SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Julgamento de Bolsonaro no STF, dia 5: todos os réus são condenados

Placar terminou em 4 a 1 para responsabilizar o ex-presidente Jair Bolsonaro por golpe de Estado, organização criminosa e outros três crimes. Ministro Luiz Fux foi o único a divergir

Cármen Lúcia:
Cármen Lúcia: "O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear. Foi um inédito e infame conjunto de acontecimentos insuflados ao longo de um ano e meio para instigar práticas criminosas conducentes ao vandalismo, que haveriam de ter resposta no direito penal" - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Às 14h24 desta quinta-feira (11/9), a ministra Cármen Lúcia iniciou a leitura de seu voto no quinto dia de julgamento da Ação Penal 2.668, no Supremo Tribunal Federal (STF). O processo apura a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus na tentativa de golpe de Estado e nos ataques de 8 de janeiro de 2023. O voto da magistrada formou maioria pela condenação, com placar de 3 a 1. No fim do dia, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, seguiu o relator, Alexandre de Moraes, e o placar ficou em 4 a 1 pela condenação. O ministro Luiz Fux foi o único a divergir.

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Em um discurso permeado por referências históricas, literárias e simbólicas, Cármen Lúcia afirmou que a análise do caso representa “quase o encontro do Brasil com seu passado, com seu presente, com seu futuro”. A ministra destacou que, apesar das crises recentes, “a democracia brasileira não se abalou” e que a Justiça deve responder com rigor a atos que atentam contra o Estado Democrático de Direito.

“O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear. Foi um inédito e infame conjunto de acontecimentos insuflados ao longo de um ano e meio para instigar práticas criminosas conducentes ao vandalismo, que haveriam de ter resposta no direito penal”, disse.

O voto foi marcado por paralelos com a história política brasileira e mundial. A ministra relembrou os 40 anos da redemocratização e citou períodos de instabilidade, como os impeachments presidenciais. Também fez menção a Victor Hugo e ao livro 'História de um Crime', que narra o golpe de Estado de Napoleão III, reforçando que “o mal feito para o bem continua sendo mal”.

Inspirada no poema Que país é este?, de Affonso Romano de Sant’Anna, escrito na ditadura militar, a ministra declarou que “nesta ação penal pulsa o Brasil que me dói”.

“Mesmo que desejassem destruir mil vezes este Supremo Tribunal Federal, mil e uma vezes reconstruiríamos este prédio”, afirmou, ressaltando que os juízes “não se sentirão intimidados” por atos de violência.

Questões preliminares

Cármen Lúcia rejeitou todas as preliminares apresentadas pela defesa, incluindo alegações de cerceamento de defesa, parcialidade do relator e nulidades na colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Segundo a ministra, não há elementos que indiquem coação em sua delação. “Absolutamente não consta nos autos que haveria algo a macular a colaboração premiada, no sentido de que não estaria presente a voluntariedade”, afirmou.

Ela também ressaltou que o STF tem competência para julgar o caso, lembrando que desde a Ação Penal 470, em 2007, a Corte analisa processos que envolvem autoridades com e sem foro privilegiado. Para os que justificaram a rapidez no processo, ela afirmou que "tudo foi investido em algo de tamanha gravidade que atinge o coração da república" e que "era preciso que houvesse a devida preferência".

Além disso, quanto às alegações de cerceamento de defesa, do que se refere ao tempo para análise dos autos, ela afirmou que "houve o acesso aos documentos, uma parte inclusive a pedido da defesa e como deferido pelo relator, foi aceito somente aquilo devidamente comprovado". Para ela, se não há nenhum prejuízo comprovado, não há nulidade. 

“Todo o estudo feito me leva aqui a concluir, que a prova nos autos do desenvolvimento de uma empreitada criminosa dos réus como foi apurado, se utilizaram do modo operandis da denominada milícia digital para propagação de ataques ao judiciário, de uma forma muito especial, ao sistema eleitoral, e às urnas eletrônicas. E há um peso enorme quando se fala sobre isso, que hoje é algo totalmente do povo brasileiro.” 

Destaques da sessão

Durante a sessão, ministros trouxeram reflexões adicionais sobre o processo. Alexandre de Moraes reforçou que os ataques de 8 de janeiro foram fruto de uma organização criminosa, comparando com o julgamento do mensalão. “Não foi um domingo no parque, não foi um passeio na Disney. Foi uma tentativa de golpe de Estado. Não foi espontâneo, não foram baderneiros desgovernados. Todos fizeram fila e destruíram a sede dos três Poderes. Houve toda uma organização para utilização do Ministério da Defesa, da Abin e da PRF.”

