
Mumbai, Índia — Fora da política partidária, o ex-governador de São Paulo, João Doria, tem se dedicado nos últimos anos a identificar parceiros e mercados lá fora para os produtos brasileiros. E, num cenário político que promete continuar polarizado, é preciso que os empresários caminhem independentemente do governo. Ele já identificou, inclusive, uma preocupação como a proximidade do ano eleitoral. O fundador do Líderes Empresariais (Lide) sugere inclusive que, entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) eda Agricultura (CNA) tomem inciativas nesse sentido.
No caso do Lide, só nos últimos dois anos, foram 14 missões empresariais de maior ou menor porte, em países como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Marrocos, França, Inglaterra, Suíça, Estados Unidos e, agora, a Índia. “Fazemos pontes internacionais, especialmente nos últimos 3 anos, bem antes, portanto, da eleição americana e das circunstâncias que determinaram a aplicação de uma sobretaxa de 50%. O Brasil precisa vencer o medo de sair das suas fronteiras. Há um sentimento de inibição natural dos brasileiros, sejam empresários ou não, de serem mais globalizados. A hora é do Brasil ganhar o mundo”, diz Doria.
O que os empresários brasileiros podem fazer para passar por este momento delicado da economia mundial e das sobre taxas dos Estados Unidos?
Primeiro, os empresários precisam estar unidos. Os empresários, diante de uma circunstância tão nociva, tão agressiva e injusta adotada pelos Estados Unidos — nosso segundo maior parceiro comercial— precisam estar unidos nas ações que realizam em outros mercados internacionais. Juntos somos mais fortes. Isso não impede a concorrência, a livre concorrência, os valores que a boa e saudável concorrência permitem dentro do mundo empresarial. Mas ações internacionais devem ser empreendidas conjuntamente e, se possível, com instituições, empresas ou organizações, como o próprio Lide, que realizou agora aqui, em Mumbai, na Índia, esse encontro bilateral com resultados muito positivos. Esse já foi o 14º encontro internacional, que o Lide realiza apenas nos últimos 24 meses. Ou seja, praticamente um encontro bilateral a cada mês. A outra recomendação é sempre o entendimento e a busca de novos mercados. Da dificuldade, tira-se sempre a oportunidade. Assim agem os empreendedores, os bons empresários. Eu nunca vi empresários competentes ficarem reclamando do azar ou das perdas que circunstancialmente tiveram. Eles sempre estão em busca de uma outra oportunidade para superar aquela dificuldade que foi criada, por alguma circunstância, para a sua empresa ou para o seu negócio. Se o governo puder ajudar, muito que bem, mas é importante não estabelecer dependência do governo para isso. O ano que vem será um ano eleitoral. Isso talvez crie um pouco de dificuldade para ações, vamos dizer, mais isentas, em meio a esse calor de uma eleição presidencial e eleição, também, nos estados. Eu acho que, com atitude e propósito, nós podemos encontrar boas soluções para o comércio exterior brasileiro.
A gente vê que está difícil os presidentes Lula e Trump conseguirem manter um diálogo, até por causa da interferência de Trump em assuntos do Brasil. Mas os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. O que empresariado pode fazer sozinho na tentativa de negociação dessas tarifas? Os empresários brasileiros podem conversar com os americanos para que eles tentem resolver internamente essa questão?
Exatamente. É o empresariado brasileiro dialogar com o empresariado americano. O sentimento é o mesmo. Todos querem ser produtivos, realizar bons negócios. Terem suas empresas ativas, prósperas e com comércio bilateral. Então, é a hora de buscar esses parceiros americanos para que eles possam influenciar e dialogar como governo Trump, para que a medida na sua injustiça — que, sabemos, não tem nenhum fator técnico, mas, sim, apenas um grande fator político —, possa ser revista por completo. Parcialmente, ela já foi e isso foi fruto de ações de empresários brasileiros com empresários americanos. Então, seguindo nesta mesma linha, pode, sim, haver pela influência do empresaria do americano, que importa e distribui os produtos do Brasil na América, na reversão completa desta medida, dessa sobretaxa de 50%aplicada ao Brasil.
