
As férias se aproximam e um destino sempre concorrido é a serra gaúcha que, neste ano, comemora os 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Passando por Bento Gonçalves, considerada a capital brasileira do vinho, o enoturismo se destaca. Foi lá que nasceu a primeira iniciativa dessa atividade no país, hoje disseminada por várias regiões.
A Cooperativa Vinícola Aurora, pioneira, desbravou esse nicho em 1967. No Distrito Federal, seus vinhos, sucos, espumantes e coolers são bastante conhecidos. A capital do país é o quarto destino de seus produtos, ficando atrás de São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
E para quem quer conhecer o caminho trilhado do agricultor ao consumidor, a Aurora oferece uma programação inesquecível aos visitantes, com uma diversidade de experiências distribuídas nas unidades matriz e Vale dos Vinhedos, ambas em Bento Gonçalves, e no município vizinho de Pinto Bandeira.
O maior sucesso entre essas vivências é a Aurora Città, na sede da cooperativa, um tour guiado gratuito que inclui apresentação sobre a história da vinícola, explicação sobre os processos de produção e degustação de bebidas.
Apaixonada pelo ofício, sempre que possível, Ana Maria De Paris Possamai, gerente de turismo da cooperativa, também acompanha os que chegam para iniciar o contato com o vinho e/ou a arte da produção das bebidas derivadas da uva.
Uma das dúvidas de muitos é como diferenciar um bom vinho de um nem tanto, algo que, na verdade, depende de cada um. "O vinho que é bom para mim pode ser horrível para o outro. É muito uma questão de paladar", assinala Ana Maria. Para ela, o que se faz é buscar os hábitos de quem quer experimentar o vinho, mesmo que nunca tenha tomado.
"Se a pessoa já consome algum tipo de bebida que é mais amarguinha, eu posso indicar um Pinot Noir, que é um vinho de entrada, mais leve, sem tanto tanino. Ou um vinho branco, é mais fácil começar por ele. Porém, não posso sair mostrando um Gran Reserva Tannat, porque ela vai odiar, nunca mais vai tentar beber vinho na vida. Ele é muito bom, mas a gente precisa entender em que categoria de consumo essa pessoa está" detalha.
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História
Parte das instalações fica no subterrâneo e impressionam pela dimensão. "A Aurora foi fundada há 94 anos e esses prédios foram construídos nas décadas de 1930, 1940. À época, a única maneira de manter os vinhos na mesma temperatura era fazendo a cantina — como os imigrantes chamavam — debaixo da terra", conta Ana Maria.
Até hoje, a vinícola permanece nesse espaço. As pipas gigantes, em garapeira ou pinheiro, com capacidade para 100 mil litros, usadas para a estocagem de vinhos de mesa, impactam o cenário. Não têm um prego sequer, são montadas unicamente com o encaixe das tábuas, presas por cintas de ferro.
Aos poucos, elas estão sendo substituídas por tanques de aço inoxidável. As barricas pequenas, de carvalho, continuarão a ser utilizadas para o envelhecimento de algumas linhas de vinhos, como a Reserva, o Millésime e o Gioia.
Mas o destino das peças monumentais é interessante. As vinícolas da região as vendem para hotéis e pousadas, que as transformam em charmosas acomodações. Uma delas deve permanecer no acervo: a histórica pipa que virou a obra de arte A paisagem serrana no olhar da imigração, pelas mãos do artista Angel Lucena, em homenagem aos 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, que encanta os visitantes.
Um dos pontos prediletos, principalmente para registrar o passeio em fotos, é a Fontana di Bacco. A obra, criada pelo uruguaio radicado no Rio Grande do Sul Gustavo Nakle, foi inaugurada em 1985, em alusão ao deus romano e dela jorra "vinho" — uma mistura que imita a bebida. O corredor com bandeiras no alto, representando os países com os quais a vinícola tem ou teve negócios, chama atenção pela imponência. Nos corredores, pequenos nichos com imagens sacras relembram a religiosidade dos imigrantes.
O passeio termina com a degustação de produtos e está disponível diariamente, via agendamento (veja quadro). Somente na matriz, foram 260 mil visitantes em 2023 e 60 mil nos primeiros quatro meses de 2025. O ano de 2024 apresentou queda de 30% no movimento, devido à situação climática no estado.
Reconstrução
Em 2024, o Brasil se mobilizou para ajudar o Rio Grande do Sul, devastado pelas chuvas. Na região de Bento Gonçalves, os deslizamentos de terra deixaram um rastro de destruição, medo e tristeza.
A colheita havia sido concluída pouco tempo antes, mas nem por isso os danos emocionais e materiais pesaram menos. No caso da Aurora, 3% dos vinhedos foram perdidos, em um universo de 1,1 mil cooperados — mais de 600 famílias — que cultivam a uva em pequenas propriedades espalhadas em 11 municípios da serra gaúcha.
O presidente da cooperativa, Renê Tonello, 63 anos, emociona-se quando lembra daquele período. "Fiquei um mês fora de casa. Imagina a Defesa Civil, na tua propriedade, dizendo para sair e levar só os documentos. Tivemos que abandonar tudo, sair pelo mato, não tinha mais estradas. Foi terrível. Um de nossos cooperados perdeu a filha", recorda.
