CPI DA COVID

Luciano Hang usa CPI da Covid para fazer autopromoção e defender tratamento precoce

Empresário tenta passar a ideia de que o "tratamento preventivo" que queria para a mãe não era o ineficaz "tratamento precoce", que defende, estimula e financiou a distribuição. Admite que não se imunizou e garante que não bancou campanha antivacina

Tainá Andrade
Raphael Felice
postado em 30/09/2021 06:00
Hang tentou enfrentar os senadores com provocações e cobrando perguntas precisas. Mas muitas ficaram sem explicações que a CPI -  (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Hang tentou enfrentar os senadores com provocações e cobrando perguntas precisas. Mas muitas ficaram sem explicações que a CPI - (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

A CPI da Covid tornou-se, ontem, palco para o negacionismo do empresário Luciano Hang, que, entre outras coisas, admitiu não ter se vacinado contra o novo coronavírus porque tem um “índice de anticorpos altíssimo”, que faz uso e recomenda o “tratamento precoce” — composto de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 — e também ter financiado a compra desses remédios por hospitais. Também tentou desqualificar as perguntas do relator Renan Calheiros (MDB-AL) dizendo que eram “narrativas” e desde o início mostrou disposição para o confronto. Montou, com a ajuda da tropa de choque do Palácio do Planalto na comissão, uma estratégia de tentar passar a ideia de que o colegiado promove uma perseguição ao governo, que incluía até mesmo exibir cartazes nos quais diria estar sendo censurado caso não pudesse dar sua versão.

Os senadores já trabalhavam com a expectativa de que a sessão fosse tensa, pouco produtiva e de resultados pífios para a composição do relatório final da comissão. Hang chegou escoltado por parlamentares governistas dizendo que tinha todo tempo do mundo, que devolveria com respeito o tratamento respeitoso, mas que exigia dar respostas a todas as perguntas. Antes mesmo de os trabalhos começarem, circulava entre os integrantes do colegiado a dúvida sobre se fora uma boa iniciativa a convocação do empresário — muitos teriam sido contra exatamente por terem a certeza de que ele tentaria fazer da participação um cenário de defesa do governo e de projeção de si mesmo. Mas não viam outra alternativa a não ser inquiri-lo, sobretudo depois do vídeo publicado, na segunda-feira, ironizando a CPI com uma algema — Hang disse que estava preparado caso tivesse de sair preso do depoimento.

Às longas perguntas de Renan, o empresário se recusou a respondê-las de modo sucinto. Ao contrário, tentou, em todas, passar suas versões e dar explicações amplas, o que foi irritando não apenas o relator, mas o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). Como provocação, também reclamou daquilo que lhe era indagado, considerando os temas genéricos demais.

Sem habeas corpus

Para tentar passar a ideia de que a comissão não o assustava, Hang abriu mão de um habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal. Os senadores procuraram emparedá-lo com vídeos, fotos e relatos, e por meio do episódio da morte da mãe do empresário buscaram traçar uma linha que ligasse ele, o escândalo da Prevent Senior e o “gabinete paralelo” da saúde por meio do episódio. Nesse momento, tentou passar a ideia de que “tratamento preventivo” — que numa das publicações em rede social poderia ter “salvado” Regina Hang — não era o mesmo que “tratamento precoce” — com cloroquina, ivermectina e azitromicina.

A CPI também confrontou o empresário sobre o motivo da morte da mãe. Hang admitiu que ela fora tratada com os remédios sem eficácia contra o novo coronavírus, mas atribuiu a ausência da menção à covid-19 no atestado de óbito de Regina Hang não a uma manobra da Prevent, mas a um equívoco do médico plantonista que fez o registro. Como disse não entender “absolutamente nada” sobre o preenchimento de documentos que relatem mortes de pacientes, disse que não percebeu, mas que o erro foi corrigido depois. Para provar o que dizia, quis entregar à comissão um documento emitido pela comissão de controle de infecção hospitalar, para provar a informação que constava no prontuário. Mas foi advertido que o colegiado já possuía o prontuário em que não havia indicação da covid.

