Comportamento

Medo do que não existe: a hipocondria e os males para saúde mental

Para quem é diagnosticado com hipocondria, uma simples gripe é suficiente para acreditar que está prestes a morrer. Um sinal, por menor que seja, é capaz de impactar a vida daqueles que passam os dias com receio de que uma doença grave vai aparecer

O diagnóstico de hipocondria, segundo Cláudia, é realizado pelos profissionais de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras -  (crédito: Freepik)
O diagnóstico de hipocondria, segundo Cláudia, é realizado pelos profissionais de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras - (crédito: Freepik)

Mais do que uma mera preocupação, a crença real de que o mal está por toda parte. Sobretudo, no que diz respeito à própria saúde. Cada mínimo evento pode ser encarado por uma perspectiva catastrófica, como se o mundo pudesse acabar somente ao acreditar que uma simples gripe pode ser algo bem maior do que parece. Assim é a hipocondria, um medo irracional que está presente na vida de muitas pessoas. 

Também conhecida como transtorno de ansiedade de doença, é caracterizada por uma preocupação excessiva e persistente com a saúde e a presença de doenças. A psicóloga Cláudia Melo explica que indivíduos hipocondríacos tendem a interpretar de forma trágica sintomas físicos comuns e a crer que estão gravemente doentes, mesmo na ausência de evidências médicas.

"Os sintomas típicos da hipocondria incluem preocupação constante com a saúde, busca frequente por informações médicas, realização excessiva de exames e consultas médicas, interpretação distorcida de sintomas físicos e a crença convicta de estar gravemente doente, mesmo após avaliação médica", detalha a especialista.

O diagnóstico de hipocondria, segundo Cláudia, é realizado pelos profissionais de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras, por meio da avaliação dos sintomas, da história clínica do paciente e da exclusão de outras condições médicas que possam estar relacionadas aos sintomas apresentados. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) é utilizado como referência para o diagnóstico.

Vida e medo

"Desde que me entendo por gente, sempre fiquei muito preocupado em ter alguma doença", conta Fabrício Silva (nome fictício), 25 anos. Qualquer sintoma diferente era motivo suficiente para que tivesse uma enorme ansiedade, que durava semanas até passar. Mesmo com o medo fora de controle, ele nunca acreditou que o caso pudesse ter alguma correlação com a hipocondria. Pelo menos, de acordo com ele, até anos atrás. 

A hipocondria é caracterizada por uma preocupação excessiva e persistente com a saúde e a presença de doenças
A hipocondria é caracterizada por uma preocupação excessiva e persistente com a saúde e a presença de doenças (foto: Melanie Wasser/ Unsplash)

Quando olha para dentro de si, o jovem não consegue dizer ao certo como chegou a ser hipocondríaco. Mas, ao fazer uma linha cronológica da própria vida até aqui, visualiza razões que, de certa forma, corroboram com isso. "Existem alguns fatores que podem fazer com que ela piore, como ouvir histórias de pessoas que descobriram alguma doença. Eu tenho uma amiga, por exemplo, que me contou como o marido dela descobriu que tinha ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), e aquilo me deixou ansioso e com medo de ter a doença por vários meses", relembra.

Já aconteceu, também, de Fabrício assistir a vídeos em redes sociais sobre doenças específicas e, de repente, começar a sentir os sintomas, gastar rios de dinheiros com exames e remédios, para, no final, não ser nada. "A pandemia da covid-19 também foi uma época bem difícil para mim, fiquei louco", relata o jovem. O medo de ter qualquer problema de saúde sempre esteve presente. 

"Quando eu era pequeno, meu pai me contou a história de um primo dele que misturou dois remédios (um era dipirona, o outro eu não me recordo qual era, mas eu acho que era algum relaxante muscular) e ele teve uma paralisia e teve que ficar internado. Desde que ouvi essa história, até hoje, sou muito difícil de aceitar tomar remédios diferentes. Existem apenas dois que eu tomo frequentemente, sem medo, a qualquer sinalzinho diferente: Nimesulida e antialérgicos", completa.

Hoje, Fabrício ressalta que sabe lidar melhor com os próprios gatilhos. Teve de aprender bem, já que sempre quando aparecem, são semanas e meses de muito sofrimento. Viagens não aproveitadas, momentos deixados de lado. Estar constantemente procurando um motivo para se autossabotar e acreditar que existe nele um sintoma que o fará morrer logo em breve. "Já sofri bem mais por conta disso, hoje eu sei controlar mais e tento racionalizar o que eu estou sentido. Ainda é bem difícil algumas vezes, mas estou melhor", finaliza. 

De acordo com a psicóloga clínica e neuropsicóloga Juliana Gebrim, a duração de casos diagnosticados como hipocondria podem variar de pessoa para pessoa. "Em geral, a doença persiste por um período mínimo de seis meses. No entanto, em determinados indivíduos, ela pode se tornar crônica, perdurando por anos se não for tratada adequadamente", complementa

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Os impactos mentais que o hipocondrismo pode trazer são inúmeros. Eles incluem ansiedade persistente; isolamento social; prejuízo na qualidade de vida; ciclo de preocupação constante; consultas médicas excessivas; autoimagem negativa e impacto na saúde física. As formas de tratamento mais eficazes envolvem abordagens terapêuticas, como terapia cognitivo-comportamental (TCC) e psicoterapia, conforme destaca Juliana. 

"O diagnóstico é necessário, e feito por meio de uma avaliação clínica detalhada. A pessoa deve apresentar preocupações excessivas com a saúde por pelo menos seis meses e ter dificuldade em aceitar avaliações médicas que descartem a presença dessas doenças", acrescenta a neuropsicóloga. 

Recomendações

O uso de medicação psicotrópica pode ser considerado em casos mais graves, de acordo com Cláudia Melo. Com isso, o acompanhamento médico e psicológico especializado é fundamental para o manejo eficaz da hipocondria e a promoção da saúde mental do indivíduo.

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postado em 10/06/2024 16:44 / atualizado em 10/06/2024 16:44