Com o trânsito em julgado do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais líderes da trama golpista — integrantes do chamado núcleo crucial —, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou um capítulo dramático e inédito na História do país. Pela primeira vez, um ex-capitão e quatro oficiais da mais alta patente das Forças Armadas são condenados e presos por conspirar contra a democracia. Nesta quarta-feira, em audiências de custódia individuais, a Justiça confirmou a legalidade de todas as prisões.
Mas a novela da tentativa de golpe de Estado ainda produzirá novos desdobramentos dentro e fora da Corte Suprema. Um dos condenados, o ex-diretor geral da Agência Brasileira de Informações (Abin) e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) permanece livre, foragido em Miami (EUA), para onde fugiu em setembro com a família, adiando a prestação de contas com a Justiça brasileira.
Bolsonaro, o ex-ministro da Casa Civil general Walter Braga Netto, o ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno, e o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier vão enfrentar um novo processo, desta vez, na Justiça Militar, que pode levar à perda das patentes e à expulsão das Forças Armadas.
Outros desdobramentos do processo se darão no Poder Legislativo e na Justiça Eleitoral, como consequência da condenação em última instância de Bolsonaro e de Ramagem. O relator da Ação Penal 2668 na Primeira Turma do Supremo, ministro Alexandre de Moraes, encaminhou ofício para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informando a situação de inelegibilidade dos condenados com base na Lei da Ficha Limpa. No caso do ex-presidente, ele só estaria apto novamente para disputar eleições em 2060, quando teria improváveis 105 anos de idade.
Moraes também oficiou a Câmara dos Deputados para que declare a perda do mandato de Ramagem, condenado a 16 anos e 1 mês de prisão pela Primeira Turma do STF por participação na conspiração golpista. Nesse caso, o magistrado aponta o artigo da Constituição que determina a perda do mandato ao parlamentar que "deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada". O ex-diretor da Abin ainda deve perder o cargo de delegado da Polícia Federal. Moraes solicitou ao Ministério da Justiça que inicie o processo de expulsão de Ramagem dos quadros da corporação.
O deputado está proibido, desde esta quarta-feira, de participar remotamente das sessões da Câmara, como fez na votação do Projeto de Lei Antifacção, na semana passada. Por decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), nenhum deputado federal poderá participar de votações de forma remota — pelo aplicativo Infoleg — se estiver no exterior, mesmo que amparado por atestado médico.
A Mesa da Câmara informou que não autorizou nenhuma missão oficial de Ramagem no exterior nem foi comunicada da viagem dele para os Estados Unidos. O deputado apresentou atestados médicos para os períodos entre 9 de setembro e 8 de outubro, e 13 de outubro e 12 de dezembro para justificar as faltas. Na terça-feira, após a decisão do STF de mandar para a prisão os condenados do núcleo crucial da trama golpista, Ramagem chegou a marcar presença na Câmara pelo aplicativo Infoleg.
- Exclusivo: laudos diagnosticam Alzheimer no general Augusto Heleno
- Moraes autoriza nova visita de Michelle a Bolsonaro
- PSol aciona PGR contra Nikolas por ajuda a Bolsonaro em tentativa de fuga
Interpol
Por ordem do STF, o mandado de prisão do deputado será incluído no Banco Nacional do Monitoramento de Prisões (BNMP). Moraes também solicitou ao Ministério da Justiça que encaminhe ao governo dos Estados Unidos o pedido de extradição do parlamentar e inclua o nome dele na lista de difusão vermelha da Interpol, de foragidos internacionais. O Correio não conseguiu contato com a defesa do deputado.
Pelas redes sociais, Ramagem disse que só perderá o cargo se a Câmara dos Deputados autorizar. Sobre o processo penal, chamou Moraes de "tirano de toga" e que é vítima de um processo marcado por "ilegalidades, inconstitucionalidades e perseguições".
O pedido de extradição segue o mesmo rito do processo contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que está presa na Itália aguardando uma decisão da Justiça local para devolvê-la ao Brasil. Ela foi condenada pelo STF a 10 anos de prisão por mandar o hacker Walter Delgatti invadir os computadores do Conselho Nacional de Justiça, em 2023. Três dias antes da sentença, Zambelli fugiu para os Estados Unidos e, de lá, seguiu para a Itália. O ofício do STF à Câmara para que determine a perda de mandato da deputada paulista está parado na mesa de Motta desde junho, aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa para ser submetido ao plenário.
Julgamento no STM
Bolsonaro e altos oficiais das Forças Armadas terão outra frente de batalha, desta vez na Justiça Militar. O Superior Tribunal Militar (STM) foi informado oficialmente, ontem, da condenação do grupo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), primeira etapa para iniciar o processo legal de perda das respectivas patentes.
Em nota, o STM informou que "os ofícios (do STF) serão encaminhados à Procuradoria-Geral da Justiça Militar" para análise. "Eventuais representações por Indignidade ou Incompatibilidade para o Oficialato são de exclusiva iniciativa do Ministério Público Militar (MPM). A partir desta eventual provocação, o STM se pronunciará", declarou a Corte.
O STM, porém, não tem poder para revisar as condenações criminais da Primeira Turma do Supremo. "Cabe à Corte Militar decidir apenas sobre a idoneidade e dignidade do oficial, não reavaliando o mérito de condenação já proferida", explicou a assessoria do tribunal.
Como o recesso do Judiciário começa em 19 de dezembro, o julgamento só ocorrerá no ano que vem. O STM é formado por 15 ministros, sendo 10 militares e cinco civis, mas a presidente, ministra Maria Elizabeth Rocha, só vota em caso de empate e, mesmo assim, com voto pró réu, como prevê o Regimento Interno do Tribunal.
A ação de indignidade contra os militares condenados é vista pela Corte como "medida de relevância para a carreira militar, destinada a proteger a honra, a disciplina e a hierarquia das Forças Armadas, assegurando, em equilíbrio, a dignidade da farda e os direitos fundamentais dos militares".
Representações por indignidade ou incompatibilidade para o oficialato estão previstas no Artigo 142 da Constituição Brasileira e alcançam qualquer militar da ativa ou da reserva que tenha sido condenado a mais de dois anos de cadeia.
Apenas o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e réu colaborador da ação penal, deve ter sua patente mantida. Como resultado da delação premiada, negociada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), ele foi condenado na Primeira Turma do STF a dois anos de reclusão em regime aberto, o que deve livrá-lo de um processo de perda de patente pela Corte Militar.
Saiba Mais
-
Política Irmão de Michelle Bolsonaro deixa governo Tarcísio de Freitas para articular campanha de 2026
-
Política Randolfe diz que Lula e Alcolumbre "conversarão" antes de indicação de Messias avançar
-
Política Governo Lula reforça vetos a licenciamento ambiental em véspera de votação no Congresso
-
Política Comissão na Câmara aprova projetos que ampliam direitos das mulheres
-
Política Haddad faz aceno a Alcolumbre e Motta ao discursar em sanção do IR
