
A expansão e consolidação das organizações criminosas (Orcrims), como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), reconfiguram a dinâmica territorial, ambiental e social da região da Amazônia Legal, que está se consolidando como um ecossistema criminal complexo. Dados da pesquisa Cartografias da Violência na Amazônia mostram que 344 dos 772 municípios amazônicos (44,6%) apresentam evidências da presença de facções criminosas este ano.
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No total, foram mapeadas 17 organizações ativas nas delimitações da Amazônica Legal, incluindo grupos regionais — como o Bonde dos 40 (B40), Família Terror do Amapá (FTA) e a Tropa do Castelar —, juntamente com organizações estrangeiras — Tren de Aragua, EMC e Ex-Farc Acácio Medina.
Neste cenário, o Comando Vermelho (CV) — original do sistema prisional do Rio de Janeiro — foi o grupo que apresentou a maior velocidade de expansão na região, ampliando sua influência em municípios em 123% ao longo de dois anos. Ao todo, o CV está presente em 286 cidades da Amazônia e é a única facção dominante em 202.
O PCC, por sua vez, adota uma estratégia distinta, segundo o texto. O Primeiro Comando opera de modo mais seletivo e concentrado em corredores logísticos de alto valor para o tráfico internacional. Sua presença se manteve estável na área amazônica, tendo sido detectada em 90 municípios neste ano.
"Uma hipótese para esse comportamento é a priorização da internacionalização de seus mercados, especialmente no âmbito das redes transnacionais do narcotráfico. Ademais, costuma-se observar que o PCC adota uma atuação mais discreta, frequentemente associando-se a atividades lícitas para facilitar a lavagem de dinheiro e se aproveitando das logísticas de circulação de outras cadeias econômicas", detalha o relatório.
Os estados com a maior presença das facções em seus territórios são o Acre (100% dos 22 municípios), e Roraima (80% dos 15). Em números absolutos, o Mato Grosso (92 dos 141 municípios) e Pará (91 dos 144) lideram.
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Interiorização
Outro ponto evidenciado pelo relatório é a interiorização da violência. As organizações atuam em 166 municípios rurais, 111 urbanos e 67 intermediários. De acordo com o relatório, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a expansão não é apenas sobre o narcotráfico, mas uma "simbiose entre entre o poder bélico e financeiro das facções e as economias ilícitas que, há décadas, sustentam frentes de desmatamento, garimpo e exploração predatória".
"Assim, as rotas do narcotráfico passam a atravessar as múltiplas vulnerabilidades das florestas e das cidades amazônicas, aprofundando formas de violência que há muito moldam a vida das populações locais", destaca o texto.
O CV, em especial, alterou o nível de riscos em territórios vulneráveis, deixando de atuar perifericamente nos garimpos para assumir o controle direto das cadeias de extração mineral. Na Terra Indígena (TI) Sararé, em Mato Grosso, a facção fluminense passou a impor regras, cobrar tributos — variando entre 10g e 100g de ouro por mês —, disciplinar trabalhadores e controlar a circulação de pessoas e insumos.
Ao Correio, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) informou estar focado em descapitalizar financeiramente os grupos criminosos, utilizando a estratégia de "seguir o dinheiro". Segundo a pasta, em 2024, as operações da polícia judiciária descapitalizaram R$ 502,4 milhões do crime e que em 2025, até o momento da publicação desta reportagem, foram apreendidos R$ 1,66 bilhão em bens.
"Ao todo, desde 2023, foram realizados 408 leilões de mais de 5,7 mil bens nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Amazonas, Roraima, Acre, Tocantins, Pará, Maranhão e Amapá totalizando R$307.586.900,77 em valores que retornaram aos cofres públicos", detalhou o ministério, em nota.
Terras indígenas
O relatório destaca ainda que as TIs são territórios mais vulneráveis e que a proteção dessas áreas é uma questão de segurança pública e soberania nacional. Em 2024, o desmatamento em áreas indígenas da Amazônia Legal apresentou um movimento contrário à tendência geral de queda. Cresceu 52% em comparação a 2023, totalizando 251 km² de floresta destruída.
A TI Sararé, por exemplo, liderou o ranking de maior área desmatada no ano passado (28,62 km²), com um aumento de 93% na área destruída pelo garimpo ilegal de ouro entre 2023 e 2024.
A pesquisa do Fórum conclui que essa modalidade de crime é a ameaça mais disseminada e violenta nas TIs desintrusadas — que passaram pelo processo de retirada de ocupantes não indígenas, como garimpeiros, madeireiros e fazendeiros — envolvendo extração mineral predatória, ocupação territorial e criminalidade organizada. Este crime é utilizado, principalmente, para lavagem de dinheiro e como moeda de troca para o narcotráfico.
Ao todo, o estudo traz que cinco das 12 terras indígenas alvo de operação de desintrusão — Yanomami, Vale do Javari, Munduruku e Kayapó — apresentam presença comprovada ou consolidada de facções criminosas ligadas ao narcotráfico.
O Ministério da Justiça informou que atua de forma "permanente e articulada" na repressão a crimes ambientais, garimpos ilegais e atividades ilícitas que afetam comunidades tradicionais. A pasta cita que R$ 156 milhões foram destinados ao fortalecimento da capacidade operacional da Polícia Federal (PF) e a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI-Amazônia), para articular PF, Polícia Rodoviária Federal (PRF), Força Nacional de Segurança Pública e forças de segurança dos nove estados da Amazônia Legal, além de representantes de países da Pan-Amazônia e organismos internacionais.
"A Força Nacional tem atuado de forma contundente e permanente na proteção de terras e comunidades indígenas, com foco no combate a crimes ambientais, à mineração ilegal e a outras práticas criminosas que ameaçam os povos originários", esclareceu a pasta.

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