Especial

O trem do Pampa leva turistas por trilhos de vinho, cultura e tradição

Comboio de dois vagões com nomes de uvas impulsiona turismo na Campanha Gaúcha, fronteira com o Uruguai, que já é a segunda maior região produtora de vinhos do Brasil

T2025. Revista.Trem do Pampa na Almadén

     -  (crédito: Flow Films/Divulgacao)
T2025. Revista.Trem do Pampa na Almadén - (crédito: Flow Films/Divulgacao)

Nasceu no Rio Grande do Sul o vinho brasileiro produzido pelas mãos de italianos, segundo técnicas ainda empíricas aprendidas no Velho Mundo, de onde vieram os primeiros colonizadores, em 1875. Desde oplantio das uvas nas escarpas da Serra Gaúcha até a vinificação era feita pela família, geralmente no porão das casas dos lotes coloniais que chamavam de cantina.

Somente 100 anos mais tarde, a vitivinicultura chega à Campanha, que compreende uma larga zona de fronteira com o Uruguai, e é hoje a segunda maior região produtora de vinhos finos do país. Tudo começou na década de 1970, quando um grupo de empresários americanos que produzia vinhos na Califórnia decidiu replicar a marca Almadén no paralelo 31, onde estudos feitos pela Universidade de Davis (EUA) delimitaram o local para a implantação da vinícola no Brasil, fundada em 1973.

Menos de 10 anos depois, os gringos colhiam a primeira safra, lançada no mercado em 1984 pela marca, que em dois anos, assume a liderança. Em 1993, vieram os primeiros varietais finos da grife Almadén. A enorme distância entre a Campanha e a Califórnia foi um dos motivos que levaram os americanos a desistir da vinícola pioneira no extremo sul do Brasil. Já neste século, a multinacional Pernod Ricard adquire a Almadén, em 2002. Durou pouco.

O segundo grupo estrangeiro também não quis mais tocar o empreendimento montado numa propriedade de 1.200 hectares, tamanho de uma cidade pequena — Itumbiara, em Goiás, tem 1.500 hectares —, e colocou à venda o negócio, que foi comprado pelo Grupo Miolo, em 2009.

Dentro do trem há degustação de vinho e música típica ao vivo
Dentro do trem há degustação de vinho e música típica ao vivo (foto: Liana Sabo/CB D.A.Press)

Investimento no turismo

De lá para cá, grandes investimentos foram feitos na renovação e no manejo dos vinhedos, a ponto de a região se tornar o segundo polo mais importante na produção de vinhos. Mas ainda faltava uma atração turística, na avaliação de Adriano Miolo, que comanda a Almadén desde a compra. Foi quando ele convenceu a empresa Giordani Turismo (a mesma que opera Maria Fumaça — o Trem do Vinho, num trajeto de 23 quilômetros entre vales e montanhas da Serra Gaúcha) a instalar um comboio que sai de Santana do Livramento e chega à Estação de Palomas, já em frente à Almadén.

Leva-se uma hora e 10 minutos para percorrer o trajeto numa viagem confortável e divertida a bordo de dois vagões com nomes de uvas viníferas: Cabernet e Tannat, equipados com poltronas giratórias, que permitem vislumbrar toda a paisagem do Pampa. Trata-se de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), produzido no Rio Grande do Sul pela Marcopolo Rail. O lançamento ocorreu há quase um ano, em julho de 2024, mas, naquela altura, ainda não havia sido liberado o aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, danificado pela enchente, por isso a novidade foi curtida só por gaúchos.

Os ingressos para o Trem do Pampa estão à venda por R$ 135, incluindo viagem de ida e volta, degustação de vinhos e suco de uva a bordo com apresentação de música ao vivo por artistas locais e visita à Vinícola Almadén, num total de três horas, sempre aos sábados. A aquisição pode ser feita na Estação de Santana do Livramento ou no site www.tremdopampars.com.br

Paleotoca

Outra atração do lugar é uma caverna escondida na mata, tida como paleotoca, nome dado a abrigos utilizados por animais pré-históricos. O passeio até o espaço, que a comunidade local chama de toca do tigre, tornou-se rota turística, passando por riachos e mirantes, depois que o geólogo Guilherme Pinz, contratado pelo Grupo Miolo, constatou a origem do buraco no meio de rochas situado a sete quilômetros da sede da vinícola.

