ELEIÇÕES

Bolsonaro da eleição de 2022 será diferente do que disputou em 2018

Na disputa anterior, o presidente entrou como um outsider e com pouco tempo de televisão. No ano que vem, enfrentará as urnas em meio a uma grave crise econômica e ainda sob os efeitos da pandemia

Israel Medeiros
postado em 08/11/2021 05:55
Bolsonaro discursa a apoiadores em Piraí do Sul (PR), no sábado, durante motociata pelas ruas da cidade: disputa pela reeleição -  (crédito: Clauber Cleber Caetano/PR)
Bolsonaro discursa a apoiadores em Piraí do Sul (PR), no sábado, durante motociata pelas ruas da cidade: disputa pela reeleição - (crédito: Clauber Cleber Caetano/PR)

Com uma retórica incomum e vestindo uma fantasia de candidato de fora do sistema, contra "tudo isso que está aí", o então deputado federal Jair Bolsonaro fez algo que era incomum até então: venceu uma eleição praticamente sem tempo de televisão e sem ser impulsionado por grandes e tradicionais caciques da política brasileira. O sentimento anti-PT e o discurso de "outsider" pensado para as redes sociais lhe renderam a liderança em pesquisas eleitorais depois da prisão do seu principal oponente: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Após dois anos e 10 meses de governo, inúmeras crises institucionais, escândalos, 607 mil mortos por causa da pandemia e uma crise econômica gravíssima, que tira o sono de milhões de brasileiros, o Bolsonaro pré-candidato às eleições de 2022 é bem diferente daquele que muitos chamaram de "fenômeno" três anos atrás. Segundo pesquisa PoderData divulgada na última semana, 58% dos entrevistados reprovam seu governo. Os que aprovam são 33%, com margem de erro de 2 pontos percentuais.

Já quando se fala em intenção de voto, a volta de Lula ao páreo tem sido extremamente prejudicial ao presidente, que aparece estacionado em segundo lugar em todas as pesquisas e perdendo para praticamente todos os candidatos em simulações de segundo turno. Apesar do mau desempenho nas pesquisas, Bolsonaro fortaleceu, durante o governo, a presença nas redes sociais e a tendência é que ele continue apostando nessa estratégia para falar diretamente com os radicais que o apoiam.

Atualmente, Bolsonaro tem 7,1 milhões de seguidores no Twitter; 14,5 milhões de seguidores no Facebook; 18,9 milhões no Instagram; 3,5 milhões de inscritos em seu canal do YouTube e 1 milhão de seguidores no Telegram, rede social similar ao WhatsApp sem os mecanismos contra disseminação de fake news, como limitação de compartilhamentos de um mesmo conteúdo em texto ou limite de participantes em grupos.

Se somadas todas as redes, o número total de seguidores é de 45 milhões. No entanto, os apoiadores do presidente podem estar em mais de uma rede, portanto, não é possível saber exatamente o número total de seguidores únicos. Esse número demonstra uma força que o favorito nas pesquisas eleitorais não tem e que deve fazer diferença na campanha. Lula tem pouco mais de 11 milhões de seguidores no total, considerando as mesmas redes.

André Eler, diretor-adjunto da consultoria digital Bites, pontua que em 2018, as redes sociais foram a base da vitória de Bolsonaro e agora, com crescimento proporcionado pela publicidade do cargo de presidente, a tendência é que ele tenha grande vantagem para espalhar seus conteúdos e chegar a novos públicos, mesmo aqueles que não o seguem.

"Mais importante do que o tamanho dele foi a capacidade de continuar crescendo. Criar fatos, transformar os fatos em algo propício para ele. Ele tem um tamanho que não tem ninguém que se iguale, isso pode ser uma vantagem. Lula tem apenas cerca de 10 milhões e ele é o candidato mais forte. Mas de qualquer forma, é um volume significativo suficiente para que a mensagem dele chegue a uma parcela relevante da população", diz.

O especialista esclarece, no entanto, que Bolsonaro só conseguirá crescer se conseguir gerar fatos com maior nível de engajamento — isto é, que sejam mais atrativas para compartilhamentos, curtidas e comentários. "Ele precisa de um nível de tensão e polarização e temperatura do discurso que é alto demais, que ele nem sempre consegue manter. E em algumas redes já há essa dificuldade de continuar crescendo tanto. No Youtube ele é excepcional, eles dominam muito as estratégias", afirma.

Segundo Eler, os picos de engajamento do presidente ocorreram em dias de notícias bombásticas, como foi o caso da facada, quando ainda era candidato, o dia da posse, em 2019, o discurso contra o fechamento do comércio com a chegada da pandemia e o embate com instituições como o Judiciário. Ele explica que, nas redes sociais, o que motiva maior interação é o discurso apaixonado e retóricas mais combativas - que são parte da política de enfrentamento de Bolsonaro.

Enquanto isso, outros pré-candidatos apostam em uma estratégia voltada para as redes visando conseguir resultados parecidos. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, tem aparecido em podcasts e veiculado conteúdos com temática jovem, com referências de games. João Doria (PSDB) abraçou os memes e costuma rebater falas de Bolsonaro nas redes. Já Guilherme Boulos (PSol) compartilha conteúdos com uma linguagem também voltada ao público jovem. Para Eler, essas são "iniciativas muito pequenas perto do tamanho do Bolsonaro".

Extremismo permanece

Com várias derrotas e o risco de impeachment por crime de responsabilidade, Bolsonaro se viu obrigado a recuar em seu comportamento radical, especialmente no que diz respeito à democracia. Isso, no entanto, não significa que o presidente seja uma versão mais "paz e amor" do extremista que se elegeu em 2018. É o que explica Cláudio Couto, cientista político e coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas (MPGPP) da EAESP-FGV. "Eu acho que esse governo turbulento é o que se podia esperar ao longo da trajetória do Bolsonaro. Seria difícil supor qualquer coisa que não um governo como esse, tendo sido um deputado sem consistência intelectual, com desrespeito à democracia. Esse Bolsonaro do governo não é diferente do Bolsonaro deputado."

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