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Magia da leitura: a volta das livrarias de rua chama atenção dos brasilienses

Lojas intimistas e sebos com obras selecionadas seduzem leitores que procuram espaços confortáveis para uma imersão no mundo dos livros. Confira os diferenciais desses espaços e como voltam a se destacar no universo da literatura

Proprietária Cida Calmos no Sebinho da Asa Norte se orgulha do seu acervo fruto de uma paixão familiar -  (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Proprietária Cida Calmos no Sebinho da Asa Norte se orgulha do seu acervo fruto de uma paixão familiar - (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
postado em 28/01/2024 07:30

Andar pela rua e encontrar por acaso uma livraria aconchegante no meio da cidade, podendo sentar e trocar conversas sobre bons livros e histórias, com pessoas tão interessadas pelo mundo literário quanto você, é uma vivência única. Ter a oportunidade de tocar e sentir o cheiro dos livros prediletos ou dos que estão na sua lista e ainda ouvir boas recomendações de livreiros, são experiências promovidas pelos espaços especiais das livrarias de rua, que estão cada vez mais fortes em Brasília. 

Nos últimos anos, principalmente durante a pandemia, uma onda de fechamento de livrarias de empresas mainstream permitiu que pequenas livrarias abrissem suas portas para acolher leitores, escritores e amantes da cultura da capital. O grande diferencial de ter curadorias mais específicas, livros com preços mais justos e pessoas empenhadas em te fazer emergir nas histórias, é o que atrai jovens leitores para esses locais, incentivando o consumo e o hábito da leitura.

Para Nathália Guimarães, 24 anos, poder ter interações com outros clientes e funcionários dessas livrarias é o maior incentivo para frequentar esses ambientes. "Não é um lugar que você vai só para comprar, é um lugar que você vai passar o dia conhecendo novas histórias, novas pessoas, fazendo amizades", diz ela.

 Especial Revista. Camile Sahb na livraria Circulares Livros, na Asa Norte.
Camile Sahb é uma das sócias da livraria Circulares e dedica seu tempo pelo o que é mais apaixonada: os livros (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)

Para os proprietários e sócios desses espaços, a troca com os clientes também é o que mais motiva a continuação dos negócios. "É gostoso encontrar as pessoas aqui, divulgar, falar sobre livros. Quando você tem um espaço, quando você tem uma livraria, várias outras possibilidades se abrem", compartilha a proprietária da Livraria Circulares Camile Sahb.

Localizada na 113 Norte, a livraria teve suas atividades iniciadas em setembro de 2021, quando Camile e sua sócia, Ariana Frances, inspiradas por uma onda de abertura de livrarias de rua em São Paulo, sentiram a necessidade de ter um cantinho especial para falarem do que mais amam: livros. A loja, administrada por duas leitoras e amantes de literatura, empenhadas em criar uma comunidade entre seus consumidores e leitores, possui uma curadoria especial focada em literatura contemporânea, com espaço para editoras e escritores independentes.

É com esse objetivo que a livraria, hoje, vem ganhando cada vez mais espaço na cidade e recebendo eventos, autores e clubes de leitura da cidade, como o próprio Clube do Livro da Circulares e também o Leia Mulheres Brasília, incentivando debates de temas importantes."A gente fez um diálogo entre os autores da cidade e de fora, recebemos muitos que estão no primeiro lançamento do livro", afirma Camile.

Além dos espaços de livraria, muitos desses empreendimentos entendem a necessidade de ter outros atrativos, como um café ou outro espaço de convivência entre os frequentadores. Segundo a leitora Nathália Guimarães, a presença desses ambientes torna as pequenas livrarias mais acolhedoras e únicas em relação àquelas de grandes empresas. "As livrarias e sebos de rua têm um ambiente mais acolhedor, como se fosse feito para os leitores passarem o dia no espaço, como o Sebinho da Asa Norte, que tem um espacinho até para a gente sentar, comer e ler por lá", diz ela.

