SEGURANÇA PÚBLICA

Medo sob os pilotis

A violência deixou de ser exceção na Asa Norte e passou a integrar a paisagem urbana, moldando hábitos, restringindo deslocamentos e corroendo a confiança no espaço público

O ataque a uma mulher na 411 Norte reforçou a sensação de insegurança existente entre os moradores -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
O ataque a uma mulher na 411 Norte reforçou a sensação de insegurança existente entre os moradores - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

O crime ocorrido na 411 Norte, na madrugada do sábado passado, não é um episódio isolado nem um ponto fora da curva. Ele sintetiza, de forma brutal, a sensação crescente de insegurança que hoje permeia a Asa Norte. Ainda que estatísticas oficiais apontem oscilações ou até quedas em determinados indicadores, como costumam enfatizar os responsáveis pelo policiamento na região, o cotidiano dos moradores conta outra história. A violência deixou de ser exceção e passou a integrar a paisagem urbana, moldando hábitos, restringindo deslocamentos e corroendo a confiança no espaço público.

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover

O estupro seguido de tentativa de feminicídio, praticado sob os pilotis de um prédio residencial e gravado pelo sistema de vigilância eletrônica, expõe fragilidades que vão muito além da ação individual de um agressor. A violência durou cerca de 15 minutos, em plena madrugada, cercada por apartamentos ocupados. Ainda assim, a vítima enfrentou o que se pode chamar de um grito no vácuo: pessoas perceberam a agressão, fecharam janelas e a ajuda só chegou horas depois. Não se trata aqui de distribuir culpas morais, mas de reconhecer um ambiente urbano que normalizou o medo e a omissão como mecanismos de autoproteção.

A sensação de insegurança existente hoje na Asa Norte é resultado de um conjunto de fatores que se acumulam há anos. A iluminação pública precária, como evidenciado recentemente na 304, que passou uma noite completamente às escuras nesta semana, cria zonas de sombra que favorecem crimes e inibem a circulação. O crescimento visível da população em situação de rua, sem políticas consistentes de acolhimento, acompanhamento e reinserção social, transformou áreas residenciais em territórios de tensão permanente. Barracas de lona improvisadas ao longo da L2 e da L4, carrinhos de supermercado abandonados, lixo revirado sob os pilotis e condomínios obrigados a trancar lixeiras são sinais claros de uma desordem que não é apenas estética, mas também social e sanitária.

A convivência cotidiana com abordagens cada vez mais ríspidas de flanelinhas e pedintes, somada ao receio de caminhar à noite ou estacionar em determinados pontos, revela uma perda progressiva do direito básico à cidade. Como contei aqui nesse espaço três semanas atrás, empresários de uma das quadras mais badaladas da região, a 413, precisaram recorrer à segurança privada armada na porta dos estabelecimentos para conseguir manter os clientes. A Asa Norte, historicamente concebida como espaço de integração, circulação e vida comunitária, vê-se fragmentada por bolsões de medo e desconfiança.

Há, ainda, um elo frequentemente ignorado nesse debate: o sucateamento dos serviços de saúde mental, assistência social e políticas de cuidado continuado. A população em situação de rua não surge do nada, tampouco desaparece por decreto ou ação policial pontual. A ausência de respostas estruturadas e permanentes produz um ciclo de vulnerabilidade que atinge tanto quem vive nas ruas quanto quem mora ao redor delas. Segurança pública não se resume a prisões e policiamento ostensivo, mas exige coordenação entre iluminação urbana, zeladoria, assistência social e presença do Estado de forma contínua e eficaz. E o caminho a ser percorrido é longe, sem soluções imediatistas.

 

  • Google Discover Icon
postado em 26/12/2025 06:00
x