Congresso

CPMI do INSS é o novo campo de batalha entre governo e oposição

Comissão que investigará descontos irregulares começa com bolsonaristas tentando corroer imagem de Lula, que melhorou devido ao discurso da defesa da soberania. Base buscará desgastar ex-presidente, que será julgado em setembro no STF

Alfredo Gaspar (relator) e Carlos Viana (presidente): eleitos para os cargos principais da CPMI por conta da mobilização dos bolsonaristas -  (crédito: Saulo Cruz/Agência Senado)
Alfredo Gaspar (relator) e Carlos Viana (presidente): eleitos para os cargos principais da CPMI por conta da mobilização dos bolsonaristas - (crédito: Saulo Cruz/Agência Senado)

Quatro meses depois da operação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) que trouxe à tona desvios bilionários em benefícios de aposentados e pensionistas da Previdência, a Comissão Especial Mista Parlamentar de Inquérito que investigará o esquema começa os trabalhos em pé de guerra. Isso porque a CPMI será o novo campo de batalha que opõe bolsonarismo e governo, com cada lado traçando as estratégias mais eficientes para infligir o maior dano possível ao adversário. Duas são as razões pelas quais se pode antever sessões repletas de histrionismo e com ferozes ataques entre os dois lados: o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de 2 de setembro, e a já precocemente aberta pré-campanha eleitoral de 2026.

A primeira reunião é amanhã, quando deputados e senadores votarão requerimentos de convite e convocações de testemunhas. Até sexta-feira passada, o número passava dos 700, incluindo pedidos de informação e de apoio operacional.

Na semana passada, o presidente Carlos Viana (Podemos-MG) prometeu que os trabalhos da CPMI serão tocados com seriedade e que todas as testemunhas serão respeitadas. Mas o clima na comissão, no dia em que foi eleito para comandar o colegiado, dá uma percepção contrária a isso: o conflito entre bolsonaristas e governistas será escancarado.

A oposição comemorou intensamente a derrota do governo. E faz planos de conseguir implicar no escândalo nomes do governo Lula, ago que seria capaz de causar nova queda de popularidade do presidente — que obteve um alívio junto à opinião pública com o discurso da defesa do soberania, atacada pelo tarifaço dos Estados Unidos e pela atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) contra o Brasil junto ao governo de Donald Trump.

Do lado dos governistas, a ordem é conter danos e partir para cima, sobretudo expondo Bolsonaro — de cujo governo vêm os primeiros registros dos descontos ilegais de aposentados e pensionistas. Mesmo porque, o Palácio do Planalto não digeriu o erro de articulação que custou a presidência da CPMI e, por extensão, a relatoria. A "bateção de cabeça" foi reconhecida pelos líderes do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP); do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ); e do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Ministra das Relações Institucionais e responsável pela relação do governo com o Congresso, Gleisi Hoffmann demorou a admitir a parcela de culpa que teve no fracasso. Só o fez na sexta-feira, mas, conformada, afirmou que o esforço, de agora em diante, é para consolidar a força dos governistas na comissão.

"Tivemos um erro de mobilização da nossa base para a CPMI. Faltamos, pessoas da nossa base faltaram e foi um erro de mobilização. Não vai voltar a acontecer. Estamos reorganizando e acredito que a gente vai consolidar, sim, a nossa maioria nessa CPMI", afirmou. 

A estratégia de governistas tem duas partes: a primeira, o trabalho intenso para afastar as acusações da gestão Lula, deixando claro que os descontos começaram muito antes de 2023; e, a segunda, reforçar que as investigações da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) só evoluíram porque o Palácio do Planalto e o Ministério da Previdência não tinham nada a esconder.

É o discurso que tem sido repetido há meses pelos líderes do governo no Congresso, por Gleisi e, também, pelo ministro da Previdência, Wolney Queiroz. Na semana passada, quando Randolfe admitiu ter falhado na articulação, o mantra dos governistas na CPMI foi explicitado: "Foi o governo Lula que chamou a polícia".

"Vamos convocar todos os personagens dessa trama contra o INSS. Todos aqueles que são conhecidos e novos, que serão apontados ao longo das sessões. Daremos voz a todos para defesa. Daremos posição a todos os deputados e partidos. Mas será um relatório técnico", frisou Carlos Viana.

