Benefício

Ajuda do novo Auxílio Brasil não freará aumento da pobreza

Sem garantias de que substituto do Bolsa Família e do auxílio emergencial será mantido em 2023, especialistas dizem que vulneráveis continuarão desamparados

Rosana Hessel
postado em 03/11/2021 05:52 / atualizado em 03/11/2021 05:53
Analistas ressaltam que os valores do Auxílio Brasil são uma incógnita e que, por enquanto, a nova ajuda ainda será inferior ao valor que tinha em 2014 -  (crédito: B?rbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
Analistas ressaltam que os valores do Auxílio Brasil são uma incógnita e que, por enquanto, a nova ajuda ainda será inferior ao valor que tinha em 2014 - (crédito: B?rbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)

Ao implementar, a partir deste mês, o Auxílio Brasil enquanto põe fim ao Bolsa Família e ao auxílio emergencial — sem que a pandemia da covid-19 tenha sido totalmente controlada —, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode estar criando um sério problema para o ano que vem. Em meio às crescentes dúvidas sobre o novo programa, analistas avisam que a pobreza no país vai aumentar porque os vulneráveis continuarão desamparados.

O Auxílio Brasil, segundo especialistas, está sendo feito de maneira atabalhoada, sem garantias de que será mantido a partir de 2023. “O grande problema do Auxílio Brasil é que ele, na prática, acaba com o Bolsa Família, que é um programa bem desenhado e já tem uma tradição enorme no país, com uma previsão e uma estabilidade para os mais vulneráveis. Agora, eles podem ter uma renda com o Auxílio Brasil, mas ele acaba em 2022 e não tem nenhuma previsibilidade depois disso”, afirmou a matemática Tatiana Roque, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O economista Simão David Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), também não poupa críticas ao novo programa. “Em si, não é bom, porque tem abrangência limitada em um momento em que é preciso mais. O grande problema é que o governo está fazendo um estardalhaço para criar o Auxílio Brasil e o custo, que é mexer nas regras fiscais e nos precatórios (dívidas judiciais), será muito elevado”, alertou.

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- (foto: editoria de ilustração)

Na avaliação de Silber, o governo deveria procurar recursos para o novo auxílio no Orçamento, cortando despesas, em vez de apostar na polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. A medida dá uma pedalada nas dívidas judiciais e acaba de vez com o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação — abrindo um buraco de quase R$ 100 bilhões. “O custo indireto com a PEC dos Precatórios é muito elevado. O câmbio já disparou e os juros também. Seria melhor deixar o Bolsa Família, mas fica o carimbo do PT. Eles querem o carimbo do Bolsonaro.”

Pelos cálculos do diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), Marcelo Neri, 6,8 milhões de pessoas poderão voltar para a situação de pobreza no país, que, atualmente, atinge 27,7 milhões. No primeiro trimestre de 2021, quando o governo interrompeu o pagamento do benefício, o número de pessoas vivendo com menos de ¼ do salário mínimo (R$ 275) chegou a 34,5 milhões, o equivalente a 16,1% da população — maior patamar da história. “Esse dado pode ser menor se uma parcela conseguir algum emprego informal, mas não há dúvidas de que haverá aumento do estrato de pessoas vivendo em situação de pobreza”, lamentou Neri. Ainda segundo ele, “o programa pode não ser eficiente, porque não há testes com benefícios que exigem contrapartida. E não sabemos o que virá em 2023”.

Silber, da USP, estimou que metade das famílias que hoje recebem o auxílio emergencial deve voltar para a pobreza. E lembrou que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou as perdas de R$ 54,7 bilhões em fraudes com o auxílio emergencial no ano passado. Se o governo tivesse se empenhado mais para recuperar esse dinheiro, ele seria suficiente para cobrir os R$ 50 bilhões previstos pela Economia com o novo Bolsa Família. “Esse valor poderia financiar o novo programa, mas o site está interditado para quem recebeu o benefício indevidamente e tenta devolver”, lamentou. Procurado, o Ministério da Cidadania não comentou o problema no site.

"Não há Plano B"

Conforme dados da pasta, o Bolsa Família atende 14,65 milhões de famílias e o objetivo do governo é ampliar essa base para 17 milhões com o novo programa a partir de dezembro. Enquanto isso, 34,4 milhões de famílias recebem, hoje, o auxílio emergencial; destes, 9,3 milhões fazem parte do Bolsa. Logo, 25,1 milhões de famílias deixarão de receber o auxílio emergencial neste mês, mas o governo não deu explicações sobre como pretende resolver esse problema caso a PEC dos Precatórios não seja aprovada.
No Ministério da Economia, o mantra é que "não há Plano B" para a PEC, que tem votação prevista para amanhã na Câmara, mas há risco de não haver quórum. No Palácio do Planalto, a ala política vem estudando uma saída, e tem deixado a equipe econômica fora desse debate.

Reajuste menor

Analistas ressaltam que os valores do Auxílio Brasil são uma incógnita e que, por enquanto, a nova ajuda ainda será inferior ao valor que tinha em 2014. Atualmente, o governo paga, em média, R$ 250 para o auxílio emergencial, enquanto a média do Bolsa Família é de R$ 192. Nem mesmo o reajuste de 20% prometido pelo ministro João Roma será concretizado. Já o “bônus” até dezembro de 2022, que faria com que o novo benefício passasse para “pelo menos” R$ 400, ainda depende da PEC.

“Os pagamentos do Auxílio Brasil têm início no dia 17 deste mês e seguirão o calendário habitual do Bolsa Família. O valor médio do programa social será corrigido em 17,84% já neste mês”, informou o Ministério da Cidadania. Segundo o órgão, em dezembro, “após a aprovação da PEC dos Precatórios, o governo federal pagará um complemento que garantirá a cada família, até dezembro de 2022, o recebimento de pelo menos R$ 400 mensais”. “Quem já está na folha de pagamento de novembro do Auxílio Brasil receberá o novo valor de forma retroativa”, acrescentou. A pasta estima que 50 milhões de pessoas deverão ser atendidas pelo novo programa.
Neri, da FGV, lembrou que o programa aumenta a insegurança dos mais pobres, que já são os mais afetados pela crise. “A renda da população mais vulnerável é a que mais tem encolhido, porque eles são os que mais sentem o impacto da inflação”. Pelos cálculos do economista, seria necessário um reajuste de 32,2% para o beneficiário do Bolsa Família recuperar o valor que tinha em 2014. “O governo não conseguiu nem corrigir esse problema com o novo programa. Ele tem muitas imitações e ainda tem um impacto negativo de curto prazo que será o aumento da pobreza.”

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