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Presidente do STM rebate ofensa de militar e chama comentário de ‘misógino’

Maria Elizabeth Rocha classifica como misoginia ataque de colega porque ela reconheceu, publicamente, os erros do STF

Manifestação da ministra foi durante ato ecumênico em memória aos 50 anos do assassinato de Vlado Herozg -  (crédito: José Cruz/Agência Brasil)
Manifestação da ministra foi durante ato ecumênico em memória aos 50 anos do assassinato de Vlado Herozg - (crédito: José Cruz/Agência Brasil)

A presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira da Rocha, rebateu, ontem, o pronunciamento do ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, também integrante da Corte e tenente-brigadeiro do ar da Força Aérea Brasileira (FAB). Na semana passada, ao manifestar discordância pelo pedido de desculpas às vítimas da ditadura militar (1964-1985) no ato ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog, na Catedral da Sé, em São Paulo, disse que ela “deveria estudar”. A magistrada considerou a crítica “misógina” e um “ataque pessoal”. O resultado foi uma troca de alfinetadas entre eles.

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Maria Elizabeth reiterou o pedido de perdão “a todas as vítimas de graves violações de direitos humanos, à sociedade civil e à história do país” e classificou o comentário do militar como uma tentativa de desqualificá-la profissionalmente. “Essa agressão desrespeitosa não atinge apenas esta magistrada. Atinge a magistratura feminina como um todo”, afirmou, ao pronunciar-se antes da sessão de julgamentos da Corte.

Segundo a ministra, sua declaração se tratou “de gesto eticamente republicano e constitucionalmente afinado com a memória”. "Naquela cerimônia, pedi perdão, falando em meu nome, na condição de presidente do Superior Tribunal Militar, a todas as vítimas de graves violações de direitos humanos, à sociedade civil e à história do país. Tratou-se de gesto eticamente republicano e constitucionalmente afinado com a memória, a verdade e a não-repetição de violências, certa de que a dor transpassa o coletivo e que, muitos, como eu, têm registros de lágrimas derramadas por familiares martirizados pela ditadura", frisou. 

A presidente disse, então, que “diferentemente das palavras pronunciadas por sua excelência, o ministro tenente-brigadeiro do ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, conheço muito bem a história. Uma memória bem catalogada, onde não há dúvidas sobre seus contornos”. E deixou clara a indignação com o ataque do militar. “A tentativa de ampliar o alcance das minhas palavras demonstra pretexto para ataque pessoal. Por certo, a divergência de ideias é legítima. O que não é legítimo é o tom misógino, travestido de conselho paternalista sobre ‘estudar um pouco mais’ a história de instituição, adotado pelo interlocutor”.

Foi a vez, então, de Amaral Oliveira retrucar. Começou dizendo que não dera permissão para que Maria Elizabeth Rocha falasse em seu nome. A presidente do STM rebateu. “Nem eu quero”. O tenente-brigadeiro continuou: “Não pedi para a senhora concordar. Fala que sou misógino?”. A presidente da Corte, então, respondeu: “Pode falar o que quiser, eu não ligo muito”, rebateu, encerrando a discussão. 

Além de dizer que a presidente devesse estudar “um pouco mais de história do tribunal para opinar sobre a situação no período histórico a que ela se referiu”, também aconselhou-a que que “refletisse sobre as pessoas” a quem pediu perdão. 

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A manifestação da magistrada no ato ecumênico, em São Paulo, pelos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog nas instalações do DOI-Codi — departamento ligado ao Exército que se tornou o símbolo da tortura praticada pelos integrantes da Força e símbolo da repressão aos adversários da ditadura —, foi, sobretudo, em função de uma história pessoal. A presidente do STM é casada com o general de Divisão da reserva Romeu Costa Ribeiro Bastos, irmão de Paulo Ribeiro Bastos, militante do MR-8 que foi torturado e morto no regime militar.

“Peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário. Recebam meu perdão, a minha dor e a minha resistência”, salientou Maria Elizabeth. O público que lotava a catedral respondeu com aplausos de pé.

Foi a primeira vez que uma autoridade máxima da Justiça Militar — instância diretamente ligada às Forças Armadas — reconheceu, publicamente, os abusos cometidos na ditadura e os erros judiciais que legitimaram a repressão violenta aos que se punham contra o regime.

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postado em 05/11/2025 03:55
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