Entrevista | Mendonça Filho | Relator da PEC da Segurança Pública

'Dominar território equivale a terrorismo'

Parlamentar promete texto que integre as forças de segurança dos três níveis de Poder, estabeleça canais de inteligência eficientes e mantenha a autonomia das unidades da Federação

Relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, o deputado Mendonça Filho (União-PE) adverte que se o crime organizado não for enfrentado com firmeza, o Brasil pode se tornar um narcoestado. Por isso é que considera inadmissível que criminosos que dominam territórios — por meio do uso de armamento de guerra, praticando a eliminação de inimigos e decretando "leis particulares — não sejam comoareados a terroristas. O deputado, porém, garantiu que buscará um texto capaz de "harmonizar" a atuação de União, estados e municípios, mas sem transferir o comando operacional das polícias para Brasília. Leia a seguir a entrevista ao Correio.

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O senhor afirmou que o Brasil caminha para se tornar um narcoestado se nada mudar. Em que medida a PEC  pode evitar que crises como a do Rio se repitam?

De acordo com um estudo recentemente divulgado, mais de 50 milhões de brasileiros vivem sob a influência ou domínio de territórios controlados pelo tráfico e organizações criminosas. Isso significa que cresce na realidade brasileira a presença do crime organizado, cada vez com maior poder, interferindo nas cadeias econômicas de fornecimento de gás, de internet e atuando no setor de combustíveis — entre outros. É por isso que disse que, se o Brasil não reagir, o Estado vai perder o país para o crime organizado.

A crise no Rio escancarou o avanço de facções sobre territórios inteiros. Que instrumentos a PEC cria para enfrentar esse poder paralelo?

É preciso ter firmeza nos procedimentos relativos às organizações tipificadas como criminosas, como o tráfico de drogas em alta escala, e milícias, com poderio militar, como ocorreu no Rio de Janeiro — com fuzis, drones, barricadas... Um estado em situação de guerra pura. Essa realidade impõe, necessariamente, que a gente tenha um debate consistente e possa punir, da melhor maneira possível, quem comete, quem compõe e, sobretudo, quem lidera essas organizações. Ou seja: com penas duras e sem direito a progressões, como hoje é praticado para os criminosos de crimes comuns. Crime que domina territórios é comparável ao terrorismo, que usa armamento de guerra, drones para atacar a polícia e pratica assassinatos e eliminação de inimigos ou de colaboradores, a partir de sentenças sumárias decretadas pelo crime organizado. Tudo isso compõe um quadro inaceitável. Essas pessoas, quando pegas e enquadradas, devem ser punidas de forma exemplar.

Há falha de coordenação entre União, estados e municípios como causa da tragédia no Rio? A PEC como está propõe algum mecanismo para corrigir isso?

A PEC tem o mérito de abrir a discussão, é uma iniciativa do governo de abrir o debate sobre segurança pública. Mas o impacto dela sobre a realidade dos brasileiros, e no combate à violência, é mínimo. Isso porque você tem a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), de uma legislação que foi votada no governo (do ex-presidente Michel) Temer, sob o comando do então ministro Raul Jungmann, que criou esse Sistema Único de Segurança Pública. Além disso, essa PEC concentra poder ou poderes em excesso, no meu modo de ver, no governo central. Isso é contrário a tudo que é praticado no mundo, principalmente em países continentais como Austrália, Itália, Canadá, Estados Unidos, ou em federações como a Alemanha, onde o poder de polícia, o exercício da política de segurança pública e a operação se dão muito fortemente por meio dos estados ou pelos municípios. Para mim, a PEC abre o debate, mas é uma iniciativa pouco significativa dentro de um quadro de caos que se vive no Brasil com relação ao combate ao crime. Acho que esse debate é bem-vindo e a gente espera que possa gerar, primeiramente, no texto que apresentarei como relator, um substitutivo consistente que possa, de fato, mexer na estrutura da segurança pública, mantendo a descentralização, aumentando os recursos aplicados na área de segurança pública e fortalecendo os operadores de segurança. E integrando a atuação do governo federal por meio das polícias (Federal e Rodoviária Federal) junto com os estados, nessa cooperação e integração por meio das polícias estaduais civis e militares.

Críticos dizem que a proposta pode abrir caminho para uma centralização da segurança nas mãos da União. Como o seu relatório evita isso, sem comprometer a integração nacional?

Oitenta por cento dos recursos investidos na segurança pública vêm dos estados. A União colabora com apenas 12%. Os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, sob controle do governo federal, neste ano de 2025 devem totalizar uma aplicação de apenas R$ 2 milhões. Ou seja: o investimento federal na área de segurança pública é pouco significativo. Além disso, do ponto de vista administrativo e operacional, é impossível em um país das dimensões do Brasil, com 27 unidades da Federação e 5,5 mil municípios, centralizar em Brasília toda a política de combate à violência e de provisão de segurança pública. Há de se ter uma operação estadual. Por isso, defendi, quando da tramitação na Comissão de Justiça da Câmara (CCJ), o espírito da descentralização e reitero que esse deve ser o caminho. Isso não impede que tenha cooperação e integração entre os estados e o governo federal.

Após o aumento da violência no Rio, há pressão para acelerar a votação da PEC. O senhor teme que isso comprometa o debate técnico?

Recebi o pedido do presidente (da Câmara) Hugo Motta (Republicanos-PB) para que a gente pudesse acelerar a tramitação da PEC na comissão especial, ao lado do presidente da comissão, deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA). Fixamos um cronograma enxuto, ouvindo os diretores-gerais da PF (Andrei Rodrigues) e da PRF (Antônio Fernando Souza), a representação dos comandos estaduais das polícias militares e civis. E, por fim, os representantes do Ministério da Justiça, inclusive o próprio ministro (Ricardo) Lewandowski, e os governadores dos principais estados. Com esse quadro de debates, a gente vai consolidar um texto para que possamos apresentar o nosso relatório em 4 de dezembro. Vou tentar harmonizar da melhor maneira possível esse quadro para que a gente possa oferecer respostas adequadas.

Houve diálogo com o Ministério da Justiça e com o governo do Rio para incluir aprendizados dessa crise no relatório?

Com relação ao governador do Rio (Cláudio Castro), ele está convidado para participar da série de audiências públicas dedicadas aos governos estaduais. Espero que a gente possa receber contribuições efetivas do governador no sentido de que se aprimore o texto da PEC. Em relação ao governo federal, mantemos um debate franco, sincero e colaborativo com o ministro Lewandowski. Teremos toda a disposição para que a gente possa colaborar da melhor maneira possível, recepcionando ideias não só do Ministério da Justiça, mas de todos que queiram contribuir: academia, especialistas, governadores, prefeitos, operadores da área de segurança, polícias e a própria Justiça, além do Ministério Público nos estados e, a nível da União, o Ministério Público Federal.

Como o seu relatório trata da cooperação entre forças policiais que, hoje, muitas vezes atuam de forma descoordenada?

É preciso ter colaborações com relação à padronização de boletins de ocorrência e de bancos de dados de criminosos que possam ser compartilhados. É preciso ter atuação conjunta e colaborativa das chamadas polícias científicas e, sobretudo, inteligência. A inteligência para a área policial é vital e entendo que há de se ter um espaço de compartilhamento de informações de inteligência que possam facilitar o combate ao crime do governo central junto aos estados. E também dos governos estaduais e municipais junto à União.

 


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