Prestes a completar dois meses de funcionamento, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS tem se mostrado menos um instrumento de investigação e mais um campo de batalha entre bolsonaristas e governistas já de olho nas eleições gerais de 2026. A expectativa inicial de apurar um dos maiores esquemas de fraude previdenciária do país aos poucos, na avaliação dos bastidores do Senado e da Câmara, se dissolve em disputas com feitio de campanha política. A cada sessão, além dos já habituais bate-bocas entre adversários políticos, o que se vê são votações travadas, manobras regimentais e acusações de parte a parte — tudo regado a muitas ofensas que gerem cortes para viralizar nas redes sociais.
Na semana passada, a base do governo no Congresso impediu a convocação de José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi). A entidade é um dos alvos da Polícia Federal (PF), que encontrou dinheiro vivo, carros de luxo e documentos durante a Operação Sem Desconto. O requerimento para que ele fosse chamado foi derrotado por 19 x 11, após intensa mobilização do líder do governo na comissão, deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Os bolsonaristas, que viam na CPMI um trampolim para desgastar violentamente o governo depois da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, sentiram o golpe da semana passada. E dão sinais de que temem uma virada de jogo que prejudique ainda mais os projetos eleitorais do próximo ano. Prova disso é que o líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), decidiu entrar no colegiado para tentar fazer uma arrumação da oposição. Ele chega como suplente no bloco do qual seu partido faz parte, junto de União Brasil, PP, MDB, PSD, Republicanos, Podemos e federação PSDB-Cidadania.
"Entrei para contribuir e colaborar com o belo trabalho do líder Rogério Marinho (PL-RN) no Senado, para a gente voltar a ganhar os requerimentos nas próximas semanas", afirmou, acrescentando que os bolsonaristas planejam apresentar um novo pedido para convocar Frei Chico.
"Ficou claro que o governo não quer investigar. O Frei Chico abria portas de ministérios e autarquias e, agora, a base impediu que ele viesse esclarecer o papel que teve nisso", acusa o senador Izalci Lucas (PL-DF), líder da oposição no Congresso. Segundo ele, o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) identificaram irregularidades e bloqueios milionários de bens de dirigentes sindicais. Inclusive, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, em 15 de outubro, a imobilização de aproximadamente R$ 389 milhões do Sindnapi, valor correspondente ao total de descontos realizados pela entidade, entre 2021 e 2025, dos vencimentos de aposentados e pensionistas da Previdência.
O PL e o Centrão bolsonarista chegaram à CPMI com a convicção de que colocariam o Palácio do Planalto contra a parede. Tiveram essa certeza com a desarticulação dos governistas na eleição do presidente (o senador Carlos Viana, do Podemos-MG) e do relator (o deputado bolsonarista Alfredo Gaspar, do União-SE) do colegiado. Mas alguns dos recentes movimentos da política causaram severos danos aos adversários de Lula. Não bastassem as condenações de Bolsonaro e do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado, a extrema-direita ainda se vê às voltas com a atuação intransigente do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos — solapando qualquer tentativa de construir uma pré-candidatura de consenso à Presidência — e a abertura de diálogo entre Brasil e Estados Unidos sobre o tarifaço de 50% imposto às exportações.
Para colocar os bolsonaristas ainda mais na defensiva no Parlamento, Lula e Donald Trump trocaram afagos verbais; a PEC da Blindagem foi sepultada no Senado; a aprovação do PL da anistia aos condenados pela tentativa de golpe tornou-se um sonho distante; o PL da Dosimetria, relatado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), patina sem data para ser apresentado; e o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), trabalha pela indicação do também senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à sucessão do recém-aposentado ministro do STF Luís Roberto Barroso.
Alcolumbre, aliás, é visto pela oposição como o "sujeito oculto" dos governistas, que manobraram e conseguiram evitar a convocação de Paulo Boudens, ex-chefe de gabinete do presidente do Senado, apontado como beneficiário de R$ 3 milhões oriundos de investigados pela CPMI. Em outra sessão, a base governista barrou o depoimento de uma testemunha que diz ter sido ameaçada por Edson Claro Medeiros Júnior, o "Careca do INSS", considerado o principal operador da fraude contra aposentados e pensionistas.
Depois das derrotas na indicação do presidente e do relator da CPMI, os governistas demonstram que aprenderam a lição. Paulo Pimenta coordena a base do Palácio do Planalto no colegiado, que, em vários momentos, conta com o reforço pelo senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso e veterano de comissões de inquérito. A organização dos governistas tem mostrado resultados: além da rejeição das convocações de Frei Chico e Boudens, também impediram a prisão de Milton Baptista de Souza Filho, o Milton Cavalo, presidente do Sindnapi.