Pinz identificou resquícios de marcas de garras de preguiça-gigante e de tatu-gigante, animais que viveram 200 mil anos atrás entre a região do Pampa e da Patagônia. "A preguiça usava essa toca na altura de 25 metros para repouso, para dormir. Achamos que era uma fêmea com filhotes. Por uma evolução climática da Terra, pelo aquecimento, a preguiça-gigante se extinguiu. Passado um grande tempo, o tatu identificou o espaço e resolveu ocupá-lo na parte mais para dentro, porque o animal tinha vários predadores", explica o especialista.

Paleotoca ou toca do tigre na coxilha da Almadén
Paleotoca ou toca do tigre na coxilha da Almadén (foto: Divulgação/Conceito.com)

Não longe dali estão os vinhedos, que são os mais antigos do Brasil. Dos 1.200 hectares da propriedade, 450 têm vinhedos próprios em espaldeira. São 138 parcelas, das quais 111 estão em produção. Destas, a empresa preserva a história de 150 hectares com vinhas de quase 45 anos, daí chamadas vinhas velhas, como a de Tannat, ícone de um dos Sete Lendários da Miolo.

Além do Tannat há mais 12 vinhos, dos quais seis tintos, cinco brancos e um rosé. Todos podem ser encontrados na lojinha, que constitui o primeiro free shop de vinhos brasileiros. Lá, você poderá comprar qualquer rótulo do portfólio do grupo com preços mais baixos em razão de estarem livres de impostos. A redução chega a aproximadamente 30%. Você também pode agendar delicioso almoço, além de uma visita ao Museu Semente, passando pelo deck panorâmico no vinhedo e pela passarela na cantina sobre tanques até chegar à degustação, cujo investimento consumiu R$ 3 milhões. Reservas: (55) 99687-2978 ou visitaalmaden@miolo.com.br

Toque português

Distante apenas 15 minutos da Almadén, no Km 148 da BR 293, município de Candiota, fica a Quinta do Seival, outra vinícola da grife Miolo que tem vinhedos próprios e olivais vizinhos à propriedade de Galvão Bueno, cujos vinhos são elaborados pelo mesmo grupo. A BR 293 atravessa o Rio Grande do Sul no sentido leste-oeste, passando por importantes cidades como Pelotas, Santana do Livramento e Bagé, onde o antigo hotel City mudou de dono, foi reformado e ganhou o sugestivo nome de Bah Hotel.

A vinícola não tem foco no enoturismo, mas oferece visitação agendada para percorrer instalações e degustar seus excelentes vinhos. Entre os ícones está o Quinta do Seival Castas Portuguesas, que é o primeiro vinho brasileiro produzido com as uvas Touriga Nacional e Tinta Roriz no país, elaborado, não por acaso, por um enólogo português. Miguel Almeida, de 45 anos, que se formou em agronomia em Lisboa, em 2004, veio trabalhar no Vale dos Vinhedos. Três anos depois, todas as vindimas foram elaboradas na propriedade do Seival. "Daqui são originados vinhos com alma, plenos de tipicidade", proclama ele.

O português Miguel Almeida é enólogo da Vinícola do Seival
O português Miguel Almeida é enólogo da Vinícola do Seival (foto: Liana Sabo/CB.D.A.Press)

Por ocasião dos 200 anos de amizade entre Brasil e Portugal, Miguel veio a Brasília, em fevereiro último, a convite do embaixador Luis Faro Ramos, para plantar 30 mudas de duas importantes castas portuguesas, a branca Alvarinho e a tinta Touriga Nacional, dentro de um gigantesco garrafão de ferro, obra da artista plástica lusa Joana Vasconcelos, montado nos jardins da Embaixada de Portugal.

