Entrevista

João Doria, ex-governador paulista: 'É preciso um candidato pacificador'

Para o empresário, o melhor que poderia acontecer ao Brasil é que surgisse um nome para a Presidência da República que tivesse a capacidade de construir um pacto que pusesse fim à polarização política. Sobre a anistia a Bolsonaro, seria uma afronta à Justiça

Ex-governador de São Paulo João Doria construiu uma trajetória política marcada por vitórias eleitorais rápidas, protagonismo ao longo da pandemia da covid-19 — quando enfrentou o governo Bolsonaro na questão das vacinas — e a condução de uma agenda de centro. Hoje, fora da vida partidária e do PSDB, defende a necessidade de um "agente pacificador" para unir o Brasil diante da polarização.

"Minha posição sempre foi e continua sendo muito clara: uma opção de centro, de equilíbrio, de ponderação", afirma o ex-prefeito paulistano, em entrevista ao Correio. Para ele, é preciso um candidato "que seja capaz de dialogar com a esquerda e com a direita, de ser respeitado pela opinião pública e que seja, também, um pacificador".

Atualmente sem partido, Doria avalia positivamente a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo e vê como natural a candidatura à Presidência de qualquer governador do estado, devido à dimensão econômica e demográfica.

O empresário e fundador do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) reconhece o peso político de Jair Bolsonaro, mas destaca que, no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), houve espaço para que o ex-presidente tivesse "ampla defesa". "O tempo poderá também corrigir se houver alguma falha na interpretação da lei. Em relação aos demais, defendo a dosimetria", afirmou.

Para a corrida presidencial de 2026, além de Tarcísio, aponta os governadores Romeu Zema (MG), Ronaldo Caiado (GO) e Ratinho Júnior (PR) como potenciais candidatos de centro-direita capazes de buscar a esse pacificação. "São bons nomes, merecem respeito e, a meu ver, serão competitivos em 2026", prevê.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

O senhor acabou desistindo de participar das últimas eleições, na qual foi pré-candidato à Presidência. Por que houve essa desistência? Foi mesmo por falta de apoio do PSDB? O senhor tem planos de voltar à vida política?

Todas as eleições que disputei eu venci. Na prefeitura de São Paulo, fui o único, até hoje, a vencer no primeiro turno. No governo do estado, também foi uma eleição difícil. Ser eleito prefeito de São Paulo e ser eleito governador de São Paulo já é uma tarefa difícil em qualquer tempo. Fizemos bons governos — uma gestão liberal social na prefeitura e, também, no governo paulista, deixando marcas importantes para a cidade. Tomei a decisão de encerrar o meu período na política depois de seis anos (dois na prefeitura, quatro no governo paulista) e de ter acumulado as vitórias nas prévias do PSDB para a prefeitura, para o governo do estado e para a Presidência da República. O motivo foi que meu partido não honrou a decisão das prévias. Entendi que não foi um bom gesto, não foi um gesto de respeito à democracia e nem ao processo das prévias. Aí tomei a decisão de me desfiliar do PSDB e encerrar minha trajetória política. Não tenho, não há questão, de voltar à vida política. Respeito muito a política e, sem ela, não há democracia.

Como avalia o trabalho de Tarcísio de Freitas na administração de São Paulo?

Está realizando um bom governo. Tecnicamente e institucionalmente, tem uma visão correta dos problemas e das soluções que o estado exige. Montou uma boa equipe de trabalho, um time comprometido com resultados e vem sendo, na minha avaliação, um bom governador. Deu continuidade a todas as obras que iniciamos no nosso governo, o que já demonstra uma boa intenção na gestão e na administração estadual. É uma visão longe da política e mais próxima do interesse dos municípios e dos cidadãos. Vem colhendo bons resultados no efeito e, também, na imagem.

Tarcísio vem frequentemente a Brasília, num processo de tentar ser candidato à Presidência. Como avalia esse comportamento?

Todo governador de São Paulo é, naturalmente, lembrado para ser candidato à Presidência da República pela dimensão econômica e demográfica do estado, pela importância que tem nacionalmente. Isso é algo normal nos últimos 70 anos. Tarcísio acrescenta o fato de estar sendo bem avaliado como governador. Portanto, está na legitimidade de incluir essa pauta nacional dentro da sua perspectiva futura, ao lado da alternativa de ser candidato à sua própria sucessão, aqui, à frente do governo de São Paulo.

Se as eleições fossem hoje, como o senhor se posicionaria? Apoiaria Tarcísio, vindo pelo lado bolsonarista, ou apoiaria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

A minha posição sempre foi, e continua sendo, muito clara: uma opção de centro, de equilíbrio, de ponderação. Um candidato que seja capaz de dialogar com a esquerda e com a direita, de ser respeitado pela opinião pública e que seja também um pacificador. Alguém que una o Brasil e não mantenha o país dividido. O candidato que compuser esse perfil, a meu ver, terá grandes chances de disputar de forma competitiva as eleições presidenciais no Brasil. O país precisa de um agente pacificador.

