
A Câmara dos Deputados determinou o cancelamento dos passaportes diplomáticos dos ex-deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). A decisão ocorre após a Mesa Diretora da Casa declarar a cassação dos mandatos de ambos, medida que implica a perda imediata de benefícios vinculados ao cargo, como imóvel funcional, verba de gabinete e cotas de passagens aéreas.
Mais do que um gesto administrativo, o cancelamento do documento levanta questionamentos sobre os impactos práticos da perda do status diplomático, especialmente para quem está fora do país — e, no caso de Ramagem, sob condenação criminal.
O que muda sem o passaporte diplomático
Embora facilite trâmites em aeroportos e ofereça certas cortesias protocolares, o passaporte diplomático não garante permanência legal no exterior. “Ele facilita a entrada e dá algumas cortesias, mas não altera o tempo que a pessoa pode ficar no país”, explica o professor de Relações Internacionais Ricardo Caichiolo, diretor do Ibmec Brasília. Segundo ele, a duração da estadia continua sendo definida pelo tipo de visto ou por acordos internacionais específicos.
A perda do mandato, contudo, altera de forma significativa a relação do ex-parlamentar com autoridades migratórias estrangeiras. “Ao perder o cargo, normalmente também se perde o direito ao visto diplomático. A pessoa passa a ser tratada como qualquer outro estrangeiro, sem a proteção política associada ao cargo”, afirma Caichiolo.
O especialista aponta ainda dois cenários comuns após o vencimento do visto. O primeiro, considerado mais simples, é a saída voluntária, quando a pessoa é notificada pelas autoridades e deixa o país dentro do prazo estabelecido. Caso isso não ocorra, pode ser aplicada a remoção administrativa, procedimento que já envolve detenção e deportação pelas autoridades migratórias.
Tratamento igual ao de qualquer estrangeiro
A advogada internacionalista Rita Silva reforça que o documento, por si só, não assegura estadia indefinida. “Quem define isso é o visto ou algum acordo internacional. Sem o exercício da função oficial, a regra aplicada é a mesma de qualquer cidadão comum”, diz.
Ela ainda destaca ainda que o cancelamento do passaporte é comunicado a bases internacionais. “Na fronteira, o sistema acusa o documento como inválido, o que pode levar à retenção da pessoa para esclarecimentos”, explica. O risco é maior para quem tenta cruzar fronteiras com documentos já revogados, situação que pode resultar em retenção imediata pelas autoridades migratórias.
A advogada especialista em direito migratório Carla Simas explica que as detenções provisórias tendem a ser aceleradas "quando há alertas específicos relacionados a mandados de prisão, pedidos formais de extradição, difusões internacionais com caráter coercitivo ou risco identificado de fuga". Por outro lado, a especialista pontua que "alertas meramente informativos, sem respaldo judicial, costumam gerar monitoramento ou apurações preliminares, mas não prisão automática".
A tese da motivação política
No cenário de extradição, a defesa pode alegar perseguição política, mas o caminho é complexo. Para Carla, "há espaço para alegação de motivação política como óbice à extradição, mas essa tese exige prova robusta". Ela destaca que "não basta que o investigado seja político; é necessário demonstrar que a persecução penal é instrumentalizada, seletiva ou persecutória.
Essa análise costuma ser longa e altamente técnica, envolvendo tribunais, autoridades centrais e, em alguns casos, organismos internacionais". Ainda segundo a especialista, a palavra final sobre a extradição nos EUA cabe ao Secretário de Estado, que analisa critérios políticos, diplomáticos e humanitários após o Judiciário certificar se o pedido é cabível.
Pedido de asilo e risco de deportação
Uma das estratégias para evitar a saída imediata do país é o pedido de asilo, porém ele não garante proteção eterna. De acordo com Carla, o "pedido de asilo não suspende automaticamente a deportação em qualquer hipótese. Ele impede a remoção enquanto o pedido é regularmente processado, desde que tenha sido apresentado de forma válida e dentro dos critérios legais".
"Pedidos considerados manifestamente infundados, abusivos ou apresentados apenas para protelar uma remoção podem ser indeferidos sumariamente, sem efeito suspensivo pleno", alerta a advogada.
O caso Ramagem e a extradição
No caso de Alexandre Ramagem, a situação é considerada mais complexa. Condenado a 16 anos de prisão no processo que investiga a trama golpista no governo anterior, o ex-deputado é considerado foragido nos Estados Unidos e alvo de um pedido formal de extradição feito pelo Brasil.
Rita Silva esclarece que, para que a extradição seja aceita nos EUA, é necessária a chamada “dupla tipicidade” — quando o crime é reconhecido em ambos os países. O processo, porém, não se limita a critérios técnicos. “O juiz decide se há inextraditabilidade; e a decisão final de entregar (surrender) é do Secretário de Estado, que pode considerar aspectos diplomáticos e humanitários”, explica.
Alertas internacionais e consequências migratórias
Sobre o uso de alertas internacionais, a especialista destaca que a Difusão Vermelha da Interpol funciona como um aviso global para localização e prisão provisória, mas não equivale a um mandado automático em território americano. Ainda assim, permanecer no país sem o status migratório adequado pode gerar consequências severas.
“Se a pessoa não ajustar o status a tempo para uma categoria compatível — turismo, trabalho, estudante — entra em situação de overstay ou out of status, com todas as consequências de imigração”, alerta. As penalidades podem incluir impedimentos de reentrada por períodos que variam de três a 10 anos.
Por que os mandatos foram cassados?
Eduardo Bolsonaro perdeu o mandato por excesso de faltas: esteve ausente em 79% das sessões deliberativas deste ano, 56 de um total de 71. Durante o período, realizou viagens aos Estados Unidos, onde atuou em pautas como a defesa de tarifas contra exportações brasileiras e a articulação pelo cancelamento de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Alexandre Ramagem, por sua vez, teve o cargo cassado após a condenação criminal no processo que apura a tentativa de ruptura institucional no governo anterior. A cassação e o cancelamento do passaporte diplomático aprofundam o isolamento político do ex-parlamentar e reforçam os desdobramentos internacionais do caso.
- Leia também: Desde que saiu do Brasil, Alexandre Ramagem já custou mais de R$ 500 mil à Câmara dos Deputados
Com as decisões da Câmara, os dois ex-deputados deixam de contar com prerrogativas que, até então, lhes garantiam tratamento diferenciado no exterior, passando a enfrentar, como qualquer outro cidadão, as regras e limites impostos pela legislação migratória internacional.

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