
Dia desses, fui atualizar a minha biografia no site do Correio e, ao refletir sobre os assuntos que me interessam e deveriam ser mostrados naquele espaço, o tema saúde mental foi o primeiro que veio à cabeça. Não por acaso, muitas das pautas que sugiro para a editoria de Cidades têm relação com o tópico. Uma das últimas propostas, porém, não veio acompanhada de dados nem de um gancho tão factual, como é de praxe para matérias mais extensas e detalhadas. Sugeri, com certa ousadia em vista da delicadeza do assunto, contarmos histórias dos enlutados do suicídio.
Ciente do cuidado necessário ao tratar de um tema sensível e que, se mal abordado, pode até despertar gatilhos, consultei a psicóloga Elisa Reifschneider, da Universidade de Brasília (UnB), para me orientar acerca da pauta. Ela me contou que, assim como o efeito contágio — ou Efeito Werther —, ligado à forma sensacionalista como a mídia pode reportar as mortes por suicídio, existe também o Efeito Papageno, no qual reportagens que seguem diretrizes de comunicação segura têm grande potencial protetor e positivo. Isso inclui relatar histórias de superação, recuperação e alternativas não suicidas a crises.
A minha proposta, como muitas outras que sugerimos, partiu de uma experiência pessoal. Eu já fui uma enlutada do suicídio. E, de todos os lutos que nos atravessam ao longo da vida, esse certamente é um dos mais difíceis de conviver. É um luto diferente, afinal, a tristeza anda lado a lado com o sentimento de culpa, fracasso e incompreensão. E o tabu, que tanto tentamos combater ao abrir a roda de conversa sobre saúde mental, se manifesta com força nesses casos, porque parece ser uma dor incômoda ou dura demais para mostrar. É paradoxal.
Por muitos anos, eu mesma relutei em abrir o assunto para muito além das sessões de terapia. Com o tempo, minha memória fez o trabalho de apagar as lembranças mais doloridas e avivar aquelas que, ainda diante da saudade, valem a pena recordar. Thiago era um grande amigo e gostava, assim como eu, de escrever. Escutava Lenine, preferia as aulas de literatura às de linguística e, mesmo sarcástico, tinha uma doçura que era só dele. Hoje, é a isso a que me apego, porque o luto não é superado nem acaba, ele se transforma.
E, por isso, a importância de dar voz e acolher esse público enlutado. Diferentemente de outros, são pessoas que vivem a dor de forma solitária. Muitas vezes, lutam sozinhas contra o preconceito daqueles que ainda encaram os transtornos mentais com olhares tortos. Precisamos mostrar que é possível construir sentido após a perda, mesmo com muita dificuldade. É possível tecer um futuro, apesar da ausência.
Saiba Mais

Opinião
Opinião
Opinião