Entrevista

Tereza Cristina: "Nós precisamos decidir sobre as terras indígenas"

Senadora critica decisão monocrática do ministro Edson Fachin de suspender ações judiciais que travavam o processo de demarcação de território no Paraná

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), líder do partido na Casa -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
A senadora Tereza Cristina (PP-MS), líder do partido na Casa - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)
postado em 08/02/2024 03:55

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), líder do partido na casa e ministra da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro, endossa o tom de crítica às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Executivo contra o marco temporal das terras indígenas. "Esse assunto tem que ser resolvido de uma vez por todas. Temos que ter uma data, porque, senão, fica tudo vago, subjetivo, e não conseguimos dar um encaminhamento de paz no campo", afirmou, em entrevista ao programa CB.Poder — em parceria do Correio com a TV Brasília.

No último dia 15, o ministro Edson Fachin, do STF, suspendeu, em decisão monocrática, todas as ações judiciais que travavam o processo de demarcação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, no Paraná. Na avaliação de Tereza Cristina, a determinação do magistrado "causou um problema sério". "Temos lá gente sequestrada, gente que apanhou, enfim, uma insegurança total na região, podendo deflagrar um conflito maior em todo o Brasil e em outras regiões que têm problemas", frisou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Houve recentemente uma decisão do ministro Edson Fachin, que suspendeu todas as ações de produtores rurais do Paraná que ainda tramitavam. O que isso representa para o campo?

É uma tragédia anunciada, porque traz uma segurança enorme. O que acontece? Os indígenas se acham livres para poder invadir essas terras sem ter decisões proferidas pela Justiça. Existe uma interpretação de que a Constituição não é clara quanto à data do marco temporal, que é 5 de outubro de 1988. Para os que pensam como eu, está claro. Tanto é que a Constituição fala que o Estado brasileiro tinha cinco anos para dar essa solução e homologar para aqueles indígenas que estivessem naquelas áreas. Isso não aconteceu. O que é espantoso é que acabamos de votar uma lei com as condicionantes, que foi vetada pelo presidente da República. O Congresso derrubou os vetos, foi promulgada, mas, assim mesmo, há confusão. O Supremo, ao mesmo tempo, também julgou, com um voto falando em indenização prévia e justa para aqueles que tiverem que sair da terra, e isso não está acontecendo. Agora, vem uma decisão monocrática do ministro Fachin suspendendo todas essas decisões de primeira e segunda instâncias, e causou um problema sério em Guaíra, no Paraná.

Como está a situação?

Hoje, temos lá indígenas na região, outros que vêm do Paraguai e que estão invadindo essas terras de pequenos produtores. Temos lá gente sequestrada, gente que apanhou, enfim, uma insegurança total na região, podendo deflagrar um conflito maior em todo o Brasil e em outras regiões que têm problemas. No meu estado, o Mato Grosso do Sul, há muitas áreas invadidas, que ainda não têm decisão tomada pela Justiça, e que isso pode deflagrar um movimento maior. Tivemos na Bahia um acontecimento triste, com a morte de uma indígena, e isso é uma insegurança. Nós precisamos decidir esse assunto de uma vez por todas. Temos que ter uma data, porque, senão, fica tudo vago, subjetivo, e não conseguimos dar um encaminhamento de paz no campo.

Como tirar essas pessoas de forma pacífica, se o marco temporal não prevalecer?

Em Santa Catarina, há pessoas que têm escrituras. A área que os indígenas querem homologar, diziam que eram terras indígenas. Aquelas são terras que há 100 anos foram vendidas pelo estado de Santa Catarina, ou pela União, que venderam àqueles pequenos produtores. Há escritura pública há mais de 100 anos. Têm gerações que vivem nessas áreas. Como é que você vai tirar? Onde você vai colocar? São produtores que têm seis hectares. Não são grandes produtores. São pequenos produtores da agricultura familiar, muitos colonos que vieram da Itália, da Alemanha, que ali se estabeleceram com escrituras dadas pelo Estado.

Parece um debate que não se esgota, não é?

Sem fim. Precisamos resolver esse assunto, de uma vez por todas. Onde havia indígenas em 1988, dar segurança para que eles fiquem ali. Agora, se precisam de outras terras, então vamos arranjar um jeito de indenizar e ver se aquelas pessoas querem sair dali. Há laudos antropológicos que foram feitos, muito discutíveis. Então, isso também é uma coisa que precisa ser apurada, porque não podemos chegar a um lugar que tem gente há 50, 60, 100 anos e dizer: 'Não, aqui foi terra indígena'. Tudo foi terra indígena antes de os portugueses chegarem aqui. O Brasil era dos indígenas. Pagar a dívida com os indígenas não é só (com) terra. Temos de pagar a dívida dando educação, para que eles possam manter a sua cultura, saúde, que é superprecária. Há tantos assuntos, aí ficamos discutindo como se só terra fosse resolver. Os indígenas têm 14% do território brasileiro. É deles. Agora, precisam sobreviver dessa terra. Onde tem mineração, eles têm que ganhar royalties.

