A Reforma Administrativa que está sendo discutida na Câmara dos Deputados pretende mexer em alguns vespeiros, que devem despertar forte oposição do funcionalismo. Como uma pregressa de carreira mais longa, avaliação de desempenho, regras mais rigorosas sobre o teletrabalho, cortes nos chamados "penduricalhos" — que tornam-se permanentes e são incorporados aos salários de alguns categorias — e aposentadoria compulsória no Judiciário para aquele juiz que comete uma grave infração ética. Segundo o relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), muitos pontos da reformulação que está elaborando já estão previstos nos regramentos dos Três Poderes e em vigor, sendo que, em alguns casos, com um rigor ainda maior do que o que está sendo proposto no texto da reforma. Garante, também, que não pretende acabar com o concurso público — ao contrário, propõe ampliá-los. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.
A reforma pretende enfrentar a questão do desempenho do servidor. Por que tanta resistência a isso?
O desempenho do servidor deve ser avaliado. Por que não poderia? Está na Constituição, inclusive, a garantia, a proteção da estabilidade do servidor público e que ele precisa ser avaliado. Isso é óbvio. Outro dia, em uma entrevista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a avaliação de desempenho. Essa é a mesma posição de vários integrantes do governo. Não podemos falar disso como uma heresia ou meio de assédio e perseguição. Existem mecanismos para evitar isso. Temos várias administrações públicas que fazem o processo com modelos de avaliação de desempenho absolutamente eficientes, justos e necessários. Precisamos reposicionar essa discussão porque, muitas vezes, está cercada de negacionistas. O que mais vejo são negacionistas de esquerda que dizem "sou contra porque sou contra".
A reforma prevê apenas um dia de teletrabalho semanal para os servidores. Qual é o critério usado para chegar a esse número?
A gente tem que acabar com a bagunça. Abusaram. Não sou contra o teletrabalho, mas abusaram. Tem órgão que está 100% no teletrabalho. Não dá, aí é demais. Enviei uma proposta observando áreas que, na nossa visão, têm bons mecanismos de regras de home office. Como o Banco Central, que tem uma regra bem exigente. E o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é mais rigoroso do que o modelo que propus — assim me disse o presidente Aloísio Mercadante. É uma vez por semana e não pode segunda nem sexta-feira. É uma discussão mundial, seja teletrabalho, home office no serviço público ou no privado. O Itaú fez um estudo grande, com ferramentas muito mais eficientes do que a administração pública, e reduziu muito seus funcionários em teletrabalho porque aferiu, segundo métricas do banco, redução de produtividade. O serviço público tem outras características, outras preocupações que não é o lucro. Mas regramento, colocar algumas balizas, alguns critérios mínimos, acho absolutamente adequado e bem-vindo.
Por que há tanta polêmica nas regras para a contratação de temporários?
Na proposta, não digo qual carreira deve ser temporária, estatutária, celetista concursada ou terceirizada. Não entrei nessa questão. Estabeleci a seguinte base: quer fazer concurso temporário? Siga essas regras e faça um processo seletivo que impede nepotismo e apadrinhamento. Outro dia, dei uma entrevista para um site de concursos explicando que não vai acabar o concurso. Pelo contrário: ampliaremos o Enem dos Concursos. O que existe, hoje, é só no nível federal e estamos estendendo para todo o Brasil. Aí as pessoas falam que o contrato temporário que estamos fazendo vai reduzir as contratações estatutárias e os certames. É o contrário. Estou estabelecendo regras mínimas e tornando a contratação temporária até mais cara para o gestor. Isso beneficia o concurso público.
O que muda na progressão de carreira dos servidores?
Estamos alongando as carreiras. Em vez de um servidor entrar em uma carreira curta de 12 níveis, estamos fazendo uma progressão de até 20 níveis, que o governo Lula, inclusive, está fazendo no nível federal. O concurseiro passa pela maior avaliação de desempenho; a maior meritocracia está no concurso público. Em sua carreira, ele não vai ter um exercício tão pleno de desempenho e de mérito quanto no concurso. Aí passou na prova e acabou? O que estamos fazendo é colocar uma avaliação contínua de desempenho, tutoria, aumentar o processo de formação durante o estágio probatório. Isso é fazer ajustes importantes na carreira. Não estou mudando nada, isso já está escrito na Constituição.
Um ponto polêmico da reforma é a aposentadoria compulsória. A ideia é acabar com esse tipo de punição administrativa. Como estão as tratativas sobre o tema?
