Política externa

Lula quer retomada do protagonismo do Brasil no continente africano

Na agenda principal, o petista defende uma frente mundial contra a fome. Presidente quer resgatar o protagonismo do país

Lula durante reunião com o presidente do Egito, Abdel Fatah El-Sisi. Busca pelo espaço perdido no continente africano é prioridade -  (crédito:  Ricardo Stuckert/PR)
Lula durante reunião com o presidente do Egito, Abdel Fatah El-Sisi. Busca pelo espaço perdido no continente africano é prioridade - (crédito: Ricardo Stuckert/PR)
postado em 18/02/2024 03:55

No começo da semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu a largada nas viagens internacionais de 2024, começando pela África. Especialistas ouvidos pelo Correio destacam que, com a viagem, o chefe do Executivo busca emplacar a liderança e retomar o protagonismo na região.

Na agenda principal, o petista defende uma frente mundial contra a fome. A União Africana, que reúne os 54 países da região, tornou-se membro permanente do G20 em 2023, com a ajuda do Brasil.

"O Brasil tinha uma presença relativa com o continente africano durante os governos petistas e isso foi perdido. Essa busca pelo espaço perdido é, sem dúvida, um dos principais aspectos no contexto internacional. Ele abarca os principais pontos da agenda africana e se coloca como um interlocutor perante alguns países desenvolvidos que estão, principalmente, no G20. Para os africanos também faz sentido ter o Brasil do lado para funcionar como interlocutor", analisa Wagner Parente, consultor em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados.

Outra questão levantada por ele é que o presidente colocou como uma das prioridades legislativas deste ano o retorno da autorização legislativa para que o BNDES volte a financiar obras no exterior. "Tem dois lugares onde o Brasil basicamente financiava: África ou América Latina. Então existe, sim, uma intenção de voltar com uma presença mais forte, inclusive financiando investimentos no continente africano, fora a cooperação técnica e tecnológica que o Brasil já tem, principalmente, em agricultura."

Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart, o Brasil desponta como uma nação potencial dentro do sistema multilateral. "Aparece também como potencial líder dos países periféricos e o Brasil tenta assumir essa liderança falando em nome desses países, em defesa de um sistema multilateral mais igualitário em que as nações tenham maior representatividade e sejam ouvidas, participem das decisões desses fóruns multilaterais."

A visita de Lula no continente africano alia o papel de liderança junto às nações africanas, mas também estreita laços com o continente que tem relações históricas profundas com o Brasil, aponta. "É emblemática essa ser a primeira viagem do ano. Isso demonstra uma diretriz da diplomacia desse governo orientada para o sul. Orientada para conquistar esse lugar de prestígio enquanto liderança próxima."

Ainda de acordo com a especialista, o elemento humanitário também dá tom à viagem. "Vimos a declaração do Lula no Egito quando ele se manifesta sobre a questão israelense deixando claro que Israel está procedendo uma reação desproporcional e pede esse baixa de punições coletivas. Esse é um exemplo do Brasil assumindo o papel de protagonista dentro do sistema internacional", diz.

Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), reforça que, com a aproximação, Lula busca uma maior interlocução do Brasil com os países africanos e uma espécie de liderança podendo contar com seus respetivos apoios em fóruns globais. "Como são muitos países, a estratégia do Brasil é tentar angariar esse apoio e partir como uma liderança dentro dos países do chamados Sul", observa.

Ele afirma ainda que o Brasil objetiva voltar a ocupar um espaço hoje loteado por países como a China e a Rússia.

"Entre os mandatos de Lula houve uma mudança geopolítica na África com interesses da China e da Rússia repousando de forma definitiva no continente. O Brasil não se move mais livremente nesse xadrez político africano. Se o Brasil não souber jogar em conjunto, pode, sim, sair desgastado com a relação que possui com esses dois países, em especial a China, que tem feito muitos investimentos na região", pondera.

Segundo plano

Os temas bilaterais, comerciais e econômicos ficaram em segundo plano, defende o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington, Rubens Barbosa.

"Lula preferiu reiterar as posições públicas de seu governo sobre a guerra em Gaza, reforma da governança global e G20. As críticas à reação 'desproporcional e inadmissível' de Israel ao ataque terrorista do Hamas eram esperadas. Lula insistiu na criação dos dois Estados, política tradicional do Brasil. Na Liga Árabe, reiterou essas posições e disse que vai fazer novo aporte à agência da ONU que trata dos refugiados palestinos. Nada de novo. Se não anunciar propostas concretas de cooperação, vai perder uma oportunidade política relevante. É importante lembrar que Egito e Etiópia passaram a integrar o BRICS", cita.

A professora de direito internacional da Universidade de São Paulo, Maristela Basso, ressalta que é momento de o Brasil explorar melhor as oportunidades de negócio.

"A África é um continente que precisa ser melhor explorado pelo empresariado brasileiro pelas oportunidades de negócio que oferece. O maior parceiro comercial da África hoje é a China, o que deixa o Brasil em desvantagem. A viagem de Lula é para recuperar o espaço perdido", analisa.

Já Ricardo Mendes, da consultoria Prospectiva, reforça que, com o giro pela África, Lula fortalece a posição de que o Brasil não está alinhado ao mundo ocidental.

"Concretamente, o Brasil não tem nada a oferecer aos países africanos, apenas a sinalização de que os apoiam em fóruns multilaterais. Esse posicionamento fortalece a China e, em menor medida, a Rússia. A ausência de empresários na viagem mostra que o Brasil não tem nada a oferecer para esses países. Não estamos mais nos anos 1970, nem no começo do século 21. O Egito, em particular, está muito perto do olho do furacão no Oriente Médio. Grandes potências estão atuando com força lá. O Brasil não tem nada a contribuir", opina.

 


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