Esse evento aqui, em Mumbai, foi organizado muito antes da crise das tarifas. O que levou o Lide a trazer esse evento para cá?
As nossas decisões de calendário são feitas com muita antecedência. O Lide sempre teve esta visão de multilateralidade, ou seja, de olhar o mundo globalmente, não o mundo unilateralmente ou apenas com a exclusividade de um ou dois parceiros. O Lide está presente em 23 países. Em todos eles, nós realizamos eventos bilaterais de maior ou menor porte. Sempre foi a nossa visão e continua sendo, ainda mais agora, diante do agravamento da situação imposta pelo governo Trump. Por isso, o Lide faz pontes internacionais, especialmente nos últimos 3 anos, bem antes, portanto, da eleição americana e das circunstâncias que determinaram a aplicação de uma sobretaxa de 50% ao nosso país. O Brasil precisa vencer o medo de sair das suas fronteiras. Há um sentimento de inibição natural dos brasileiros, sejam empresários ou não, de ganharem o mundo, de serem mais globalizados. É isso que nós fazemos. O Lide não é um grupo de relacionamento, é um grupo que promove as ações comerciais de negócios entre países e empresas.
Especificamente, no caso da Índia, como se chegou à conclusão de que era um bom caminho?
Pela dimensão da economia indiana. Nós já tínhamos visto esse crescimento nos últimos 6 anos e a redução da pobreza que o governo do primeiro-ministro indiano (Narendra Modi) proporcionou. Ele tirou 250 milhões de indianos da situação de pobreza em 5 anos de governo. Colocou mais do que um Brasil e meio em população de pessoas consumindo. Portanto, diante disso, uma nação que tem 1 bilhão e meio de habitantes, dos quais 950 milhões consomem, eles precisam de produtos, de commodities do Brasil, precisam de produtos manufaturados do Brasil, de minérios, aviões, ferro, grãos, proteína animal, café, de açúcar, de etanol. Nós já tínhamos essa visão anteriormente, agora ela ficou ainda mais importante. E assim é em relação aos demais países onde o Líde está e realiza eventos.
E quais são os negócios que já saíram desses encontros que o Lide tem feito ao longo dos últimos anos e, especialmente, dos últimos meses?
Inúmeros, incrementando a exportação de açúcar, de álcool, de etanol. A exportação também de proteína animal, de suco de laranja concentrado, de minérios, na área da aviação, por meio da Embraer, aviação civil, aviação militar, só para citar alguns dos que foram frutos desses encontros promovidos pelo Lide. Portanto, estamos num bom caminho. E as empresas que também adotam essa postura multilateral e global também estão se beneficiando.
No caso específico da Índia, o governo agora está ajudando o empresariado. Qual a importância do governo nessas relações? Dá para caminhar sem governo?
Primeiro, se o governo não atrapalhar, já é uma grande ajuda. Segundo, se o governo cooperar, é uma ajuda em dose dupla, funciona ainda melhor. Mas eu recomendaria que as entidades, associações de classe, federações, confederações pudessem cumprir um papel ainda maior do que aquilo que já estão cumprindo.
Por exemplo?
Aglutinar os seus associados em busca de programas conjuntos e não programas isolados. O Lide, modéstia à parte, não faz uma ação só para comércio, só para indústria, só para o agro, só para transição energética. Ele faz com o conjunto de forças que o Brasil tem. Então, vale a pena que uma CNI, uma CNA, uma Confederação Nacional do Comércio e outros possam, juntos, organizar eventos e também a participação em feiras comerciais no exterior para ganhar novos mercados pro Brasil.
O senhor falou que o ano eleitoral pode tirar o governo de ações mais isentas, relacionadas ao empresariado. E os empresários?
Vão puxar o freio no ano eleitoral? Não é puxar o freio, mas é cautela. Os empresários estão cautelosos. Eles não estão decepcionados e nem deixarão de investir, apenas estão agindo com mais cautela e programando melhor os seus investimentos. Mas não há um não há uma retração, há uma preocupação.
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