 Especial Revista. Camile Sahb na livraria Circulares Livros, na Asa Norte.
O sofá da livraria Circulares é muito disputado pelos clientes, que procuram um cantinho especial para lerem. (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)

Sebinho Livraria, Cafeteria, Bistrô e Restaurante, situado na 406 Norte, é conhecido pelos amantes de livrarias e por toda a comunidade brasiliense pelos seus 38 anos de atividade e presença na cena literária da cidade. Abrindo suas portas em 1985, a história do Sebinho teve início em uma kitnet e em um Fusca que circulava pela UnB e o Ceub com os livros da família. "No início, eu só acompanhava meu irmão nas jornadas de panfletar na porta das faculdades e carregar a velha banquinha de camelô", conta um dos donos do empreendimento Euro César.

O sebo conta com um acervo de milhares de livros usados, dos mais diversos gêneros e conteúdos, uma vasta lojinha de lembrancinhas literárias e além de ser a maior distribuidora de Comics em Brasília. Além do seu grande espaço para livros, os frequentadores do sebo podem consumir um bom café ou até refeições no local, lerem à vontade ou apenas desfrutar do aconchego do espaço. Em 2010, o projeto Sebinho Cultural foi lançado com o objetivo de promover eventos literários, exposições, palestras, cursos e lançamentos de livros.

Não é novidade, que hoje em dia, comprar livros pela internet é muito mais econômico e prático, por isso, a chave para conseguir um bom retorno e atrair a comunidade é ter um diferencial no empreendimento, como lojinhas, cafeteria, artesanato e um atendimento especial. Outra livraria de rua, também com uma proposta de cafeteria, é a Porão, Livro & Café, localizada na 405 Norte, com um acervo composto por 95% de livros usados, selecionados com cuidado.

Qualquer colecionador ou amante de livros é bem-vindo para contribuir para o acervo da livraria por meio da venda de exemplares usados que estejam pegando poeira em casa. Os livros passam por uma avaliação dos donos, que escolhem os mais interessantes para compor o espaço. Segundo a proprietária, Luana Pessoa, depois de propor um preço para os livros escolhidos,
as formas de troca e pagamento podem variar. "O cliente concordando pode receber em dinheiro, em Pix, ou pode ficar de crédito na loja ou em consumo no café" , afirma ela.

 26/10/2023. Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Dia do livro: sebos preservam histórias e exemplares únicos. Na foto, Porão, Livro & Café.
O espaço intimista do Porão, Livro &Café acolhe seus leitores para uma experiência aconchegante (foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

De acordo com Luana Pessoa, ela e o sócio, Sebastião Rodrigues, utilizam de estratégias no empreendimento para que ele se destaque. "A livraria pode ser pequena, mas com uma curadoria cuidadosa, que agrade seu público, com um bom investimento no local, que seja mais aconchegante e com uma escolha em livreiros qualificados para atender", diz Luana.

Para ela, esses espaços também possibilitam a inserção de escritores e artistas locais na cena, e funcionam como pequenos polos culturais para a comunidade. "Como amantes da cidade e como livreiros, a gente se sente na responsabilidade também de dar oportunidade para as pessoas que ainda continuam construindo Brasília, na parte cultural", compartilha ela.

Segundo um dos donos do Sebinho Euro César, essa onda de fechamento de grandes empresas de livrarias e o surgimento de menores representam a resistência de um propósito de democratizar e diversificar a leitura para a sociedade, não apenas com preços mais em conta. "Acredito que esses espaços influenciam o acesso à leitura pela magia de deixar o livro encontrar você, essa é uma experiência incrível que você só vive em um sebo, que vai muito além de simplesmente consumir", conclui Euro.

