Relações internacionais

Cenário externo impacta a relevância diplomática do Brasil

Distância de Lula de Trump e Netanyahu, e falta de embaixador no Irã, põem país num patamar mais abaixo nas grandes discussões geopolíticas internacionais. Falta de diálogo com Milei e episódio de espionagem no Paraguai também fragilizam relações

Se no cenário internacional há a apreensão por Israel e Irã e a intervenção dos Estados Unidos, fora o que se passa na Ucrânia e em Gaza, além dos conflitos regionais internos, no Brasil a política externa vive um momento delicado. Em Israel, não há embaixador e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é considerado persona non grata. No Irã, aguarda-se a chegada do embaixador — portanto, a representação diplomática em Teerã está sem chefia. Para completar, no Mercosul, não há canais de diálogo com o governo de Javier Milei e, no Paraguai, o clima é tenso desde que veio à tona que a Agência Brasileira de Informações (Abin) monitorava autoridades no país. A recomendação dos analistas é de que o governo coloque como foco a COP30, de 10 a 21 de novembro, em Belém, e na Cúpula do Brics, em julho, no Rio de Janeiro.

Como se não bastasse, nos Estados Unidos a animosidade entre o presidente Donald Trump e Lula atinge, inclusive, as articulações diplomáticas, mesmo que lá esteja a embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, uma das mais experientes do quadro do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Some-se, ainda, a morte da brasileira Juliana Marins na subida ao Monte Rinjani. Os percalços no resgate da jovem resvalaram na Embaixada do Brasil em Jacarta. Para especialistas ouvidos pelo Correio, há um hiato entre as expectativas depositadas no governo e as ações em curso e, daí, os desencontros em casos problemáticos.

Para o professor do Ceub Luciano Muñoz, da Especialização em Análise de Cenários Políticos, Resolução de Conflitos e Negociações para a Paz, a política externa deveria ser repensada. "O Brasil não tem influência militar, econômica ou política suficiente para conduzir essas negociações. São temas nos quais as grandes potências decidem e o Brasil, infelizmente, é apenas um observador", lamenta, para acrescentar:

"Lula valoriza a política externa. No entanto, há um problema de superextensão. O Brasil tenta se posicionar em todos os fóruns, participar de todos os debates, em todas as regiões do mundo. Isso dilui o foco e dificulta a obtenção de resultados concretos. Deveria repensar sua insistência em tentar mediar conflitos geopolíticos de alta complexidade, como a guerra da Ucrânia ou as tensões no Oriente Médio. O caminho mais produtivo passa por investir em sua vocação: a defesa do meio ambiente, o combate à fome, a saúde global e a cooperação com países em desenvolvimento. Nestas áreas, sim, é possível construir um protagonismo real", aponta. 

As premissas que guiam a política externa brasileira foram desenhadas por José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia. As articulações e a convivência entre o Brasil e os demais países, conforme esses princípios, se sustentam em pilares bem definidos. Inicialmente, o esforço é pela resolução pacífica das controvérsias, exatamente o que disse o MRE na guerra entre Israel e Irã, quando os Estados Unidos atacaram as usinas nucleares iranianas. O outro, é o respeito ao direito internacional, a base de todas as negociações, assim como a igualdade jurídica entre os Estados.

Na relação com os EUA, desde o começo do século 20, busca-se o chamado "americanismo pragmático": uma aproximação, sem abdicar dos interesses brasileiros. Preserva-se, também, a defesa da cooperação internacional e da participação em organizações multilaterais — como a Organização das Nações Unidas ou Organização dos Estados Americanos — para a resolução de problemas globais.

Estabilidade

No que se refere à relação com os vizinhos, Rio Branco pregava o fortalecimento dos laços sul-americanos para garantir a estabilidade da região. Isso vale para o momento atual em que Milei é antagônico a Lula, e com o Paraguai, incomodado com as operações da Abin de hackeamento de sistemas do governo e de autoridades envolvidas nas negociações da usina de Itaipu.

