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Em meio à incerteza jurídica, Lira banca votação da PEC dos Precatórios nesta terça

Mesmo com a ofensiva de entidades e parlamentares no STF, presidente da Câmara confirma para hoje a avaliação da proposta em segundo turno

Israel Medeiros
Luana Patriolino
Cristiane Noberto
postado em 09/11/2021 06:00
 (crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
(crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Em meio à incerteza jurídica criada por um impasse entre a Câmara e o Supremo Tribunal Federal (STF), a PEC dos Precatórios deve ser votada, hoje, a partir das 9h, em segundo turno. O texto passou no primeiro turno com uma margem apertada, de apenas quatro votos a mais do que o necessário: 312. A compra de votos, escândalo revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, mudou os rumos das negociações e permitiu que a matéria recebesse o aval da Casa.

Parlamentares acionaram o STF para questionar os ritos da votação. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi notificado pela Corte e terá até as 15h de amanhã para explicar as mudanças nas regras da sessão deliberativa. Partidos de oposição também cobraram um posicionamento do Judiciário com relação às emendas de relator — que têm sido utilizadas, segundo deputados, como moeda de troca para conseguir os votos necessários à aprovação da proposta.

Membros do Centrão afirmaram que os valores em emendas de relator destinados a deputados que votaram a favor da proposta chegaram a R$ 15 milhões. A informação foi confirmada ao Correio por políticos do grupo que disseram ter ouvido conversas sobre o "aliciamento" de colegas de partido. Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do STF, determinou, por meio de liminar, a suspensão dos pagamentos de emendas de relator e retirou das mãos de Lira sua principal ferramenta de negociação.

Para tentar reverter a situação, Lira se encontrou, ontem, com o presidente do STF, Luiz Fux. Segundo informações da Corte, o ministro recebeu, além do presidente da Câmara, o deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ); o primeiro-vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB); e o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo na Casa.

Na conversa, os parlamentares teriam explicado a Fux o rito para a execução das emendas do relator e defenderam a legalidade dos atos do Congresso. Lira saiu da reunião sem falar com a imprensa.

O julgamento no plenário da Corte sobre a liminar expedida por Rosa Weber teve início hoje.

Pedido

Mais cedo, antes de encontrar Fux, Lira pediu ao Supremo a revogação da liminar, alegando que houve interferência do Judiciário em uma questão que é de competência do Legislativo.

"Preliminarmente, as ADPFs (Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais) não devem nem mesmo serem conhecidas, pois uma intervenção judicial no caso dos autos seria uma afronta ao princípio da separação de Poderes", argumentou Lira, no documento. "As ações tratam eminentemente de matéria interna corporis, tendo em vista que a previsão de emendas do relator não é matéria de ordem constitucional", acrescentou.

O presidente da Câmara alegou, também, que "as emendas de relator seguem rigorosamente a previsão de emendamento aos projetos de lei orçamentária da Constituição Federal". Portanto, o Judiciário, segundo ele, "não pode determinar que o Legislativo adote determinado procedimento na votação da lei orçamentária, porque tal ato constituiria invasão das prerrogativas constitucionais estabelecidas".

Lira sustentou, ainda, que, ao contrário das emendas individuais, as de relator (RP9) e as coletivas (RP2) mantêm o caráter tradicional dos regimentos internos das Casas. Sendo assim, não são vinculantes e "se circunscrevem aos acordos políticos". Em suma, significa dizer que esse tipo de emenda possui a característica de não ter os recursos carimbados e podem ser negociados politicamente.

Por último, ele destacou que a suspensão do pagamento das emendas de relator pode resultar em uma interrupção de "inúmeras obras e serviços em andamento pelo país".

O advogado criminalista Marcelo Leal afirmou que o ponto chave da questão é a transparência. Weber, em sua decisão, deixou claro que é preciso ser transparente com a forma como os recursos estão sendo destinados, assim como ocorre com emendas individuais. "Não se tem clareza sobre o que está sendo feito com o dinheiro. O princípio da publicidade é o que garante a transparência da administração. E a transparência da administração deve ser ainda maior quando se trata de dinheiro público", ressaltou Leal.

O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, explicou que a situação ainda é nova entre os parlamentares. "A sensação que se tem é de que não se sabe ainda como se trabalhar a questão", disse.

Queda de braço entre governo e oposição

Diante do desespero do governo para aprovar a PEC dos Precatórios, até nomes influentes da oposição foram procurados para negociar apoio à proposta. Deputados ouvidos reservadamente pelo Correio contaram que receberam ligações de parlamentares da base governista com propostas de acordos. "A gente te ajuda aqui do lado do governo", teria dito um deles a um dos principais opositores das pautas do Executivo na Câmara.

Breves Comunicados. Dep. Enio Verri PT - PR
Breves Comunicados. Dep. Enio Verri PT - PR (foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

Os partidos que compõem a minoria na Casa se reuniram, ontem à noite, sob a coordenação do deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ) para decidir os caminhos que as legendas devem seguir. Membros da oposição disseram que a tendência era de que o PDT, muito criticado por ter votado a favor da PEC na semana passada, repensasse seu posicionamento. A sigla vem sofrendo forte pressão, inclusive, de seus caciques, como foi o caso de Ciro Gomes. Ele decidiu suspender a pré-candidatura à Presidência até que a legenda reavalie sua atitude.

"Estou otimista de que a pressão realizada sobre o PDT e o PSB podem resultar em uma perda dos quatro votos que eles (governo) tiveram. Então, vai ser como uma corrida de cavalos: por um focinho essa disputa", disse o deputado Enio Verri (PT-PR).

Parlamentares do PDT, no entanto, sinalizaram que devem manter seu entendimento. "Os que votaram favorável no primeiro turno vão permanecer. Acho que temos 15 votos favoráveis do partido", disse Eduardo Bismarck (CE), vice-líder da sigla na Câmara.

Estratégia

Por outro lado, há deputados licenciados deixando cargos em governos estaduais para reassumir seus mandatos, a fim de votar contra a PEC. É o caso do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), que era secretário de Planejamento e Gestão no Estado do Ceará e retomou a vaga na Câmara. O suplente dele, deputado Aníbal Gomes (DEM-CE), votou sim à proposta.

Movimentos parecidos também ocorreram em outras legendas, como no PCdoB e no Cidadania. Na semana passada, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), também voltou de seu cargo no governo de São Paulo para votar contra a PEC.

Com essas variáveis em jogo, tanto governo quanto oposição estão otimistas com o resultado de hoje, acreditando, por um lado, que os votos a favor da proposta foram minados e, por outro, que há folga no número necessário para aprovar a matéria. Se o texto for avalizado por, ao menos, 308 votos, seguirá para a apreciação do Senado. (Israel Medeiros, Tainá Andrade, Cristiane Noberto)

 

 


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