Guatambu

Distante apenas 12 quilômetros do centro de Dom Pedrito está a Guatambu, que representa um verdadeiro modelo de integração da Campanha com o vinhedo, cuja imagem foi descrita como "o vinho de bombacha e o gaúcho vinhateiro". O foco principal do agronegócio, onde atua desde 1958, era ovelha, o arroz e outros cereais. Depois de mais de 10 anos de cultivo de uvas viníferas importadas da França e da Itália, a vinícola foi inaugurada em 2013, como Guatambu Estância do Vinho. O nome guatambu em tupi-guarani significa madeira, e foi dado a uma árvore do Rio Grande do Sul, firme e resistente.

Diferentemente das famílias da Serra Gaúcha, o proprietário não é de origem italiana e, sim, alemã. Walter e Nara Pötter começaram a vida como pecuaristas. Coube a Gabriela Pötter, uma das quatro filhas, então formada em agronomia, convencer o pai a plantar uvas viníferas e, assim, acabou provando que aquele negócio valia a pena. Hoje são inúmeras variedades como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Gewürstraminer, Tempranillo, Merlot, Tannat, Cabernet Sauvignon e Pinot Noir.

Os vinhos têm sido muito premiados. "Levando o selo de Indicação de Procedência Campanha Gaúcha, que atesta a origem e a identidade dos vinhos elaborados na região, os rótulos Guatambu carregam a essência da nossa terra e expressam a elegância do Pampa Gaúcho", resume Gabriela. Recentemente, o Guatambu Pötter Tannat 2024, vinificado em ânforas de concreto, foi eleito melhor tinto do Brasil no Guia Descorchados 2025, com 93 pontos.

A vinícola ocupa magnífico prédio horizontal no padrão espanhol, com salas voltadas para pátios e jardins internos e uma vista da imensidão do Pampa
A vinícola Guatambu ocupa magnífico prédio horizontal no padrão espanhol, com salas voltadas para pátios e jardins internos e uma vista da imensidão do Pampa (foto: Divulgação/Guatambu)

A vinícola ocupa magnífico prédio horizontal no padrão espanhol, com salas voltadas para pátios e jardins internos e uma vista da imensidão do Pampa, assinado pelo arquiteto gaúcho Celestino Rossi. O fluxo de turistas é constante. Desde a inauguração, 40 mil pessoas já visitaram a vinícola familiar, onde é possível degustar os vinhos, provar uma parrilla e um espinhaço de ovelha e até cavalgar pelos campos e vinhedos para absorver todo o encanto da cultura local. Contato: (53) 3243-3295 e guatambuvinhos.com.br

Vinhedos e pôr do sol

Engenheira química, advogada e enóloga, Rosana Wagner trocou Estrela, na região oriental do estado gaúcho, pela Campanha há quase 40 anos quando foi contratada para trabalhar na Almadén. "Eu nunca tinha ido a Santana do Livramento", lembra ela, que conheceu o futuro marido, Gladistão Omizzolo, na empresa de bebidas, ainda nas mãos da Pernod Ricard.

No ano 2000, o casal fundou a vinícola Cordilheira de Santana, próxima a Livramento, com vista para o Cerro Palomas, rocha basáltica que se eleva em destaque na planície. Nada é mais bonito por lá do que ver o sol se pondo atrás do monte com os vinhedos à frente. As visitas são feitas todos os dias, mas o almoço precisa ser agendado com Márcia pelo WhatsApp: (55) 99642-2183.

A vinícola Cordilheira de Santana, próxima a Livramento, tem vista para o Cerro Palomas
A vinícola Cordilheira de Santana, próxima a Livramento, tem vista para o Cerro Palomas (foto: Fotos: Divulgação/Conceito.com)

Desde o ano passado Rosana preside a Associação Vinhos da Campanha Gaúcha, que reúne 19 vinícolas, entre elas, Estância Paraizo, uma vinícola boutique montada numa propriedade de pecuária e ovinocultura, fundada em 1790, até hoje nas mãos da mesma família de origem açoriana, os Mercio.

