JUSTIÇA ELEITORAL

Uso da inteligência artificial terá destaque nas eleições de 2024

Com o desenvolvimento de ferramentas que permitem a interação personalizada com o eleitorado, especialistas alertam para riscos da utilização de deepfakes

As resoluções do TSE das eleições de 2024, com regras para uso da tecnologia, ainda não foram votadas  -  (crédito: Freepik)
As resoluções do TSE das eleições de 2024, com regras para uso da tecnologia, ainda não foram votadas - (crédito: Freepik)
postado em 26/11/2023 05:00

Com a presença cada vez maior no cenário político, o uso da inteligência artificial (IA) nos processos eleitorais tem se tornado fator determinante da escolha do candidato tanto na política nacional quanto internacional. A eleição argentina que culminou com a vitória de Javier Milei foi a primeira de muitas disputas que terão influências diretas da inteligência artificial no processo eleitoral. No Brasil, as eleições municipais de 2024 também estarão mais marcadas pela presença da tecnologia com a evolução contínua da IA, com interações cada vez mais personalizadas com os eleitores. Serão mais de 150 milhões de eleitores espalhados pelos 5,5 mil municípios do país em que serão disputados os cargos.

No Brasil, as eleições de 2022 ficaram marcadas pelo grande volume de notícias falsas disseminadas pelas campanhas políticas e pela sociedade. A utilização da inteligência artificial nas campanhas eleitorais trouxe um novo panorama ao cenário político, oferecendo ferramentas poderosas para compreender eleitores, direcionar estratégias e disseminar informações. No entanto, esse avanço também trouxe desafios significativos, especialmente no que diz respeito à disseminação de desinformação, onde algoritmos podem ser programados para disseminar conteúdos enganosos, manipulando a percepção pública e afetando a legitimidade do processo eleitoral, reforça Giuseppe Janino, gestor em Tecnologia da Informação, coautor do Projeto da Urna Eletrônica Brasileira, consultor em Eleições Digitais e Identificação Biométrica.

Ele aponta que os benefícios da IA são evidentes, permitindo uma análise minuciosa de dados, identificando padrões de comportamento dos eleitores e suas preferências, possibilitando a personalização de mensagens e campanhas, atingindo grupos específicos de maneira mais eficaz. Além disso, a IA é capaz de otimizar estratégias de comunicação, direcionando recursos de maneira mais eficiente para alcançar o eleitorado.

No entanto, uma das preocupações é sobre o uso das deepfakes. "Essa técnica usa a inteligência artificial para criar vídeos, áudios ou imagens falsos, nos quais rostos e vozes são sinteticamente manipulados para parecerem autênticos, muitas vezes, confundindo-se com conteúdos reais. As deepfakes podem ser empregadas para difundir informações falsas, comprometer reputações e disseminar desinformação em grande escala, minando a confiança nas fontes de informação", alerta Janino.

Ele observa que o impacto das deepfakes no contexto político é particularmente preocupante, pois podem ser usadas para criar discursos falsos de candidatos, gerar vídeos de eventos inexistentes ou até mesmo distorcer declarações de figuras públicas. Para combater esse crime, ele defende o investimento em tecnologias de detecção, além da educação e conscientização dos eleitores para a existência dessas ferramentas e o não compartilhamento de fake news. "Controlar a disseminação desse instrumento tecnológico da desinformação, é um desafio complexo. Caberá à Justiça Eleitoral, cada vez mais, investir na implementação de tecnologias de detecção e identificação de deepfakes, atualizar as instruções sobre a prática criminosa, juntamente com educação e conscientização dos eleitores sobre a existência desses potenciais conteúdos manipulados", afirma.

As resoluções da Justiça Eleitoral que orientarão especificamente as eleições de 2024 ainda não foram aprovadas, mas, além da atualização das normativas, o desafio será por maior investimento em tecnologias de detecção, educação e conscientização dos eleitores para a existência dessas ferramentas em meio a deepfakes que podem ser usadas para criar discursos falsos de candidatos, gerar vídeos de eventos inexistentes ou até mesmo distorcer declarações de figuras públicas. As redes sociais também exercem papel fundamental no cenário.

