A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) anunciou no início desta semana que estava há alguns dias fora do país para tratamento de saúde, semanas após ser condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos e 8 meses de reclusão em regime fechado, por invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A parlamentar é ré em outro processo em tramitação na Corte, que a investiga por porte ilegal de arma e constrangimento.
Após o anúncio feito na terça-feira (3/6) em uma rádio bolsonarista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o STF iniciaram uma busca, com expedição de mandado de prisão preventiva e abertura de um novo inquérito. A parlamentar está atualmente na Itália e é considerada foragida da Justiça. A pedido do STF, ela teve o nome incluído, ontem (5), na lista de difusão vermelha da Interpol — os dados dela estão disponíveis para as polícias dos 196 países-membros da entidade.
Hoje (6), o Supremo negou recurso apresentado pela defesa da deputada contestando a condenação e declarando o trânsito em julgado. Para entender os próximos passos e a atual situação da parlamentar, o Correio conversou com Hanna Gomes, advogada e especialista em direito penal e internacional. Confira a entrevista a seguir.
O STF julgou hoje um recurso apresentado por Zambelli no processo que a condenou por invasão nos sistemas do CNJ. A Corte negou o recurso e a condenação agora transita em julgado. O que acontece agora?
Zambelli foi condenada a dez anos de prisão por invasão de sistemas do CNJ e inserção de documentos falsos (falsidade ideológica), teve a prisão preventiva decretada e foi incluída na lista vermelha da Interpol por ter saído do país, sendo considerada foragida. Agora, com o trânsito em julgado da condenação no STF, a pena se torna definitiva e passa a ser de execução obrigatória. Isso significa que o processo se encerra em relação à condenação, e as medidas cautelares anteriores (como a suspensão de passaporte e a prisão preventiva) são substituídas pela determinação de cumprimento imediato da pena imposta na condenação. Considerando o contexto extraterritorial, a situação de "foragida" se mantém, mas agora para o cumprimento de uma pena transitada em julgado. E assim, as autoridades internacionais serão notificadas para o cumprimento da prisão-pena, e não mais da prisão preventiva.
Quais outras consequências a parlamentar pode sofrer com a decisão da Corte?
Nesses casos, de condenação criminal transitada em julgado de parlamentar, há também a consequência da perda ou suspensão dos direitos políticos, que é um efeito automático da condenação. A perda do mandato, porém, ainda vai depender de uma decisão da Câmara dos Deputados após a notificação da Casa sobre o trânsito em julgado. A inelegibilidade por oito anos, nos termos da Lei da Ficha Limpa, também é uma consequência automática, que vai recair sobre a deputada.
Um pedido de inclusão de uma pessoa na difusão vermelha da Interpol precisa passar por uma avaliação do órgão?
O pedido de inclusão de uma pessoa na lista de procurados da Interpol (difusão vermelha) precisa passar por uma avaliação de legalidade do pedido (trâmite), que verifica a competência da autoridade que está pedindo e a legitimidade (veracidade) do pedido. A Interpol age como uma facilitadora da cooperação policial internacional e, dessa forma, não pode fazer nenhum juízo de valor ou de jurisdição sobre o pedido, uma vez que o juiz da causa é quem tem autoridade para requerer essa inclusão, e a sua decisão (internamente) é que pode ser questionada por meio dos recursos processuais cabíveis. A Interpol, como uma polícia, e portanto um órgão administrativo, mesmo que de caráter internacional, não avalia o conteúdo e os motivos do pedido. No contexto do caso concreto, vale destacar que o Estatuto da Interpol proíbe que o órgão se envolva em atividades de caráter político, militar, religioso ou racial. Isso significa que, se a Interpol entender que o pedido de prisão da deputada tem caráter de perseguição política, esse pedido pode vir a ser negado — o que é uma porta de atuação defensiva, onde os advogados da deputada podem trabalhar.
O que significa, no caso da deputada Carla Zambelli, ter o nome na lista da Interpol?