Vivemos esse momento de polarização. Consegue considerar alguém com essas características?

Há alguns candidatos de centro-direita que podem compor esse perfil pacificador e unificador do país, sem desmerecer o presidente Lula. Temos o governador do Paraná, Ratinho Júnior, ao lado de Tarcísio, Ronaldo Caiado e Romeu Zema. São nomes que merecem respeito e, a meu ver, serão competitivos em 2026.

Acredita que Bolsonaro, mesmo condenado, ainda pode ter influência? Ou está anulado politicamente?

Bolsonaro tem grande influência na política brasileira e junto ao eleitorado. Pode-se gostar ou não do ex-presidente, mas há que se considerar e respeitar que ele ainda tem um peso político importante.

Lula deve ser candidato à reeleição em 2026. O enxerga como favorito ou como beneficiário de uma oposição hoje dividida?

Política é uma composição de retratos, de fotografias. Cada dia é uma fotografia. A fotografia de hoje é muito favorável ao presidente. É só saber se continuará favorável a ele em outubro do ano que vem — daqui a 12 meses.

Sobre a condenação de Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão. Acha que ele deveria cumprir a pena integralmente? Essa considera a pena justa?

Não sou um analista do Judiciário, nem tenho informação jurídica para avaliar se a pena foi justa ou injusta. O fato é que houve um julgamento com direito à plena defesa do ex-presidente. O tempo poderá, também, corrigir se houver alguma falha na interpretação da lei. Em relação aos demais, defendo a dosimetria. Aqueles que participaram do 8 de janeiro de 2023 — muitos que estavam ali sequer sabiam exatamente o que estavam fazendo, ainda que estivessem no lugar errado, na hora errada, com o posicionamento errado. Nesses casos, caberia, e seria justa, uma reavaliação de dosimetria para que não houvesse exagero nas penas e equívocos na aplicação da lei.

A defesa da anistia a Bolsonaro é um gesto de pacificação ou uma afronta ao Estado Democrtático de Direito?

É preciso ter uma análise cuidadosa disso. Considerar os ajuizamentos da Suprema Corte brasileira depois de meses de audiências, considerações, defesas e argumentos, e simplesmente cancelar uma pena, é afrontoso. É você duvidar da Justiça e colocar em risco, inclusive, a própria Constituição. Abre-se um precedente perigoso, a meu ver. O que não impede que, dentro da própria Constituição, seja feita uma avaliação, num próximo momento, sobre a dosimetria desta mesma pena aplicada ao ex-presidente. Isso poderá ser discutido de maneira clara e ampla no âmbito do Judiciário por uma eventual redução de pena. Eliminar a pena, simplesmente, seria um gesto afrontoso à Justiça e à própria instituição.

A Câmara dos Deputados virou uma trincheira na tentativa de proteção de Bolsonaro e seus aliados. Considera este o pior Congresso da história — como criticou o presidente Lula há poucos dias?

O Congresso espelha o sentimento do país e do seu povo, certo ou errado. Ele espelha aquilo que os cidadãos, pelo voto direto, colocaram lá. O Congresso atual não é nem melhor nem pior do que os congressos anteriores. É um Congresso que vive numa circunstância na qual o país segue extremamente dividido, como estava nas eleições de 2022. Essa divisão tem duas lideranças: uma, do presidente Lula, e a outra, do ex-presidente Bolsonaro.

A PEC da Blindagem foi sepultada pelo Senado, mas a con tinuam o desejo de um grupo de parlamentares de construirem algum tipo de autoproteção. Qual sua opinião sobre isso?

Prevaleceu o bom senso em não aprovar a PEC da Blindagem. A reação nas ruas demonstrou, claramente, que a opinião pública brasileira era contrária a essa medida. Teria sido um equívoco do Congresso aprová-la. Não há blindagem que possa distinguir as pessoas. Seria o mesmo que estabelecer uma elite de pessoas neste país que, mesmo cometendo crimes, não seria punida por conta de um mandato eleitoral. A rejeição da PEC da Blindagem foi o retrato daquilo que a opinião pública, majoritariamente, esperava dos seus congressistas.

Acredita que o Brasil aguenta mais quatro anos de polarização entre o lulismo e o bolsonarismo? Ou é preciso um pacto mínimo para que a democracia não corra algum risco?

Tomara que não. O Brasil é um país que tem resistido a muitas coisas. O preço disso será alto demais para o país e, principalmente, para o seu povo viver mais quatro anos de conflito e de confronto.

 

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