WILLIAM DOUGLAS, professor de direito constitucional
É compreensível que cada governo possua um viés ideológico próprio, mas não se pode admitir que qualquer gestão — seja de qual linha for — promova ações que coloquem em risco setores estratégicos que geram riqueza, empregos, tributos, exportações e que alimentam milhões de famílias. O agronegócio brasileiro, responsável por um quinto dos pratos servidos no planeta e um dos pilares econômicos e sociais do país, está sob persistente ataque.
É natural que setores radicais vejam no Agro um ambiente de adversários políticos ou ideológicos, mas os agentes públicos de bom senso, conhecendo a importância objetiva do setor, deveriam interromper iniciativas que comprometem produção, arrecadação e segurança alimentar.
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Trato aqui da polêmica proposta da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). O órgão pretende instituir duas listas nacionais de espécies exóticas: uma lista de espécies exóticas invasoras, sujeitas a controle e erradicação; outra, de espécies exóticas "com necessidade de acompanhamento", direcionada a espécies que "requerem monitoramento".
A proposta encontra-se em consulta pública, com deliberação prevista para a 21ª reunião da Conabio, em 8 de dezembro de 2025. As notícias sobre a novidade geraram forte impacto, a ponto de o MMA publicar nota à imprensa sobre o assunto, a qual não conseguiu tranquilizar os produtores. Afinal, é natural vislumbrar o risco de banimento ou de restrições comerciais, insegurança jurídica e maior burocracia fiscalizatória.
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Entre as espécies contempladas — e tratadas como potenciais invasoras — estão bases inteiras de cadeias econômicas fundamentais. No setor florestal, por exemplo, o eucalipto, o Pinus taeda e o Pinus caribaea são pilares da indústria de papel e celulose. No setor de frutas, espécies amplamente incorporadas ao território e à cultura brasileira, como mangueira, goiabeira e jaqueira. Na piscicultura, a tilápia e o camarão-branco — todos amplamente cultivados e elementos centrais da economia aquícola nacional.
O cultivo do eucalipto transformou o Brasil no maior exportador de celulose do mundo. Produzimos 100% do papel a partir de árvores cultivadas, em área de 9,94 milhões de hectares, com manejo moderno e intensamente baseado em ciência. Esse setor gera mais de 5 mil bioprodutos — de livros e embalagens a fibras têxteis e lignina para energia — e mantém mais de 7 milhões de hectares de florestas nativas preservadas. No ano passado, exportou quase 12 bilhões de dólares e gerou 2,8 milhões de empregos diretos e indiretos. A quem interessa atacar um setor produtivo, ambientalmente sustentável e internacionalmente competitivo?
A fruticultura brasileira é outro caso exemplar. Em 2025, o Brasil deverá produzir 123 milhões de toneladas de frutas, em 2,3 milhões de hectares, majoritariamente em médias e pequenas propriedades. A diversidade de biomas permite produção praticamente o ano inteiro. A manga, um dos alvos da proposta da Conabio, é a segunda fruta mais exportada pelo país, atrás apenas da laranja. Ignorar esse patrimônio econômico e cultural — frutas presentes em nossa literatura, música e culinária — para tratá-las como espécies invasoras é grave desconexão da realidade agronômica e do peso social do setor.
A tilapicultura brasileira é uma das mais avançadas do mundo. Enquanto a média global de produtividade é de 20 a 25 toneladas por hectare, o Brasil alcança 100 toneladas — mais que o triplo. Em 2024, a tilápia representou 68,3% da produção de peixes cultivados, com 662 mil toneladas. Para se ter uma ideia da competitividade nacional: uma tilápia abatida de manhã no Brasil chega fresca aos supermercados dos EUA no dia seguinte. É um peixe que abastece o mundo.
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O país não pode se dar ao luxo de adotar políticas que comprometam setores produtivos essenciais. A criação de listas com potencial de restringir cadeias inteiras — sem embasamento técnico robusto e ignorando a relevância econômica e social das espécies envolvidas — empobrece o Brasil e afeta a confiança e os investimentos.
Se esse tipo de proposta prosperar, estaremos produzindo apenas bananas: uma "República das bananas". Se prevalecer o bom senso, continuaremos sendo uma República com mangas, goiabas, tilápias, celulose e tantos outros produtos que alimentam, energizam e ajudam o mundo.