Berço do Syrah

Foram eles que trouxeram as primeiras mudas da casta Syrah ao Brasil, sendo o vinhedo reconhecido pelo Ministério da Agricultura como o primeiro do país. Vale muito ouvir Victoria Zara Mercio contar a história da família, que vem ocupando a estancia há 235 anos. Um imponente casarão domina a paisagem bucólica, que guarda as pastagens nativas típicas do bioma Pampa. A vinícola produz cerca de meia dúzia de rótulos com nomes que homenageiam familiares e a região, como o espumante brut Gaïda, apelido de Margarida, que foi proprietária, o tinto Estância Paraizo Cova de Toro e o Cabernet Sauvignon Don Thomaz Y Victoria.

A visita começa em uma antiga construção de pedra, onde se pode degustar vinho na própria cave histórica e mel produzidos lá. Depois de percorrer a propriedade, o turista se depara com uma igreja que guarda origem interessante. Um dos proprietários, de nome Thomaz, pediu aos descendentes que o enterrassem na cova de touros, no meio da coxilha. Entretanto, seus filhos não gostaram muito da ideia achando que o pai merecia mais. Depois de terem residido em Paris, mandaram fazer uma capela, inspirada na igreja de La Madeleine, e a sepultura do pai ficou no centro. As visitas devem ser agendadas com a indicação se querem almoço campeiro ou piquenique ao ar livre. Telefone (53) 99925-1213.

Fundada em 1931, a quase centenária Cooperativa Nova Aliança, nascida na Serra Gaúcha, com sede em Flores da Cunha, também tem vinhedos na Campanha de propriedade do quadro de associados, que integra cerca de 700 famílias. O visitante poderá degustar vinhos, espumantes e sucos orgânicos e integrais.

A jornalista viajou a convite da Assessoria Conceito.com Brasil

  • MapBiomas não detecta os campos que compõem a topografia do Pampa
    MapBiomas não detecta os campos que compõem a topografia do Pampa Foto: Emerson Ribeiro/Divulgacao
  •  2025. Revista. Trem do Pampa na Almadén.
    2025. Revista. Trem do Pampa na Almadén. Foto: Emerson Ribeiro/Divulgacao
  • Paleotoca ou toca do tigre na coxilha da Almadén
    Paleotoca ou toca do tigre na coxilha da Almadén Foto: Divulgação/Conceito.com
  • Paleotoca ou toca do tigre na coxilha da Almadén
    Paleotoca ou toca do tigre na coxilha da Almadén Foto: Divulgação/Conceito.com
  • É possível agendar um almoço com degustação de vinho na vinícola Almadèn
    É possível agendar um almoço com degustação de vinho na vinícola Almadèn Foto: Divulgação/Conceito.com
  • Dentro do trem há degustação 
de vinho e música típica ao vivo
    Dentro do trem há degustação de vinho e música típica ao vivo Foto: Fotos: Liana Sabo/CB D.A.Press
  • Dentro do trem há degustação de vinho e música típica ao vivo
    Dentro do trem há degustação de vinho e música típica ao vivo Foto: Liana Sabo/CB D.A.Press
  • Adriano Miolo, superintendente do 
Grupo Miolo: investimento no enoturismo
    Adriano Miolo, superintendente do Grupo Miolo: investimento no enoturismo Foto: Liana Sabo/CB.D.A.Press
  • A vinícola Cordilheira de Santana, próxima a Livramento, tem vista para o Cerro Palomas
    A vinícola Cordilheira de Santana, próxima a Livramento, tem vista para o Cerro Palomas Foto: Fotos: Divulgação/Conceito.com
  • O português Miguel Almeida é enólogo da Vinícola do Seival
    O português Miguel Almeida é enólogo da Vinícola do Seival Foto: Liana Sabo/CB.D.A.Press
  • A vinícola Guatambu ocupa magnífico prédio horizontal no padrão espanhol, com salas voltadas para pátios e jardins internos e uma vista da imensidão do Pampa
    A vinícola Guatambu ocupa magnífico prédio horizontal no padrão espanhol, com salas voltadas para pátios e jardins internos e uma vista da imensidão do Pampa Foto: Divulgação/Guatambu
postado em 22/06/2025 06:00 / atualizado em 22/06/2025 06:00
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