CONGRESSO

Decisões na calada da noite não podem ser normalizadas

A Câmara precisa explicar à sociedade: como se exerce um mandato sem direitos políticos? Como votar, discursar ou representar cidadãos a partir de uma cela em outro país? E, indo além, qual será o entendimento da Câmara diante dos casos de Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem, que estão no exterior?

"Como a deputada Carla Zambelli vai votar, discursar ou representar cidadãos a partir de uma cela em outro país?" - (crédito: Reprodução/Dailymotion)

No Brasil, decisões tomadas enquanto o país dorme raramente produzem bons resultados para a democracia. A madrugada, que deveria ser espaço de pausa e recolhimento, tornou-se palco de votações de grande impacto nesta semana, conduzidas longe do olhar mais atento da sociedade. Os episódios recentes na Câmara dos Deputados, como a rejeição da cassação do mandato de Carla Zambelli e a aprovação do chamado PL da Dosimetria, reforçam essa tendência preocupante.

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A manutenção do mandato de Carla Zambelli, condenada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal a 10 anos de reclusão e, atualmente, presa na Itália, expõe uma fratura institucional e uma contradição política difícil de justificar. A própria Comissão de Constituição e Justiça, a tão conhecida CCJ, havia recomendado a perda do mandato por "incompatibilidade fática absoluta" entre o regime fechado e o exercício da representação popular. Essa constatação elementar permanece sem resposta e deve ser dada pela Mesa Diretora da Câmara: como se exerce um mandato sem direitos políticos? Como votar, discursar ou representar cidadãos a partir de uma cela em outro país? E, indo além, qual será o entendimento da Câmara diante dos casos de Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem, que estão no exterior?

A decisão do plenário, com apenas 227 votos pela cassação, número insuficiente, contrariou não apenas a lógica institucional, mas também o próprio STF, criando um precedente que fragiliza a confiança nas engrenagens republicanas. O racha partidário escancarado, com o PL majoritariamente votando pela manutenção do mandato, aprofunda a percepção de que critérios jurídicos podem ser facilmente suplantados por cálculos de conveniência.

No mesmo compasso, e igualmente na madrugada, avançou o PL da Dosimetria, um conjunto de mudanças que reduz penas e flexibiliza o regime para condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de Janeiro. A proibição de somar as penas de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, prática adotada pelo STF, e a perspectiva de diminuição significativa no tempo de prisão de envolvidos, inclusive do ex-presidente Jair Bolsonaro, representam uma inflexão legislativa de grande alcance.

A coincidência temporal das decisões, ambas de forte impacto político e jurídico, reforça a sensação de que a madrugada é utilizada como abrigo para votações que enfrentariam resistência maior sob luz plena. Não se trata de questionar a autonomia do Legislativo, mas de defender que temas de tamanha gravidade exigem transparência, escrutínio público e debate qualificado. Não dá também para transmissão ao vivo da TV Câmara ser tirada do ar, como vimos também nesta semana no episódio referente ao deputado Glauber Braga.

Em um país que ainda cicatriza as feridas de tentativas recentes de ruptura institucional, a democracia não pode ser administrada na surdina. E a Câmara, se pretende reafirmar seu papel como pilar republicano, precisa compreender que decisões tomadas na calada da noite iluminam menos o caminho e mais as sombras que insistem em rondar o Brasil.

 

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postado em 12/12/2025 06:00
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