A senhora teve uma vitória no Senado, que foi a concessão de R$ 20 milhões no Orçamento da União para a Embrapa estudar a medição de carbono na agricultura. Como vai ser isso?

Discutimos o projeto de lei da senadora Leila Barros (PDT-DF) sobre mercado de carbono. O mercado de carbono é uma coisa nova, que está acontecendo aí no mundo e não é diferente no Brasil. A indústria consegue medir as suas emissões, e ela precisa ter alguém que faça o contraponto, que veja como absorver essas emissões. A agricultura pode fazer isso. Mas, para isso, precisamos estudar os vários sistemas de produção e saber o que a agricultura emite e o que ela capta. Precisamos das famosas métricas. E, no mundo inteiro, a agricultura ficou fora desse mercado de carbono, porque essas métricas não são iguais. Então, não era possível colocar agricultura neste momento. Não é que a agricultura não quer entrar (no mercado de carbono). Ela vai entrar. Mas tem que entrar para as métricas para cada cultura. O que é a soja? Quando é plantada? O que ela emite e o que ela capta? O que fica de carbono no solo? E assim por diante.

Hoje o agro nem sabe se vai, ou não, ser beneficiado, não é?

O agro sabe que vai ser beneficiado, sim, mas ele precisa saber o que ele vai entregar e o que ele vai vender, porque isso vai ser certificado. Precisamos separar certificadoras, e não é um processo que, com uma lei, você institui. Depois, na prática, ele não vai acontecer. Aí, você vai estar criando um imposto, talvez, para o agro, e ele está pronto para, na verdade, receber e não pagar. É isso que tivemos uma discussão ampla no Senado, aprovamos o mercado sem a agricultura, o mercado de carbono foi para a Câmara, lá também tiveram outras discussões, e, agora, vai voltar para o Senado. Tive a iniciativa de conversar na Comissão Mista de Orçamento (CMO), para que fosse colocada uma emenda para a Embrapa, que é a instituição correta para fazer esses estudos, que tem toda a capacidade e tem nome para certificar essas métricas, então nós conseguimos. Eu tinha pedido mais, mas saíram R$ 20 milhões, que já dão para começar. A Embrapa já está fazendo, tem algumas coisas bem adiantadas para poder entregar essas métricas. Isso pronto, a agricultura vai entrar nesse mercado de carbono.

Um tema que chama muita a atenção são as decisões monocráticas do STF. Como está o debate, na Câmara, sobre a PEC que limita essas determinações?

A Câmara precisa fazer o dever de casa e votar. Acho que o presidente Arthur Lira (PP-AL) é sensível. Este é um ano em que nós vamos ter um espaço muito curto para votações, porque temos um ano eleitoral, de eleições municipais, e aí os deputados e senadores precisam acompanhar os seus estados e a sua base, eleger os seus prefeitos. Acho que esse é um dos temas mais importantes e que eu espero que o presidente Arthur Lira tenha a sensibilidade de colocar rapidamente em votação. Tem outras coisas na esteira tão importantes quanto isso, como a discussão sobre a desoneração da folha de pagamentos. Hoje (ontem) mesmo, estamos votando a urgência do projeto das saidinhas dos presos. A gente tem visto mortes de policiais relacionadas com essas saídas de presos, que acabam não voltando para o sistema penitenciário, e a sociedade nos cobra.

Qual é a sua posição sobre esse projeto?

Sou favorável. Sou contra as saidinhas. Entendo os problemas carcerários, mas acho que a gente tem de dar uma endurecida, porque a segurança pública é um assunto que tem preocupado muito a sociedade brasileira. A gente vê todo dia as coisas que estão acontecendo. Banalizaram a vida. A gente vê pessoas perdendo a vida, jovens, idosos, por conta de um celular, ou porque abriu a porta do carro e recebe um tiro, enfim, precisamos endurecer isso para ver se a gente volta ao mínimo de normalidade para a segurança pública no Brasil.

O Senado aprovou o projeto sobre assédio judicial, que é de sua autoria. Por que é tão importante ter uma lei sobre isso?

Ontem (terça-feira) para mim foi um começo desta legislatura, com um projeto meu já aprovado. Sou autora dele na Câmara, quando fui deputada federal no meu primeiro mandato. Por que ele é importante? Porque traz uma tranquilidade que as pessoas não tinham antes. Quando você tem uma mesma ação colocada em vários estados, precisa ter um advogado, ou estar presente, para não ser julgado à revelia. Você perdia muitas ações. Tive essa ideia e conversei com a assessoria jurídica da Câmara, naquela época. Fizemos esse projeto de lei que foi, agora, aprovado no Senado. Ele vai voltar (à Câmara), porque teve um ajuste, uma melhoria no seu conteúdo para juizados especiais e de pequenas causas. Espero que seja aprovado para que a gente possa ter esses processos de maneira correta e para que as pessoas possam ter a sua defesa feita em um único município, se as ações são as mesmas e com o mesmo conteúdo. Então ele escolhe onde quer fazer a sua defesa.

Como está a relação entre PP e governo?

Até onde sei — não sou presidente do partido —, no Senado, somos oposição. Na Câmara, temos essa "convivência".

*Estagiário sob a supervisão de Cida Barbosa

 

 

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