As invasões deflagradas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) aumentam o desgaste do governo federal com o agronegócio, setor que era alinhado à gestão Bolsonaro. Mesmo assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém silêncio sobre as ocupações. O chefe do Executivo esteve ontem na cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso — um dos estados de maior produção agrícola do país —, e em nenhum momento abordou o assunto.
Desde a última segunda-feira, integrantes do MST invadiram cinco fazendas, três delas da empresa Suzano Papel e Celulose, no sul e no norte da Bahia, onde é cultivado eucalipto. Ontem, uma delas, que não pertence à companhia, foi desocupada.
Em reação, a bancada ruralista no Congresso divulgou uma nota, na sexta-feira (3/3), classificando os atos como resultado de uma "conivência histórica com a impunidade". "É o caminhar, lado a lado, por parte de alguns, com a depreciação da ordem e da lei", sustenta a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). "De maneira equivocada, instalou-se no país uma ideia de que há qualquer tipo de heroísmo anexo à ilicitude, ou ainda, que se pode enxergar direitos na barbárie. Independente da violação, se procura, tão ineficaz quanto a pior desculpa, uma motivação para o cometimento de crimes."
A FPA é formada por deputados e senadores que defendem os interesses do agronegócio, incluindo parlamentares que são donos de terras. A bancada é uma das maiores do Congresso, junto com a Frente Parlamentar Evangélica e a Frente Parlamentar da Segurança Pública.
Os parlamentares também enfatizaram serem contra "qualquer tipo de invasão" e que defendem o direito à propriedade privada. "Necessário acrescentar que a invasão, seja qual for a gravidade e as consequências, traz prejuízo permanente aos produtores rurais, que além de utilizarem a terra como moradia fazem dela a atividade laboral diária. Sem contar, obviamente, os danos econômicos ao setor produtivo e à nação", argumentam.
A nota não cita o presidente Lula ou ações do governo federal, mas é considerada uma crítica velada. Durante a campanha eleitoral, o chefe do Executivo citou constantemente o MST e ressaltou que o movimento não ocuparia terras produtivas.
Entidades que representam grandes produtores também se manifestaram condenando as ocupações. Entre elas, estão a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Elas cobram ações do governo federal para desocupar as propriedades.
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Acordo
O MST argumenta que as propriedades ocupadas na Bahia não têm função social e que o plantio intensivo do eucalipto prejudica o meio ambiente e as terras de famílias camponesas. A organização também frisa que a Suzano desrespeitou um acordo feito com o MST há 10 anos, segundo o qual áreas das fazendas seriam destinadas ao assentamento de 450 famílias.
A Suzano, por sua vez, ressalta que não houve quebra do acordo e que a ocupação é ilegal. A empresa afirma que as terras não foram entregues ainda porque isso depende de processos do Incra, o que não ocorreu.
Ontem, representantes do MST reuniram-se com o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Cesar Fernando Aldrighi, em Brasília. Ele foi nomeado na segunda-feira, e já ocupava o cargo. O movimento criticava a demora de Lula em definir a chefia do órgão e agora cobra que as superintendências estaduais também sejam anunciadas.
"Na pauta, questões emergenciais, como a nomeação dos órgãos regionais, a mediação de conflitos e o assentamento das famílias. Além disso, temas estratégicos, como um plano de metas para assentamento e um plano nacional de alimentação, foram abordados", diz o MST a respeito do encontro no Incra.
Em Rondonópolis, onde participou da cerimônia de entrega de 1.400 residências do Minha Casa Minha Vida, Lula afirmou que a fome no Brasil é inexplicável, uma vez que o país é um dos maiores produtores mundiais de alimento. "Foi aqui neste estado, que é um dos maiores criadores de gado e maior produtor de grãos deste país, que apareceu uma mulher na porta de um açougue recebendo um osso para fazer uma sopa dentro de casa. Não é explicável no país que é o terceiro produtor de alimento do planeta, maior produtor de proteína do mundo, a gente ter 33 milhões de pessoas passando fome", criticou.
O petista disse que houve redução no preço da carne. "Não sei se vocês perceberam que o preço da carne já caiu 15%, e é preciso cair mais. Vai levar um tempo para a gente consertar este país. Não é uma coisa tão fácil."
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