Para Rafael Pinto Duarte — professor do Iesb com pesquisas sobre cooperação internacional em ciência e tecnologia e relações internacionais —, é preciso observar além do como os fatos se apresentam, porque há interesses econômicos envolvidos que pesam nas articulações. "Milei tenta reproduzir o que Trump faz, mas não tem os mesmos dentes. É uma distância pragmática (entre Brasil e Argentina). O Milei vai fazer bravata com algumas coisas, mas a Argentina perde estando distante. No caso Paraguai, a situação é semelhante. Lá, o Brasil é sempre usado como argumento quando precisam unificar o povo. Até hoje se usa a Guerra do Paraguai para isso. A questão da Abin é mais usada como retórica, mas, é claro, tem de ser investigada", observa, acrescentando que o Brasil está muito mais preocupado com o Brics do que com o Mercosul.

É justamente esse olhar mais cuidadoso relação ao Brics que faz com que a diplomacia brasileira trate com cuidado a questão relacionada à morte de Juliana Marins na escala ao Monte Rinjani. O episódio teve um momento de profundo mal-estar por conta das informações desencontradas passadas pelo governo da Indonésia à Embaixada em Jacarta, que as retransmitia à família da jovem. Enquanto os indonésios asseguravam que tudo estava sendo feito para retirá-la do despenhadeiro, aumentavam as suspeitas de que a operação de resgate era pouco ágil e que a jovem corria risco de morte. Só que o país asiático integra o Brics e o presidente Lula o considera fundamental para a consolidação do eixo político do chamado Sul Global.

Mas, segundo Rafael Pinto Duarte, isso não abona a diplomacia brasileira de cobrar explicações sobre a demora e a suposta inoperância no atendimento à brasileira. "É importante exigir, não é omissão do Estado", frisa.

Já para as dificuldades pela ausência de afinidades entre Trump e Lula, segundo os professores, devem ser contornadas pelo pragmatismo da relação Brasil-EUA — que separa o discurso político para o eleitorado das ações discretamente desenvolvidas nos contatos diplomáticos. A mesma lógica vale para a relação com Israel, mesmo que, desde 2024, não haja embaixador em Tel Aviv — o diplomata Frederico Meyer foi chamado de volta a Brasília em maio do ano passado — e Lula seja declarado "persona non grata" por criticar a desproporção das operações militares israelenses em Gaza. No caso de Teerã, o embaixador André Veras Guimarães foi nomeado e aprovado pelo Senado, e está pronto para assumir o posto.

"A política externa enfrenta constrangimentos significativos. A fragilidade da coalizão governamental, as tensões recorrentes com o Congresso e a baixa capacidade de mobilização social em torno da agenda internacional limitam a projeção externa do país. A ausência de embaixadores em postos estratégicos, como Teerã, e episódios de desarticulação, como o atraso na resposta à morte de uma cidadã brasileira na Indonésia, evidenciam deficits operacionais e de coordenação interministerial", analisa o professor Alan Camargo, coordenador do curso de relações internacionais na UDF, e doutorando em ciência política.

Para Camargo, o governo Lula deve superar as dificuldades internas para alavancar a força que tem externamente. "O êxito dependerá menos da conjuntura externa e mais da superação dos entraves domésticos que limitam sua execução. A política externa brasileira, hoje, carece de sustentação política e institucional interna para transformar ambição em influência concreta", aponta.

O Ministério das Relações Exteriores, porém, considera que esse momento delicado da política externa brasileira — conforme enxergado pelos especialistas — não foge à normalidade. Ao Correio, interlocutores informaram que, mesmo sem embaixadores, as embaixadas em Tel Aviv e Teerã funcionam normalmente, sem dificuldades de articulação nem bloqueio nos canais de diálogo. No caso do Irã, não há data exata para o embaixador André Veras Guimarães chegar à capital iraniana, mas todo o processo burocrático está solucionado.

Sobre o diálogo com os governos da Argentina e do Paraguai, o MRE assegura que não houve alterações em decorrência de divergências políticas ou pelo monitoramento de autoridades paraguaias. Ressalta a realização da Cúpula do Mercosul, em Buenos Aires, a partir de quarta-feira — que não contará com Javier Milei porque estará no fórum de políticos de extrema-direita em Balneário Camboriú (SC), onde deve se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

 

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