Jornada de fé: jovens peregrinos mostram renovação geracional entre católicos

Correio acompanhou os desafios e os prazeres de um grupo de peregrinos do DF no Jubileu da Esperança 2025 em Roma. Juventude católica mostra a renovação da religião

Grupo brasiliense antes de peregrinação para Roma: expectativa -  (crédito: Fotos: Ronayre Nunes/CB/D.A. Press)
Grupo brasiliense antes de peregrinação para Roma: expectativa - (crédito: Fotos: Ronayre Nunes/CB/D.A. Press)

Roma* — O ambiente no portão 29 do Aeroporto Internacional de Brasília Presidente Juscelino Kubitschek era de silêncio. A temperatura estava mais fria, com o ar-condicionado preparado para o calor de Brasília em agosto. Eles foram chegando aos poucos, usando camisas vermelhas com a bandeira do Brasil na manga direita e a do Distrito Federal na esquerda. Nas costas, uma frase de Carlo Acutis - primeiro millenial a ser canonizado pela igreja, neste domingo (7/9). Vieram trazendo mais barulho, animação ao local. Pouco antes do embarque, o grupo já somava mais de 20 pessoas. Era o início de uma peregrinação — que já lhes fora custosa antes mesmo de começar — ao berço da Igreja Católica como instituição: Roma, Itália.

Os fiéis que embarcaram para a peregrinação na Europa são das paróquias Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Carmo, em Taguatinga Sul. O grupo começou a se preparar para o Jubileu da Esperança 2025 há meses, mas teve a viagem ameaçada por um golpe de uma agência de turismo religioso.

Com a divulgação do caso na imprensa, os fiéis organizaram uma arrecadação coletiva e começaram a receber apoio da população. O sonho de peregrinar no evento, que ocorre a cada 25 anos, tinha sido abalado, mas não morto. Ao ouvir o comentário sobre o golpe, um dos membros foi enfático: "Isso não vale mais a pena ser discutido. Está nas mãos da justiça divina". A comunidade católica Obra de Maria foi uma das que auxiliaram na realização da peregrinação.

O embarque naquele portão 29 significava um sonho alcançado e o Correio estava lá para acompanhar os detalhes da viagem.

Jubileu da esperança: força e fé para os católicos

Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Jubileu pode ser definido como um "período especial de perdão, reconciliação com Deus e renovação espiritual". O evento católico ocorre a cada 25 anos e o de 2025 foi convocado ainda pelo papa Francisco — agora recebido pelo sucessor, Leão XIV. A história do Jubileu remonta a 1300, quando foi celebrado pela primeira vez pelo papa Bonifácio VIII, para recordar a encarnação de Jesus Cristo. A sistematização em intervalos de 25 anos foi estabelecida pelo papa Paulo II, em 1470.

A celebração conta com vários elementos, e um dos mais simbólicos é a convocação para peregrinar a Roma e atravessar as Portas Santas — abertas no ano jubilar pelo papa em quatro basílicas: São Pedro, São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. A travessia, segundo a fé católica, é um ato de conversão e reconciliação.

A visita às basílicas, contudo, não era tarefa fácil. De acordo com informações do Vaticano, o Jubileu da Esperança 2025 reuniu mais de 1 milhão de fiéis em Roma na semana de atividades principais — entre o fim de julho e o início de agosto. O calor de quase 40ºC no verão romano acentuou os desafios da peregrinação.

A Porta Santa da Basílica de São Pedro — ao centro da praça homônima — era uma das mais disputadas. Filas quilométricas, que ultrapassavam os muros do Vaticano, em uma largura de cerca de 3 metros de gente, levavam os peregrinos à exaustão. Mas se engana quem acha que a jornada afetou a gratidão dos católicos que presenciaram o evento.

"É uma graça de Deus estar aqui hoje, passar pela Porta Santa e receber as bênçãos do ano jubilar. É um ano de esperança, não só para a Igreja, mas para todos os povos, no qual Deus, por meio da Igreja e do papa, nos oferece a possibilidade do perdão e do retorno ao Senhor", resumiu ao Correio o padre Pedro, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, de onde parte dos fiéis brasilienses é oriunda.

Surpreendiam, no meio do calor e dos apertos, os cantos católicos que surgiam entre a multidão. As letras mudavam de país para país, mas o ritmo semelhante levou adolescentes de diferentes partes do mundo a espantar o cansaço pela música. Era a energia universal da juventude.

