INVESTIGAÇÃO

CPI da Covid amplia ofensiva contra apoiadores de Bolsonaro

Comissão quebra sigilos de pessoas próximas ao presidente da República, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e o advogado Frederick Wassef. Integrantes do "gabinete paralelo" serão acusados, pelo relator, de crime comum

Augusto Fernandes
postado em 20/08/2021 06:00 / atualizado em 20/08/2021 14:59
 (crédito: Pedro França/Agêincia Senado)
(crédito: Pedro França/Agêincia Senado)

A CPI da Covid intensificou a ofensiva contra apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e decidiu derrubar sigilos de pessoas próximas ao chefe do Executivo. Um dos alvos é o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. Depois de ter sido incluído na lista de investigados do colegiado, o parlamentar teve o seu sigilo fiscal quebrado.

Outro atingido pela decisão foi o advogado Frederick Wassef, que defende Bolsonaro e outros membros da família do presidente, como o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e Jair Renan Bolsonaro, filhos do chefe do Executivo. Apesar de ele não estar na condição de investigado pela comissão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou indícios de que Wassef teria algum tipo de relação com a Precisa Medicamentos, empresa que intermediou a compra, pelo Ministério da Saúde, de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech, pelo valor de R$ 1,6 bilhão.

Barros também é apontado por Calheiros como alguém que teria proximidade com a Precisa. O parlamentar seria um dos responsáveis por facilitar a conclusão do acordo pela Covaxin. Na medida provisória (MP) elaborada pelo governo que permitia a importação e a distribuição de vacinas sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — desde que aprovadas por autoridades sanitárias do exterior —, o deputado apresentou uma emenda para incluir, entre os órgãos internacionais habilitados, a congênere da Anvisa na Índia.

De acordo com o relator da CPI, os dois “possuem registros de passagens de recursos e/ou relacionamentos comerciais com origem ou destino na empresa Precisa-Comercialização de Medicamentos Ltda., seus sócios, familiares destes e outros investigados por esta CPI”. Outras sete pessoas foram apontadas por Calheiros como suspeitas de terem alguma participação com a empresa.

Com a quebra do sigilo fiscal, a comissão pediu que a Receita Federal envie ao colegiado a relação de empresas em que Barros, Wassef e os demais participam. A reportagem procurou Wassef, mas não conseguiu contato.

Nas redes sociais, Barros criticou a decisão do colegiado. “A CPI não encontrará nenhuma ligação minha com a Precisa. Todas as pessoas ouvidas no caso Covaxin negaram minha participação. A CPI extrapola, exagera e mente, mas, agora, a condução da relação com a CPI é com meus advogados”, afirmou Barros.

Antes da decisão de ontem da CPI, a defesa de Barros recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a Corte anulasse quaisquer quebras de sigilo do deputado. O caso foi distribuído à ministra Cármen Lúcia, que cobrou explicações da CPI antes de tomar uma decisão.

A comissão ainda derrubou os sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático de blogueiros, jornalistas e influenciadores digitais bolsonaristas (veja Os alvos). Responsáveis por páginas como Instituto Força Brasil, Conexão Política, Crítica Nacional e Senso Incomum também foram atingidos. O objetivo da comissão é entender se houve algum tipo de financiamento público a essas pessoas para a disseminação de notícias falsas em meio à pandemia, que atrapalharam o enfrentamento da crise sanitária.

Gabinete paralelo

Os membros do chamado gabinete paralelo — que teria aconselhado Bolsonaro a tomar decisões contrárias à ciência no enfrentamento à pandemia — serão acusados de crime comum por Calheiros, ao fim dos trabalhos da comissão.

Esse gabinete seria formado por médicos que defendem a utilização de remédios comprovadamente ineficazes no tratamento contra a covid-19. Políticos e outros integrantes do governo de fora do Ministério da Saúde também são suspeitos de fazer parte desse grupo de aconselhamento.

“Pretendo, como relator — posso não aprovar nesta CPI —, responsabilizar por crime comum todos os membros do gabinete paralelo, pela maldade que fizeram contra o Brasil ao prescrever remédios ineficazes, ao estabelecer prioridades para gasto orçamentário, para execução de gasto público criminosamente”, afirmou Calheiros.

O senador comentou, ainda, que o relatório será apresentado na segunda quinzena de setembro e será conclusivo. “O meu relatório não vai mandar para procuradoria investigar nada. Ele vai concluir a partir das investigações realizadas aqui e pedindo para que, no prazo que a lei das Comissões Parlamentares de Inquérito reserva, a Procuradoria-Geral da República mande processar, e não investigar novamente. Não é esse o meu estilo, o meu propósito.”