No país vizinho, o uso de manipulação de voz e vídeo pelo então candidato Sergio Massa (Unión por la Patria) contra Milei (La Libertad Avanza) abriu um caminho que pode não mais ser fechado no âmbito tecnológico: o uso da inteligência artificial e deepfakes na política global. A arma utilizada foi a manipulação da voz de Milei em um vídeo de soldados argentinos em que o candidato apoia a liderança da ex-premiê britânica Margaret Thatcher. Grupos de direita e integrantes do partido de Milei também compartilharam vídeos falsos onde Sérgio Massa apareceu usando cocaína, o que precisou ser desmentido pela campanha do peronista.

Para evitar possíveis ameaças de fraudes e desinformação relacionadas à inteligência artificial, é crucial implementar medidas de segurança robustas, defende Eduardo Cardoso Moraes, doutor em engenharia mecatrônica, mestre em computação e MBA em Gestão Estratégica. "É importante investir em tecnologias de segurança como criptografia, auditorias independentes e sistemas de verificação de identidade. Além disso, a transparência nos algoritmos utilizados e a educação pública sobre os riscos são fundamentais para mitigar o impacto da inteligência artificial nessas áreas", diz.

Contexto

A disseminação em massa de conteúdos modificados pelas plataformas que utilizam deepfakes influenciam diretamente o contexto social em que as fake news já estão implantadas. Barbara Krysttal, gestora de Políticas Públicas (USP) em Controle e Defesa Nacional e analista de Inteligência Antiterrorismo, comenta que o uso das inteligências artificiais se torna um risco para o aumento de notícias falsas. "Quando pegamos as IAs para modular o comportamento social, elas se tornam uma forma de pulverizar as notícias falsas", comenta.

Além da disseminação em massa de fake news, a inteligência artificial também age nas plataformas digitais em direção à conquista de votos. O professor, advogado e mestre em Gestão de Riscos e Inteligência Artificial da Universidade de Brasília (UnB) Frank Ned Santa Cruz de Oliveira explica que a IA trabalha basicamente com a coleta e geração de modelos digitais. "A IA também faz inferência, que é um modelo de 'previsão' do futuro."

O especialista explica que, a partir do momento em que o eleitor compartilha fatos pessoais, escolhas e opiniões nas redes sociais, a inteligência artificial capta essas mensagens, que viram conteúdo na máquina. "Assim, pelas informações coletadas, os algoritmos conseguem fazer uma inferência, uma previsão de qual é a orientação partidária dos usuários."

Marcelo Vitorino, consultor de marketing político, destaca que já existe na lei eleitoral a proibição de montagens e trucagens, com uso de computação, para televisão e destacou que o TSE equiparou internet à rádio e televisão no processo de cassação do ex-deputado federal Fernando Francischini. "É muito provável que o entendimento que vale já para os programas veiculados pela televisão se equiparem ao que se comunica na internet. A IA pode ser utilizada de forma muito positiva, para gerar economia no desenvolvimento de imagens de apoio, de cenários, e para ajustar fotos e vídeos", avalia.

Por outro lado, a Meta, empresa dona do Facebook, WhatsApp e Instagram avisou no começo do mês que exigirá, a partir de 2024, que anúncios sobre política e eleições tenham alertas se foram feitos com o uso de inteligência artificial.

Sem resolução da Justiça Eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que ainda não foram aprovadas as resoluções da Justiça Eleitoral que orientarão especificamente as eleições de 2024 e que, segundo a legislação, as mesmas podem ser apreciadas até 5 de março.

No começo do ano, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, se reuniu com representantes de plataformas digitais e redes sociais e ressaltou a importância da atuação conjunta para o combate à desinformação. Participaram da reunião representantes das plataformas digitais Tik Tok, Twitter, Meta (WhatsApp, Facebook e Instagram), Telegram, YouTube, Google e Kwai.

Moraes tem defendido a importância de as empresas atuarem no sentido de prevenir e coibir, na internet, a disseminação de discursos de ódio, a incitação à violência e os atentados contra a democracia e contra as instituições.

O Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação do TSE conta atualmente com mais de 150 parceiros, como redes sociais e plataformas digitais, instituições públicas e privadas, entidades profissionais, entre outras entidades. Os parceiros dividem com a Justiça Eleitoral o monitoramento de notícias falsas, combate a desinformação com informação correta sobre a questão abordada; ampliação do alcance de informações verdadeiras e de qualidade sobre o processo eleitoral; e capacitação da sociedade para que saiba identificar e denunciar conteúdos enganosos.

* Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza


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