Como o cidadão comum vê da aposentadoria compulsória? Você imagina: o juiz Lalau (referindo-se a Nicolau dos Santos Neto, inicialmente aposentado compulsoriamente devido ao escândalo de corrupção na construção da sede do Tribunal Reginal do Trabalho de São Paulo, mas que perdeu o benefício em 2013), aposentado, que não foi punido pelo seu roubo, em um barco confortável, pescando e recebendo todo mês um salário de R$ 100 mil, R$ 150 mil. Essa é a imagem que as pessoas têm da aposentadoria compulsória — e ela é real. É com essa franqueza que converso com os membros do Judiciário. E olhe: a grande maioria do Judiciário concorda com isso, porque, na verdade, quem comete esses delitos é uma pequena parte que contamina o todo. É algo que pode ser modificado e é uma modificação simples. Depois que é afastado e é aposentado compulsoriamente, o juiz, em tese, deveria sofrer uma ação do Ministério Público. Mas o que vemos é aquilo: já aposentou, deixa ele lá, não vamos mexer nisso, as pessoas já esqueceram. Isso causa profunda indignação para todo mundo. Tem alguns que dizem que isso vai ferir a questão da vitaliciedade, que é uma característica da formação do Judiciário brasileiro. Mas, em relação a uma má conduta, acredito que tem tido essa percepção dos magistrados de que precisa e pode ser revisto, por ser é um equívoco que pesa contra e impacta na reputação do Poder Judiciário.
O Judiciário é, frequentemente, criticado pelos altos salários e penduricalhos. Como a reforma enfrenta isso?
Os supersalários, os tais excessos, não estão restritos somente ao Judiciário. O Poder Executivo também tem. Uma reportagem recente falou dos adicionais para servidores públicos federais que chegam a quase R$ 50 mil para a elite do servidor. A advocacia pública tem 60 dias de férias; metade das advocacias públicas dos estados, para ser preciso, tem 60 dias de férias. Têm excessos de honorários distribuídos para todos os advogados. Assim, esses excessos — gosto dessa palavra — existem não só no Poder Judiciário, mas no Executivo e Legislativo também. E com todo respeito ao Senado, mas (os senadores) aprovaram um penduricalho, uma verba de caráter indenizatório para determinados funcionários da Casa que estão em posições de comando. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) mandou uma proposta para a Câmara seguindo um modelo de verba indenizatória para cargos executivos e gerenciais do Senado.
Sobre verbas indenizatórias e férias. Como está prevista a reformulação desses temas?
O texto inicial foi um redesenho daquilo que pode ser uma verba indenizatória conceitual. Ela não pode ser repetitiva, tem que ser focalizada e temporária. Essa é uma característica da verba. Sabemos que muitas delas não têm o caráter temporário e focalizado — na verdade, viraram um acréscimo salarial. Por exemplo: verbas de acúmulo de função, verbas de acúmulo de estoque, são verbas que muitas vezes juízes, promotores e procuradores recebem, hoje, ordinariamente, todo mês e representam um aumento de salário. Mas há outros pontos que estão na reforma que estamos construindo convergência. Por exemplo: reduzir as férias de 60 dias para 30. É difícil alguém publicamente defender isso. A grande maioria dos servidores não tem. Os trabalhadores de carteira assinada não têm. Os informais, a modalidade de trabalho que mais cresce no Brasil, sequer sabe o que são 30 dias de férias. Queremos igualar todos. E, no caso dos operadores do direito — juízes, promotores e procuradores —, ainda teria o recesso, que poderia contar como período de descanso. Mais de 30 dias é um excesso.
Mas os lobbies do Judiciário são mais fortes do que os de outras categorias. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse que não aceitaria uma reforma que mexesse na independência do Judiciário.
A Constituição de 1988 estabeleceu muito poder ao Judiciário. Assim como nós temos nossas prerrogativas, eles têm as deles. A oposição do Judiciário e do Ministério Público pode paralisar o avanço de uma reforma. E também não adianta aprovarmos uma reforma e ela ser barrada no STF. Por isso, estamos fazendo um diálogo permanente. Estive com o presidente anterior, ministro Luís Roberto Barroso, e estive com o presidente Edson Fachin. Estive com o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tenho dialogado permanentemente com essas categorias. Também conversei com sete procuradores-gerais de Justiça dos estados. Então, é um diálogo, um exercício permanente. Democracia dá trabalho, tem que dialogar, conversar, construir, tentar buscar consensos.
Mas há disposição desses setores para abrir mão de privilégios?
Do jeito que está, há um descontrole. Essa questão de penduricalho está todo dia no jornal e nas redes sociais com denúncias de exageros, de excessos cometidos por todos os Poderes. É algo que a Reforma Administrativa não pode deixar de tratar, porque vai perder reputação se não tratar disso. E é algo que a sociedade está cobrando e precisa ser corrigido. O presidente Edson Fachin, ao mesmo tempo que deu aquela declaração — e eu compreendo, foi em um encontro em Florianópolis (SC) da Associação dos Magistrados do Brasil —, foi super-cortês comigo quando conversamos naquele mesmo evento. Ele não tinha conhecimento do texto e citou pontos que via com alguma preocupação. Expliquei alguns pontos nos quais havia confusão e estamos, agora, com equipes técnicas dialogando para que a gente possa avançar num texto de consenso.
