbações humanas aos sistemas naturais afetam a saúde em vários aspectos. Desastres causados pelo homem podem gerar doenças físicas e mentais para ele, modificando seu habitat e de outras espécies no curto e longo prazo. Um triste exemplo é o desastre de Mariana, em Minas Gerais, de 2015.

A humanidade tem dificuldade em escapar do ciclo vicioso de utilizar excessivamente recursos da natureza, e, ao fazê-lo, causar dano a si e ao meio ambiente. Com os antibióticos não foi diferente. Em 1928, Alexander Fleming notou que numa placa de cultura de bactérias havia crescido uma colônia de fungos que inibia o crescimento bacteriano ao seu redor. Foi identificado que o fungo (Penicillium notatum) produzia uma substância que inibia as bactérias, chamada de penicilina. Após a Segunda Guerra Mundial, graças a Howard Florey e Ernest Chain, a produção em massa de antibióticos possibilitou um aumento vertiginoso da expectativa de vida da população. Entretanto, nos últimos anos, o uso indiscriminado dos antibióticos fez surgir "monstros invencíveis". Microrganismos multirresistentes têm desafiado a medicina e ceifado milhões de vidas.       

Combater a resistência antimicrobiana passa pelo uso racional de antibióticos e vai além. É indispensável investir em estratégias efetivas de prevenção e controle de transmissão, especialmente no ambiente hospitalar. Práticas simples, como a limpeza e desinfecção adequada de superfícies, a higiene adequada das mãos e o uso correto de equipamentos de proteção individual são pilares fundamentais para evitar a disseminação de microrganismos resistentes. O uso racional e a prevenção da transmissão são as formas mais inteligentes e econômicas de preservar a eficácia dos antibióticos.

Outro desafio crítico é o alto custo dos novos antibióticos. O desenvolvimento desses medicamentos é caro, demorado e pouco atraente para a indústria farmacêutica, já que o retorno financeiro é limitado, especialmente quando o uso precisa ser restrito para evitar novas resistências. Assim, os poucos fármacos inovadores disponíveis chegam ao mercado com preços altos, representando um fardo muito pesado para sistemas públicos de saúde. Essa realidade reforça a urgência de políticas públicas que estimulem o financiamento público para a pesquisa e a produção sustentável de novos antimicrobianos, bem como garantam a equidade no acesso a métodos diagnósticos e novos tratamentos para infecções multirresistentes.

O Brasil tem avançado com o Plano Nacional para a Prevenção e o Controle da Resistência Antimicrobiana nos Serviços de Saúde e o Programa Nacional de Monitoramento de Microrganismos Resistentes e Resíduos de Antimicrobianos em Alimentos da Anvisa. No entanto, ainda é limitada a capacidade dos laboratórios para detectar microrganismos multirresistentes e existe profunda desigualdade no acesso aos antibióticos necessários para tratar essas infecções.

Falar sobre resistência antimicrobiana é falar sobre saúde planetária, ou seja, sobre o equilíbrio entre o que tomamos da Terra e o que devolvemos a ela. Preservar os antibióticos é preservar a vida, e cuidar da saúde é, mais do que nunca, cuidar do planeta.

 


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