Os alvos

Pessoas
» Deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara — sigilo fiscal
» Frederick Wassef, advogado — sigilo fiscal
» Francisco Maximiano, sócio-proprietário da Precisa Medicamentos — sigilo fiscal
» Emanuel Ramalho Cartori, sócio da Belcher Farmacêutica — sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático
» Allan Lopes dos Santos, jornalista do Canal Terça Livre — sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático
» Oswaldo Eustáquio Filho, jornalista — sigilo fiscal

Empresas e órgãos
» Global Gestão em Saúde — sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático
» Fib Bank Garantia de Fianças Fidejussórias — sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático
» Precisa Medicamentos — sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático
» Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) — sigilos fiscal, telefônico, bancário e telemático

 

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Sócio da Precisa nega favorecimento

Sem assumir o compromisso de dizer a verdade, o sócio-proprietário da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, admitiu à CPI da Covid que conhece o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, mas negou ter pedido ao parlamentar qualquer tipo de facilidade para concluir o acordo de venda de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, fabricada pelo laboratório Bharat Biotech, para o governo. A compra custou R$ 1,6 bilhão, uma das mais caras para a aquisição de imunizantes feitas pelo Executivo.

Segundo Maximiano, a emenda do deputado a uma medida provisória do governo — que incluiu a agência sanitária da Índia entre as autoridades internacionais que poderiam servir como referência para a importação de vacinas sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — era de interesse da Precisa. Mesmo assim, frisou que “não houve nenhum contato com o deputado Ricardo Barros para fazer essa inclusão”.

Em boa parte do depoimento, Maximiano se recusou a responder às perguntas dos senadores. Ele conseguiu um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) que lhe deu o direito de ficar em silêncio diante de questionamentos que pudessem incriminá-lo. Contudo, se calou mesmo em perguntas que não tinham relação com a Covaxin.

Nas poucas perguntas que respondeu, acusou a empresa Envixia Pharmaceuticals, intermediadora da Bharat Biotech nos Emirados Árabes Unidos, de ser a responsável por falsificar documentos que a Precisa usou para conseguir a conclusão do acordo com o Ministério da Saúde.

Forjado

Um dos documentos forjados foi uma procuração que deu poderes à Precisa para celebrar contratos de fornecimento pela Bharat. Ele foi elaborado sem a anuência do laboratório da Índia. Em outubro de 2020, a Precisa foi reconhecida pela Bharat como sendo sua representante no Brasil apenas para emitir documentos e iniciar discussões acerca da distribuição da vacina.

Mesmo assim, o processo administrativo de aquisição da Covaxin foi conduzido como sendo a Precisa a representante oficial da Bharat para os principais aspectos, incluindo definição de preços, cronogramas e demais cláusulas contratuais.

Senadores contestaram a informação dada por Maximiano. “A Envixia é dos Emirados Árabes e sabe escrever português perfeitamente. Muito bom, muito interessante essa tese. Até que se prove o contrário, a responsabilidade é não única e exclusiva, mas da Precisa, por ter entrado com o documento falsificado para obter algum tipo de vantagem”, enfatizou Simone Tebet (MDB-MS). (AF)

Senadores vão ao CNMP contra subprocuradora

 (crédito: Gil Ferreira/Agência CNJ )
crédito: Gil Ferreira/Agência CNJ

Integrantes da CPI da Covid, os senadores Humberto Costa (PT-CE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entraram, ontem, com uma reclamação na Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra a subprocuradora da República Lindôra Araújo. A investida foi motivada pelos pareceres em que ela colocou em dúvida o grau de eficácia das máscaras contra a disseminação do novo coronavírus ao defender que o presidente Jair Bolsonaro não cometeu crime por sair sem a proteção.

Os parlamentares cobram a abertura de um processo disciplinar para apurar se a subprocuradora violou normas funcionais. Eles afirmam que o posicionamento dela vai na contramão do perfil do Ministério Público Federal (MPF) e estimula a população a descumprir normas sanitárias estabelecidas para frear o avanço da pandemia.

Em outro trecho do documento, os senadores levantam dúvida sobre um possível alinhamento entre Lindôra, que trabalha diretamente com o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o governo federal.

“Mister apurar esses indícios de comprometimento pessoal da subprocuradora-geral da República com agentes públicos que lhe incumbe investigar e processar juridicamente, que apontam violação aos princípios que norteiam a ordem jurídica e de direito da impessoalidade, legalidade e moralidade, em nada condizentes com as funções institucionais conferidas à chefia do Ministério Público, instituição que personifica, dada a envergadura do cargo”, diz um trecho da reclamação.

Os pareceres da subprocuradora foram enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF) em duas ações movidas pela oposição contra Bolsonaro: uma apresentada pelo PT, após a rodada de motociatas de apoio ao governo organizadas em maio, e outra articulada por parlamentares do PSol depois que o presidente abaixou a máscara de uma criança em um evento lotado no Rio Grande do Norte.

Ao tribunal, Lindôra disse não ver crime do presidente por sair sem máscara e causar aglomeração em eventos públicos durante a pandemia. Segundo ela, o comportamento teve “baixa lesividade”. A subprocuradora argumentou que não é possível atestar a “exata eficácia da máscara de proteção como meio de prevenir a propagação do novo coronavírus”, o que, na avaliação dela, impede o enquadramento do presidente por deixar de usar o equipamento.

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