
Gustavo Menon — doutor e docente em Integração da América Latina pelo Prolam-USP e coordenador do curso de relações internacionais na Universidade Católica de Brasília (UCB)
No último dia 16, celebrou-se o 60º aniversário da aprovação da Resolução 2065 (XX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, marco fundamental no tratamento multilateral da questão das Ilhas Malvinas, ao reconhecer a existência de uma disputa de soberania entre a Argentina e o Reino Unido e a qual convida ambos os países a buscar uma solução pacífica por meio de negociações bilaterais, levando em conta os interesses dos habitantes das ilhas.
Na condição de sucessora da Espanha, após as Guerras de Independência e conforme estabelecido pelo princípio do direito internacional do uti possidetis iuris, desde o início do processo de independência em 1810, com a Revolução de Maio, a Argentina exerceu, de forma contínua, seus direitos sobre os arquipélagos localizados na região. Os primeiros governos nacionais das Províncias Unidas consideraram as Ilhas Malvinas parte integrante de seu território em diversos atos administrativos, reafirmando sua soberania sobre elas.
A título de exemplo, em 6 de novembro de 1820, o coronel do Exército Argentino David Jewett tomou posse das Ilhas Malvinas em nome das Províncias Unidas do Rio da Prata, hasteando, pela primeira vez, a bandeira argentina no arquipélago. Além disso, o governo argentino passou a editar regulamentos e estabelecer estruturas legais e administrativas que consolidaram o pleno exercício de sua soberania, promovendo o desenvolvimento de atividades comerciais e o assentamento e auxílio à população.
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No entanto, em 3 de janeiro de 1833, esse exercício efetivo da soberania foi interrompido por um ato de força unilateral realizado pelo Reino Unido, que ocupou ilegalmente as ilhas e expulsou as autoridades argentinas legítimas e a população ali instalada. Com essa usurpação, cometida em afronta ao direito internacional, a integridade territorial da Argentina foi violada, situação que foi imediatamente rejeitada e contestada, sem que qualquer governo argentino tenha consentido com ela ao longo de mais de 190 anos.
Vale ressaltar que as Ilhas Malvinas foram ocupadas ilegalmente por forças britânicas, que desalojaram as autoridades argentinas legitimamente estabelecidas no local, reforçando os traços coloniais do Império britânico. Por parte do Brasil, de modo contínuo, a posição favorável à soberania da Argentina remonta a 1833, quando o embaixador brasileiro em Londres foi instruído a coadjuvar o protesto argentino junto ao governo britânico pela ocupação arbitrária, ilegal e colonial das ilhas.
Desde então, persiste uma disputa entre a República Argentina e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, conforme reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução 2065 (XX), adotada em 1965. Nesse sentido, a ONU indicou que a forma de pôr fim à situação colonial especial e particular da questão das Ilhas Malvinas deve ser uma solução pacífica e negociada entre as partes envolvidas.
Em atendimento à referida resolução, desde 1966 ambos os países conduziram negociações para alcançar uma solução na disputa de soberania. No entanto, apesar das inúmeras tentativas da Argentina e dos apelos da ONU e de outros canais de diálogo, o Reino Unido recusa-se sistematicamente a retomar as negociações.
Por sua vez, a comunidade internacional, em diversos espaços, reiterou a necessidade de retomar as negociações bilaterais o mais rápido possível, conforme expresso em resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas e em numerosas resoluções de sua Comissão Especial de Descolonização, bem como em diversas declarações de fóruns regionais e multilaterais, como o Grupo dos 77 e a China, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o Mercado Comum do Sul (Mercosul), a Organização dos Estados Americanos (OEA), as Cúpulas Ibero-Americanas, o Parlasul, o Parlacen, o Fórum de Cooperação América do Sul-África (ASA) e a Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), sempre com o amplo apoio de sucessivos governos brasileiros em diferentes contextos.
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Em 4 de novembro de 1982, a Assembleia Geral da ONU adotou, por esmagadora maioria, a Resolução 37/9, poucos meses após o fim do conflito do Atlântico Sul, estabelecendo que o conflito não alterou a natureza da disputa de soberania nem a resolveu. Nesse contexto, o próprio texto constitucional argentino, elaborado após o período ditatorial e a Guerra das Malvinas, estabelece que a recuperação do exercício efetivo da soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos e insulares correspondentes, conforme o direito internacional e respeitando o modo de vida de seus habitantes, é um objetivo permanente e irrenunciável do povo argentino.
Precisamos reafirmar os direitos argentinos sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul, Sandwich do Sul e as áreas marítimas circundantes, bem como a busca por um Atlântico Sul desmilitarizado, livre de armas nucleares e consolidado como zona de paz e cooperação. Em 2026, o Brasil assumirá a presidência da Zopacas (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul), ocasião em que será estratégico apoiar, mais uma vez, o legítimo pleito do povo argentino.
Para nós, latino-americanos, reafirmar a soberania das Malvinas e de seu entorno por parte da Argentina significa afastar qualquer ingerência de forças extrarregionais e eliminar resquícios (neo)coloniais no Atlântico Sul.
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