Cidade Nossa

Rosa de Brasília: as várias faces que formam a identidade da capital

O Distrito Federal é marcado pela sua singularidade e capacidade de impactar pessoas, em especial pelas belezas apresentadas de diversas formas. Para Laerte Rimoli, os rostos que fazem parte da cidade são a alma do quadradinho

Quando as dores do corpo aparecem, nova batalha -  (crédito: Maurenilson Freire)
Quando as dores do corpo aparecem, nova batalha - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 07/04/2024 09:00

Por Laerte Rimoli/Especial para o Correio —

Brasília é única. A ousadia do visionário que a concebeu provoca admiração e estranhamento. Sou dos que a admiram, 47 anos depois de baixar na Rodoviária do Plano Piloto, embalado por sonhos de juventude. Estranha a cidade quem passa rapidamente por aqui. Como toda metrópole, ela é complexa. Signos e símbolos diferentes do padrão nacional — ausência de praça central, esquina de bochicho, e Igreja Matriz. Faixas de trânsito em que o pedestre é respeitado. Espaços monumentais.

Mas esses ambientes estão hoje coalhados de gente, de carne e osso. A Joana da cabeça branca, pele tostada, que vaga com sacolas de roupa pela Asa Sul. O homeless de Luxemburgo, habitué do Pão de Açúcar da 309 Sul, irritado com motoristas que dirigem em alta velocidade. O Clóvis, do Quiosque de cachorro-quente, instalado na entrada da quadra do bloco dos senadores há anos. A segunda geração da família Veríssimo, que serve pizza na Dom Bosco desde os anos 1960. Tipos brasilienses.

Faces que moldam a identidade, a alma da capital. Como Rosa Teixeira, uma maranhense que há 35 anos singra o cerrado a bordo do precário sistema público de transportes. Acorda antes do sol, às 5h está de pé. Entra pelos fundos da casa grande, silenciosa, sai, no fim da tarde, com o piso brilhando e a geladeira abarrotada de comida para os patrões. Criou três filhas, todas têm casa própria, em Brasilinha, Planaltina de Goiás, a 58km do Plano Piloto. Não parou nem no auge da pandemia de covid. "Só Deus na causa", dizia.

E Ele a ouviu. Brigou em filas malfeitas para embarcar, reclamou dentro das gaiolas quentes que a transportam. Mantém intactos humor e dignidade. Encaminha, orgulhosa, os sete netos para o mercado de trabalho. Três deles já estão empregados e entrando na faculdade. A quebradora de coco de Presidente Sarney, no interior do Maranhão, é uma vitoriosa. O riso fácil, a solidariedade com os desvalidos e a alegria de viver são as marcas visíveis da vida bem vivida.

Quando as dores do corpo aparecem, nova batalha. Marca consultas com um mês de antecedência, pega ônibus de madrugada para cidades de Goiás que dispõem de hospitais regionais (Goianésia e Jaraguá, por exemplo), em percursos que levam cinco horas, no mínimo. Jamais faltou ao trabalho. Segue em frente. Rosa Parks, nos Estados Unidos, inventou o respeito à mulher preta. Rosinha Passos, a baiana-brasiliense, inventou um jeito especial de fazer música, que encanta. Rosa Maria Teixeira inventou o afeto. Dele somos beneficiários. Viver em Brasília é navegar por um espaço onde a grandiosidade e a beleza não estão apenas nos edifícios e amplos espaços, mas na convivência diária com seu povo.

Paulo Pestana, a querida Rosa é feita da mesma massa que você: afeto puro. Uma honra ocupar este cantinho de Brasília que foi e continuará sendo teu.

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