Para a deputada, a inclusão do seu nome na Lista de Difusão Vermelha (DV) da Interpol representa um entrave ainda maior que a condenação, aos seus direitos civis, de locomoção e liberdade. A inclusão na DV não significa um mandado de prisão internacional por si só, mas sim uma solicitação de cooperação a todas as polícias dos 196 países membros da Interpol para localizar e prender provisoriamente uma pessoa com o objetivo de sua extradição, entrega ou ação legal similar. Os dados sensíveis e pessoais da pessoa procurada (nome, data de nascimento, nacionalidade, foto, impressões digitais se disponíveis), o crime pelo qual é procurada e a natureza do mandado de prisão são compartilhados internacionalmente, e isso passa a representar um alerta para as autoridades policiais e de imigração de todo o mundo. Os efeitos dessa inclusão são significativos e podem impactar drasticamente a vida da pessoa procurada. Considero a principal consequência o risco de ser detida ou presa por autoridades policiais em qualquer um dos 196 países membros da Interpol. Essa detenção é provisória e tem como finalidade a extradição. Ela poderá ser parada e detida em aeroportos, portos, fronteiras terrestres ou em qualquer controle policial. Uma vez detida, o país solicitante (neste caso, o Brasil) formaliza um pedido de extradição ao país onde a pessoa foi detida. O processo de extradição pode ser demorado. Isso sem contar os prejuízos emocionais e na reputação da deputada.
E para o Judiciário?
Para o Judiciário, isso significa um pedido de cooperação jurídica internacional, e apresenta um reforço à busca pela localização da deputada, podendo trazer consequências para a fase da dosimetria da pena, pela análise subjetiva da condenada.
As determinações do ministro Alexandre de Moraes feitas à Polícia Federal (realização de oitiva com a deputada e monitoramento de rede social) e ao Banco Central (informar os valores e os remetentes de Pix para a parlamentar nos últimos 30 dias) devem ser cumpridas obrigatoriamente?
Sim, as determinações de um ministro do STF, no exercício de sua jurisdição, devem ser cumpridas por todos os órgãos públicos e particulares a quem são dirigidas. No contexto do sistema judicial brasileiro, as decisões judiciais têm força de Lei e são de cumprimento obrigatório, sob pena se crime de desobediência. Em relação à Polícia Federal, ela está subordinada ao cumprimento das ordens judiciais. Com relação ao Banco Central, embora seja uma autarquia federal com autonomia técnica e operacional, também está sujeita ao cumprimento de ordens judiciais, sem questionamentos ou ponderações.
O paradeiro da deputada ainda é incerto. Nesse contexto, como os órgãos brasileiros podem atuar para garantir a prisão?
Os órgãos brasileiros precisam acionar mecanismos de cooperação jurídica internacional, para garantir o cumprimento desse mandado de prisão. As principais atuações seriam: a inclusão na lista da Interpol (Difusão Vermelha) ou o pedido de extradição, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). Outra medida possível é a localização e monitoramento da deputada, onde a Polícia Federal brasileira, em cooperação com as autoridades locais (como o FBI nos EUA, caso ela esteja lá), atuará para localizar e monitorar os passos da parlamentar, a fim de subsidiar o pedido de extradição.
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Zambelli já é considerada foragida? Nesse caso, o passaporte é bloqueado automaticamente?
Sim, se um mandado de prisão preventiva é expedido e Zambelli não se apresenta às autoridades ou não é localizada para o cumprimento da ordem, ela é considerada foragida da Justiça. Particularmente, eu prefiro o termo "estado de não encontrada", porque o foragido pressupõe que a pessoa já esteve presa, custodiada, e conseguiu fugir — o que não é o caso dela. Já com relação ao passaporte, este não é bloqueado automaticamente no momento da decretação de um mandado de prisão, porque é uma medida que pode ser tomada pela autoridade judicial que expediu o mandado de prisão ou por solicitação do Ministério Público ou da Polícia Federal. O que acontece é a retenção, pelas autoridades, desse documento, para impedir o uso e o deslocamento transfronteiriço. A PF é o órgão que detém a prerrogativa de restringir a documentação de viagem, por cancelamento ou apreensão, mas tudo determinado em decisão judicial — quando o nome da pessoa passa a ser incluído em listas de restrições de viagem em portos, aeroportos e fronteiras. Seria uma medida acessória à cautelar já imposta de retenção do passaporte.