Não vacinado

Hang também procurou passar a imagem de que é um defensor e acredita na vacina. Para isso, lembrou que liderou um grupo de empresários, ao lado de Carlos Wizard — outro bolsonarista crítico das medidas de afastamento social —, de compra de imunizantes a fim de que pudesse administrar 50% das doses nos funcionários das próprias empresas — os outros 50% seriam repassados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas admitiu que não se vacinou e explicou por quê.

“Não tomei vacina porque eu tenho índice de anticorpos altíssimo. Tenho neutralizante natural”, respondeu à senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reproduzindo o mesmo argumento utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ele, porém, comparou a ação de remédios sem eficácia contra a covid com a vacina, ao afirmar que pessoas vacinadas também podem contrair a doença e que os medicamentos, por sua vez, “fortalecem a célula”. Hang admitiu que incentivou o tratamento precoce e financiou a compra de medicamentos para hospitais.

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Tumulto e tensão estavam no radar

 (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Antes mesmo de começar, o depoimento de Luciano Hang era visto com reservas por integrantes da CPI da Covid. Nos bastidores da comissão, a decisão de chamá-lo partiu do relator Renan Calheiros (MDB-AL) e foi tomada sobretudo depois do comparecimento de Pedro Benedito Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent Senior, na semana passada. Foi ele que admitiu que a citação à covid-19 era retirada dos prontuários de pacientes que morriam devido à doença e que uma dessas vítimas seria Regina Hang, mãe do empresário. A preocupação era dar ribalta para o dono de uma rede de loja de departamentos passar ideias que se conflitam com aquilo que a ciência já confirmou.

Antes de começar a CPI, Renan deu a entender de que a sessão seria tensa e repleta de provocações — embora tenha, na introdução que fez antes das perguntas, classificado Hang como “bobo da corte”. “É um depoimento normal, como qualquer outro ele vai ter que se adequar às regras da CPI. Esse tipo de personagem sempre existiu na história do Brasil. Não é incomum que exista hoje. É uma espécie de bobo da corte, que vive da sabujice eterna para prestar serviços ao poder e ganhar dinheiro. Ele tem envolvimento óbvio nas fake news, nos impulsionamentos, no patrocínio e no incentivo à mentira. Ele tem envolvimento óbvio no gabinete paralelo, como negacionista que é”, explicou o relator.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirmou que o espetáculo de ontem poderia acontecer. “CPI não tem que defender o governo e nem ninguém, deve apurar os fatos. Já era esperado isso aí. Quem chamou sabia que ia acontecer isso”, salientou.

Já o senador Humberto Costa (PT-PE) admitiu que o depoimento de Hang acrescentaria pouco e frisou que todos os fatos relacionados ao empresário estão documentados. “Nós tivemos, ontem (terça-feira), um depoimento bombástico (o da advogada Bruna Morato, que defende um grupo de médicos que faz várias acusações à Prevent Senior), importante para o esclarecimento do que aconteceu durante a pandemia. Esse de hoje (ontem) iria acrescentaria pouca coisa. O que poderia vir a mais?”, indagou.

Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE) — que acusou um dos advogados de Hang de tê-lo desacatado, tumulto que suspendeu os trabalhos da CPI por aproximadamente 40 minutos —, “o que importa são dados e o cinismo do Hang depõe contra ele. Muito cínico, muito sarcástico. Só vai reforçar a presença dele como investigado”.

Sobre o entrevero entre ele e um dos defensores de Hang, o petista explicou. “Estava pedindo questão de ordem e o advogado interrompeu, levantou, botou o dedo em riste. O advogado não tem que se manifestar em uma CPI. Ele tem que dar conta do paciente dele. Uma falta de respeito total e absoluto pelo vigor do rito processual. Eles estavam faltando com decoro ali. O advogado era quem falava no lugar do depoente, puxando o microfone”, explicou. (TA e RF)

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