Moraes exibiu vídeos e imagens, incluindo um discurso de Jair Bolsonaro em cima de um trio elétrico, no qual o ex-presidente atacava diretamente o próprio ministro. “No nosso STF temos um ministro que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos. Logo um ministro que deveria zelar pela nossa liberdade pela nossa democracia e pela constituição, ou ele se enquadra ou pede pra sair. Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir, de arquivar seus inquéritos, ou melhor, acabar o tempo dele. SAI ALEXANDRE DE MORAES, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro.”

Ao comentar, Moraes questionou: “Algum de nós afirmaria que isso é liberdade de expressão e não crime se um prefeito insuflar o povo contra um juiz da comarca dizendo que não vai mais cumprir decisões? Qual o recado que queremos deixar para o poder Judiciário e para o povo brasileiro?”

O ministro Cristiano Zanin acompanhou o raciocínio, dizendo que se tratava de uma “coação institucional”, típica dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Moraes também mostrou a imagem de um dos vândalos que depredaram o relógio histórico do STF, vestindo uma camisa com o rosto de Bolsonaro, a quem classifica como “líder da organização criminosa”.

Em meio às manifestações, o ministro Flávio Dino fez um pedido de interrupção descontraído durante o voto de Cármen Lúcia. Em resposta, a ministra permitiu, destacando a importância do debate. “Debate faz parte dos julgamentos, tenho o maior prazer em ouvir, como faz parte do regimento, eu sou da prosa. Mas seja rápido, pois nós mulheres ficamos 2.000 anos caladas.”

Dino aproveitou para lamentar o assassinato do ativista norte-americano Charlie Kirk, aliado de Donald Trump, ocorrido na véspera nos Estados Unidos, classificando o episódio como “crime político”. O ministro lembrou que, ao reassumir a Casa Branca em janeiro deste ano, Trump concedeu perdão presidencial a cerca de 1.500 acusados pela invasão ao Capitólio, em 2021.

“É curioso notar, porque há uma ideia de que a anistia, o perdão, é igual à paz. Foi feito perdão nos EUA, mas não há paz”, afirmou Dino. Para ele, “o que pauta a suposta paz desejada não é o esquecimento, mas o funcionamento adequado das instâncias repressivas do Estado”.

Condenação

Ao analisar o mérito, Cármen Lúcia acompanhou integralmente a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o ministro relator, Alexandre de Moraes, e votou pela condenação de todos os réus pelos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e depredação do patrimônio público.

Sobre Mauro Cid, a ministra disse estar comprovada sua participação ativa, por meio de repasses de documentos e sintonia com as estratégias da organização criminosa. Já em relação a Bolsonaro, foi categórica. “Praticou os crimes imputados como líder da organização criminosa: na propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral, ataque aos poderes constituídos, cooptação de comandos militares, planejamento de atos de neutralização violenta de agentes públicos e instigação de manifestações.”

Cármen Lúcia também apontou a participação de Anderson Torres, então ministro da Justiça, e do general Augusto Heleno, que segundo ela “atuou desde sempre integrado à organização criminosa, com presença em reuniões e formulação de estratégias”.

A ministra encerrou sua manifestação reforçando que a democracia brasileira resiste e que cabe ao STF reafirmar a ordem constitucional.“O Brasil só vale a pena porque estamos ainda tentando manter o Estado Democrático de Direito.”

Com o voto de Cármen Lúcia, o Supremo formou maioria pela condenação dos oito réus, assim, o placar fica em 3 a 1.

Voto de Zanin

O ministro Cristiano Zanin também apresentou voto nesta quinta-feira. Assim como Cármen Lúcia, ele rejeitou as preliminares da defesa, inclusive a alegação de suspeição de Alexandre de Moraes. “Não há qualquer indício de parcialidade.”

Acompanhou a PGR ao manter a validade da delação premiada de Mauro Cid e considerou que estão presentes os requisitos para enquadrar a conduta do grupo no crime de organização criminosa, inclusive no caso do deputado Alexandre Ramagem.

Para o ministro, as provas dos autos são suficientes para concluir que os acusados pretendiam romper com o Estado Democrático de Direito. Ele ressaltou ainda a gravidade dos ataques de 8 de janeiro. “Houve violência nas ações do grupo, com danos causados aos Três Poderes. A ausência de vínculo direto entre autor e demais partícipes é indiferente para a responsabilização penal.”

Afirmou ainda, que a responsabilização adequada é condição essencial para a pacificação social e para a consolidação da democracia no país.

Zanin votou pela condenação do grupo, se alinhando à maioria, e reconhece integralmente as acusações da PGR.

 

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postado em 11/09/2025 17:09 / atualizado em 11/09/2025 18:18
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