Se amanhã a comissão entra em funcionamento, na quinta-feira os parlamentares devem votar o plano de trabalho, cujo cronograma terá como base os requerimentos aprovados. Serão duas reuniões semanais — às segundas e às quintas —, por 180 dias, prorrogáveis. O foco inicial do presidente da CPMI e do relator, o deputado bolsonarista Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), é começar as investigações ouvindo ex-ministros da Previdência e ex-presidentes do INSS desde o governo Dilma Rousseff.

A lista de "convocáveis" é grande. Foram sete ministros da Previdência desde o início do governo da petista — sem contar os períodos em que as funções da pasta foram exercidas pelo Ministério da Fazenda, no governo de Michel Temer, e pelo Ministério da Economia, na gestão Bolsonaro. O atual ministro assumiu o cargo com a dispensa de Carlos Lupi, em abril, justamente por causa do escândalo dos descontos.

Já os presidentes do INSS formam uma lista maior: 14 possíveis convidados — Carlos Viana tem evitado falar em convocações; prefere convites nesses casos — que presidiram a autarquia desde 2011. O governo Dilma teve três; o de Temer outros três; o de Bolsonaro, quatro; e o de Lula, também quatro. 

No atual governo, Larissa Andrade Mora presidiu o INSS interinamente, em janeiro e fevereiro de 2023. Deu lugar a Glauco Wamburg, também nomeado interinamente, em fevereiro daquele ano. Foi exonerado em julho por, supostamente, ter viajado diversas vezes às custas do Estado para resolver assuntos pessoais e para dar aulas em uma faculdade particular no Rio de Janeiro. O episódio ficou conhecido como "Farra das Passagens".

Lupi nomeou o substituto de Wamburg no mesmo mês. Alessandro Stefanutto assumiu o INSS exaltado pelo ministro: "Continue esse homem reto, leal à causa pública e, principalmente, que não se deixa dobrar por interesses menores", disse ao empossá-lo. O mandato durou pouco: quando o esquema dos desvios explodiu, em abril, Stefanutto foi, primeiramente, afastado e, depois, demitido por ordem de Lula. Gilberto Waller Júnior é quem preside a autarquia desde então.

Suplência: primeiro fator de disputa

A CPMI do INSS começa os trabalhos amanhã sob a pressão dos governistas de que é preciso ajustar os critérios da suplência para participar do colegiado devem ser feitos para evitar decisões parciais. Quem chamou a atenção para isso foi o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ).

"Falta gente da base do governo e os três primeiros suplentes são do PL. Isso não tem sentido. Se o deputado do PT faltava, entrava o PL no lugar. Se eu tenho suplente, qual é a base de uma coisa como essa?", cobrou.

O questionamento de Lindbergh se explica pelo contexto que forma o pano de fundo da CPMI. Líderes petistas passaram a defender a revisão das regras de suplência depois de serem pegos de surpresa com a vitória da oposição na comissão. Com a ausência de membros titulares alinhados ao Palácio do Planalto, suplentes da oposição puderam votar de maneira contrária aos interesses do Planalto.

A reorganização dos blocos partidários da Câmara, realizada este ano, concentrou 475 dos 513 deputados em um único bloco, que vai do PT ao PL, permitindo que a oposição ganhasse protagonismo na comissão. Agora, o partido estuda medidas para que parlamentares do mesmo partido ou federação assumam, preferencialmente, as vagas de titular. Tentará, também, ajustes na relatoria, entregue ao deputado Alfredo Gaspar (União-AL).

A origem de toda essa manobra está no cochilo dos governistas para a formação do colegiado. Não foi a primeira vez que o Palácio do Planalto não conseguiu se acertar, no Congresso, para que sua força prevalecesse. Mas, dessa vez, por conta do cenário contrário aos bolsonaristas, a derrota dos governistas foi mais doída.

"A articulação política, especialmente na Câmara, está longe do esperado e o governo depende desses recursos extras para tentar fechar de uma forma menos vexaminosa o ano", avalia o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte.

Se os governistas não se articularam, melhor para os bolsonaristas, que mostraram maior coesão. Depois da vitória, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), explicou que a articulação se estendeu pela madrugada que antecedeu a votação. "Trabalhamos até muito tarde e o resultado veio coroar a oposição, como deveria ter acontecido desde o início", frisou.

O vice-líder da oposição na Câmara, deputado Domingos Sávio (PL-MG), afirmou que "a escolha do (presidente da CPMI, senador Carlos) Viana e (do relator, deputado Alfredo) Gaspar garantirá que os trabalhos não virem pizza."

 

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postado em 25/08/2025 03:55
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