Clubes de leitura

Além de explorar novos universos por mieo dos livros, conhecer pessoas também não é difícil, exemplo disso são os clubes de leitura. Esses grupos se reúnem regularmente para discutir livros, compartilhando opiniões e debatendo os temas tratados na obra. Assim, a Revista escolheu alguns grupos importantes da capital brasiliense.

• Leia Mulheres Brasília: encontros mensais e virtuais (@leiamulheresbrasilia)
• Leituras Decoloniais: leituras coletivizadas, com cronogramas e encontros semanais, via apoio na plataforma Catarse (@leiturasdecolonais).
• Clube de Leitura Distopia: encontros remotos e bimestrais de obras de ficção científica, terror e HQ escritos por mulheres (@clubedeleituradistopia).
• Traça: espaço que combina literatura e feminismos. Encontros mensais on-line (clarissagalvao.com.br).

 26/10/2023. Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Dia do livro: sebos preservam histórias e exemplares únicos. Na foto, Porão, Livro & Café.
O vasto acervo do Porão, Livro & Café conta com livros usados para os mais variados gostos. (foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

Mudanças no cenário literário

Mesmo com a crescente migração das livrarias físicas para o meio virtual, as lojas mais intimistas e os sebos sobrevivem. De acordo com o professor de literatura Luiz Eloá, as pequenas livrarias acabam preenchendo esse espaço deixado pelas megaempresas. "As grandes redes não se sustentaram exatamente pela estratificação e diversidade que o mercado literário impõe no contexto atual. É um público de múltiplos gostos e interesses que não se atrai pelo plano geral proposto por elas", explica Luiz.

O professor destaca que, em Brasília, há uma multiplicidade étnica e cultural imensa, gerando um público leitor diverso, que se seduz por esses espaços. Além disso, outros fatores também causam essa procura. "O uso de livros digitais e a falta de divulgação de bibliotecas e espaços culturais brasilienses prejudicam o acesso dos leitores, tornando as pequenas livrarias de rua e sebos literários mais propensos para os consumidores", completa.

Segundo Luiz, a quarentena causada pela pandemia também reacendeu em muitos o hábito da leitura e esse interesse pela ficção não acabou no período. "É verdade que voltamos a nos aglomerar como antes, mas é também verdade que aprendemos a valorizar os momentos de solidão produtiva com um livro ou filme", finaliza o especialista.

Sendo um dos pilares das livrarias brasilienses, os jovens da capital são os que mais leem. Segundo uma pesquisa do ObservaDF, em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), de 2023, o hábito de leitura é mais frequente entre os jovens de 16 a 24 anos. "Para pessoas na faixa entre 35 e 44 anos, ler é menos presente no cotidiano", completa a escritora e produtora cultural Lella Malta.

 

A junção dessa grande quantidade de jovens leitores e com o aumento de consumo de redes sociais por essa parcela, abriu portas para novas possibilidades de incentivo à prática da leitura na atualidade. Durante a pandemia, um boom de mídias sociais voltadas para o mundo literário assolou a internet, com milhares de contas criadas por leitores que queriam falar sobre livros.

Essas plataformas criaram uma comunidade ao redor do mundo, dando espaço para a divulgação de livros, gêneros e autores menos conhecidos, debates literários, trocas de opiniões e interesses entre leitores. Para a escritora Thai Andrade, de 22 anos, a internet influenciou muito no consumo da leitura pelos jovens, principalmente durante o tempo ocioso da pandemia. "Acredito que o fato de muitas pessoas durante a pandemia se sentirem presas dentro de casa, a leitura acabou se tornando um grande atrativo, o que em minha opinião foi algo extremamente positivo", conta ela.

Além disso, Lella Malta também concorda que a juventude passou a adquirir os livros de formas diferentes com advento das novas tecnologias, como audiolivros e e-books. Essa porcentagem de jovens é bastante expressiva e basta uma caminhada em algumas livrarias para encontrar os leitores procurando maneiras de apoiar a literatura de forma afetuosa.