Mas, com força e coragem, os agricultores seguiram firmes na tarefa da reconstrução. "Passado o sufoco, recomeçamos, e, hoje, estamos aqui", conclui Tonello, cujos ancestrais chegaram à região na primeira leva de imigrantes italianos, em 1875.
Este ano, a safra da Aurora foi de 71,6 milhões de quilos de uva, a segunda maior em duas décadas, sendo que 75% dessa produção é destinada à fabricação de sucos. E a cooperativa conseguiu realizar, de 13 a 15 de maio, a sétima edição da Vitis Aurora, que busca principalmente fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar..
A iniciativa reuniu, em Pinto Bandeira, mais de 100 expositores e sete startups, que mostraram as novidades do setor. As tendências climáticas para a fruticultura e a viticultura estiveram entre os destaques dos painéis da feira, que busca, principalmente, fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar.
Resiliência
Um exemplo de resiliência é Ivone Ribolde Bellé. Quem olha para seu sorriso aberto e sente sua alegria de viver não imagina o que ela passou. A produtora, de 63 anos, viúva, teve suas parreiras levadas pela força da água. De 1 hectare, ela perdeu 0,7. Ivone conta que ficou "desesperada por uns 15 dias", parte deles ilhada na casa do sogro. Depois, ela levantou a cabeça e firmou o propósito de colher a última safra, nas laterais que restaram das videiras, pois o meio foi todo embora.
Feito isso, colocou abaixo esse pouco que sobrou, para reconstruir do zero. E assim está fazendo, com o apoio dos agrônomos da cooperativa e da Emater-RS e recursos do Pronaf — programa do governo federal. “Ficou quase impossível trabalhar esses dois pedacinhos que sobraram, o melhor era mesmo limpar tudo”, explica.
A terra foi preparada e irá receber o novo plantio. A primeira colheita deve ocorrer em dois ou três anos. Ivone, que produzia 70 mil quilos de uva, espera ampliar para 100 mil quilos. Neta e filha de viticultores, ela não teme desafios. “A vida já me deu bastante rasteiras, mas estou aqui. E vou contar um segredo. Estou pensando em fazer outro parreiral, na propriedade do meu pai”, planeja a produtora, que pretende trabalhar até ficar bem velhinha. “Eu tenho muita coragem. Sou muito guerreira. Não vou desistir, não. Se Deus me der muitos anos, vou fazer muitos parreirais”, garante Ivone.
Tours
A Aurora Città é acessível para pessoas com deficiência e pode ser guiada em inglês, espanhol, italiano e Libras. Há mais duas opções de tour na matriz, ambas pagas. Uma delas inclui minicurso de degustação com sommelier. A outra é especial para grupos e é feita em um salão onde podem ser adaptadas as atividades oferecidas nas outras unidades enoturísticas.
No Vale dos Vinhedos, por exemplo, é proporcionada uma degustação harmonizada com chocolate. Em Pinto Bandeira, são realizadas caminhadas em meio aos vinhedos e piqueniques em seus jardins. Nesta época, as parreiras estão secas, mas as paisagens valem a pena. As videiras brotam a partir da primavera e a vindima, geralmente, ocorre de janeiro a março. Os roteiros e os preços estão disponíveis no site vinícolaaurora.com.br.
Popular na capital
No ano passado, o DF foi responsável por R$ 48 milhões das vendas da cooperativa. Os produtos mais consumidos na capital são suco de uva tinto integral; Aurora Zero Álcool branco; espumantes Branco Moscatel; Rosé Moscatel e Branco Brut.
Refúgio
O circuito de enoturismo conta com iniciativas tocadas pelos próprios produtores. É o caso do Recanto Flores e Sabores, um refúgio maravilhoso, daqueles lugares dos quais a gente não sente vontade de ir embora. A produtora Alexandra Garbin, cooperada da Aurora, comanda o projeto, ao lado dos pais, Ana Maria, 69, e Alberto, 72. No local, são produzidas 64 toneladas de uvas, destinadas quase totalmente à produção de sucos. Em 2006, a propriedade abriu as portas para que o público também pudesse desfrutar de sua infraestrutura e belezas naturais.
Há espaços para sessões de fotos, realização de eventos temáticos, como vindima com pisa das uvas. Experiências como de culinária artesanal, como oficina de cappelletti, almoços especiais e café colonial. Exceto carnes e alguns embutidos, os alimentos são cultivados por eles próprios. Entre outras ações, são promovidas qualificações para as mulheres do campo, para que transformem seus talentos em renda. "As mulheres acabavam ficando na sombra dos homens. Então, resolvemos trazê-las para junto da cooperativa", diz Alexandra.
O agendamento é para pequenos grupos. Há, ainda, datas com agenda aberta, perfeitas para quem prefere desfrutar desse paraíso sem a necessidade de formar um grupo. Conheça mais sobre o espaço no site recantofloresesabores.com.br.
A repórter viajou a convite da Cooperativa Vinícola Aurora.