O ministro da Previdência, Wolney Queiroz, previu, antes mesmo de a comissão ser instalada, aquilo que se tornaria a CPMI. "Meu receio é de que se transforme em palco de disputa política, no qual o interesse do cidadão vai ficando em segundo plano. E na guerra, nós sabemos, a primeira vítima é a verdade", adiantou.
"O que deveria ser um instrumento para proteger os aposentados virou uma vergonha para o Parlamento", resume um experiente senador da oposição, preferindo o anonimato para não ficar mal com os próprios pares.
Um assessor governista, também sob a condição de não ter o nome declinado, resume a estratégia do Palácio do Planalto. "O governo quer garantir que a CPI não vire palanque eleitoral antecipado", frisa.
Para o advogado constitucional Ilmar Muniz, a comissão perdeu o foco técnico que deveria orientar seus trabalhos. "A CPMI do INSS precisava ser muito mais firme e técnica. Até aqui, o que se vê é um excesso de embates políticos e pouca objetividade nas conclusões. O colegiado tem o dever constitucional de buscar respostas concretas para proteger os aposentados, mas, muitas vezes, o foco se perde em disputas partidárias e discursos de impacto. O Brasil precisa de uma CPMI que entregue resultados, não espetáculo político", critica.
Muniz ressalta que as denúncias de descontos indevidos trouxeram à tona um problema estrutural de fiscalização e de responsabilidade das entidades sindicais. "O Estado tem que ser mais rigoroso com esses convênios e punir quem se aproveita da fragilidade dos aposentados. Falta fiscalização efetiva e sobra burocracia, o que abre espaço para abusos. É necessário criar um sistema de bloqueio automático de descontos suspeitos e aplicar punições exemplares. A leniência do poder público é o que alimenta esse tipo de fraude", adverte.
A CGU e a PF estimam que mais de R$ 6,3 bilhões foram desviados das contas de 5 milhões de aposentados e pensionistas, entre 2019 e 2024, por meio de descontos não autorizados praticados por associações e sindicatos.
Tempo para negociar
Se na CPMI do INSS o governo vem conseguindo equilibrar o jogo, o mesmo não pode ser dito em relação à articulação no Congresso como um todo. Na semana passada, o sinal amarelo voltou a acender por conta de duas pautas — a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 e o veto presidencial à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Com a ajuda do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o Palácio do Planalto conseguiu adiar a sessão conjunta de Senado e Câmara que votaria as duas matérias. A nova sessão que reúne os integrantes da duas Casas do Parlamento ainda não tem data para acontecer.
Oficialmente, a justificativa para o adiamento foi atender a um pedido da liderança do governo, na tentativa de ganhar tempo para recompor apoio e reorganizar o cronograma das votações. Mas, entre os parlamentares, o gesto foi interpretado como uma manobra para evitar um novo revés para o Palácio do Planalto. Assim, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ganhou fôlego para negociar pessoalmente com deputados e senadores os ajustes no texto orçamentário.
A LDO, que deveria ter sido votada em julho, foi adiada mais uma vez pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) e deve ser analisada amanhã. Para o relator Efraim Filho (União-PB), o adiamento "é um jogo de perde-perde" e acaba sendo um "prejuízo para o governo, para o Brasil. É ruim para o Congresso e para a agenda como um todo".
Outro espinho para o governo são os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190/25), que ficou conhecido como "PL da Devastação". A retirada dos 63 trechos do texto aprovado pelo Congresso — entre eles dispositivos que previam dispensa de licenciamento em determinadas atividades e redução de atribuições de órgãos federais — desagradou à bancada ruralista, que, claro, se mobiliza para restabelecer o texto original.
A ordem entre os governistas é segurar a pauta até que haja margem segura para votação. O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Congresso, reconheceu que "para nós, da bancada do governo, não é simples negociar um veto presidencial. Isso precisa passar por uma conversa direta com o presidente e sua equipe". Para ele, "é muito dificil" avançar no tema antes da COP30.
Para o analista político Rudá Ricci, doutor em Ciências Sociais da Universidade de Campinas (Unicamp), o cenário reflete mais o jogo político tradicional do que uma crise institucional. "Lula está jogando pesado, como sempre jogou o Centrão com os presidentes da República. Isso é política. O que vemos é um xadrez intenso", avalia, ressaltando, porém, que a questão do licenciamento ambiental expõe divisões dentro do próprio governo.
"Há um setor que não aceita as posições da ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima). Existe, também, um jogo interno, de desafetos e reposicionamentos. Não é unanimidade dentro do governo", observa.
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