Isabella Luciano, 20, é uma dessas leitoras ávidas que frequentam esses espaços. A estudante de jornalismo começou a ler com 8 anos por incentivo dos pais. "Hoje, a leitura representa uma parte única, sem os livros posso dizer que me sentiria vazia", completa Isabella. Mesmo que não seja sua única forma, as livrarias são lugares que a jovem procura para explorar livros e aumentar seu repertório.

As livrarias de rua, perfeitas para estimular a leitura, são frequentadas por Nathália Guimarães, 24, que teve o hábito aguçado por esses locais. Para a jovem, que começou sua história com os livros aos 5 anos, as livrarias são espaços mais acessíveis e mais específicos para praticar o hábito. "Acho o ambiente diferente, sinto que as livrarias tradicionais dividem espaço com itens de material escolar, papelaria, e, em certos períodos, parecem que até focam mais nisso", explica.

A estudante, que prefere comprar presencialmente em livrarias, quando não há muita disparidade de valores, aponta que nesses lugares é possível encontrar livros que não estão disponíveis on-line ou em grandes livrarias. "Alguns sebinhos costumam ter edições que foram tiradas de venda, como edições de caixas literárias de assinatura, algo que nem sempre achamos on-line, e, quando encontramos, costuma ser caro", explica.

Além de um lugar para ler e consumir produtos, as livrarias de rua possuem um grande papel de serem espaços de socialização entre os amantes de livros, clientes e proprietários. A dona do Porão Livro & Café, Luana Pessoa, acredita que essas trocas das pequenas livrarias são grandes estimulantes para leitores, por serem espaços onde uma conexão real é criada. "Você conhece o seu cliente por nome. Você sabe os gostos literários deles", afirma ela.

 14/12/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Objetos esquecidos no Sebos da cidade de livros doados. Sebo Porão na Asa Norte proprietária Luana Pessoa.
A livraria de Luana Pessoa conta com um acervo de livros, um café e uma lojinha com produtos de artistas brasilienses. (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Ter um lugar intimista e aconchegante para poder trocar experiências, ideias e conhecimentos com desconhecidos, e futuros amigos, é uma das mais valiosas qualidades desses espaços. De acordo com a escritora Thai Mendonça, 22, essas livrarias causam uma sensação de pertencimento e ativam a criatividade. "Me passam uma sensação de casa e me fazem querer ler e até mesmo escrever", finaliza a escritora.

Serviço:

O universo literário vem ganhando cada vez mais reconhecimento da sua importância e contribuição social, e isso não é diferente para as livrarias de rua que com o tempo estão preenchendo a cidade com suas singularidades e simpatia. Por isso, a Revista separou outros espaços para você adicionar na sua lista de livrarias imperdíveis para conhecer.

Livraria Pindorama — 505 Norte @livraria_pindoram
Livraria Sortir — Livraria, Work & Lounge Place — 403 Norte @sortir.bsb
Cope Espaço Cultural — 409 Norte @copespaçocultural
Cotidiano Livraria & Café — 201 Sul @cotidianolivraria

Evento:

Para aqueles que já estão imersos no mundo literário e também para os que querem se aprofundar nesse universo, o projeto Eu Escrevo — no Quadrado é perfeito. O evento será em 24 de fevereiro, das 9h às 19h, na livraria Sortir (@sortir.bsb), localizada na 403 Norte. O projeto é fruto de uma parceria com a escritora, curadora e produtora cultural brasiliense Lella Malta e procura movimentar o cenário editorial do DF, promovendo debates e oficinas com temas relacionados à literatura, além de sessões de autógrafos e venda de títulos de autores independentes. A programação do evento é gratuita e não requer inscrição, exceto a participação nas oficinas. Para mais informações acesse o perfil da Lella Malta (@lellamalta).

Por Tainá Hurtado 

  • Livros usados preenchem as estantes do Sebinho há 38 anos.
    Livros usados preenchem as estantes do Sebinho há 38 anos. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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