Enquanto equilibravam um terço entre os dedos, os jovens também seguravam o celular para acompanhar leituras bíblicas. Antes das fotos para os stories nas redes sociais em frente a algum monumento histórico, brilhava na tela alguma imagem sacra como papel de parede. A grande presença de jovens peregrinando no Jubileu da Esperança 2025 chamou a atenção. Embora os ensinamentos rígidos e milenares da Igreja pareçam datados, na prática, a renovação da fé cristã entre gerações era evidente.

Rotina peregrina entre desafios e prazeres

A peregrinação em Roma tinha rotina. Começava cedo, com um café da manhã reforçado e a lembrança constante de que "não sabemos como será o almoço". Metrôs e ônibus lotados mostravam que a capital italiana ainda não está preparada para a quantidade de fiéis que o Vaticano atrai.

Passar pelas basílicas era o grande desafio. Calor e filas testavam os limites do corpo. Alguns desmaiavam, mesmo com voluntários distribuindo garrafas de água ou com as diversas fontes públicas ao longo da cidade. Entrar nas igrejas evocava catarse — especialmente após a estressante revista de segurança que verificava cada peregrino. Os olhos corriam aflitos pelas paredes monumentais dos templos. A vontade de guardar toda aquela informação era maior que a dor nas pernas e o suor grudado à camisa.

  • Grupo brasiliense em peregrinação na Europa: viagem da vida
    Grupo brasiliense em peregrinação na Europa: viagem da vida Ronayre Nunes/CB/D.A. Press
  • Peregrinos durante vigília em Roma: à espera do papa
    Peregrinos durante vigília em Roma: à espera do papa Ronayre Nunes/CB/D.A. Press
  • Grupo de peregrinos canta no metrô de Roma: animação em meio ao cansaço
    Grupo de peregrinos canta no metrô de Roma: animação em meio ao cansaço Ronayre Nunes/CB/D.A. Press

"Eu tenho encarado (a peregrinação) de forma bem tranquila, sem nenhuma hipocrisia, porque o preço de estar aqui, a experiência, é bem maior do que a fome ou o cansaço. E eu sou do Brasil. O Sol de Brasília é bem forte nessa época, então já estou acostumada. A fome e a sede a gente encara numa boa também", brincou a assistente administrativa Giovanna Laura Dantas, 22 anos. "A experiência que eu tenho vivido com essa peregrinação é indescritível. É o meu sonho de criança estar aqui em Roma, conhecer e contemplar o cerne da minha fé", concluiu.

O ápice da peregrinação foi a missa especial celebrada pelo papa no domingo (3/8). Antes disso, os fiéis caminharam cinco quilômetros até o câmpus de Tor Vergata  (nos arredores de Roma). Das janelas, italianos acenavam timidamente — uma senhora chegou a ligar a mangueira para aliviar o calor dos peregrinos, que respondiam com cantos e músicas. A barreira linguística era superada com sorrisos e "vivas".

Já no câmpus, telões tentavam aproximar o palco, distante da grande maioria. O cenário lembrava o entardecer de um festival, com jovens conversando e sentados na grama. De repente, um corre-corre: Leão XIV passava de carro em algum ponto, diziam os rumores. Alguns tentaram correr, mas em vão. A passagem era rápida demais. Para a fé católica, Leão XIV — assim como todos os papas ao longo da história — é o vigário de Cristo, isto é, o líder espiritual que representa Jesus na Terra. Estar em sua presença é uma experiência única.

"Tem sido uma das melhores experiências da minha vida. Foi muito difícil chegar aqui, mas creio que tudo isso faz parte de um plano muito grande de Deus para mim. Tem sido muito importante tudo o que estou vivendo, tanto para a minha experiência pessoal quanto para a minha vida", celebrou a estudante Maria Isabel Cordeiro, 18 anos, integrante do grupo brasiliense em Roma.

A noite daquele sábado (2/8) terminou com a palavra de Leão XIV aos jovens. A madrugada seria em vigília. Milhares dormiram ao relento; em contraste com o dia quente, a noite era gelada. Por volta das 3h de domingo, os peregrinos foram acordados por uma chuva. Pela manhã, o desconforto foi superado pela expectativa de ouvir o pontífice na missa.

É seguro afirmar que as palavras do "papa Leoni" — como era carinhosamente chamado pelos peregrinos em diversas línguas — não decepcionaram os milhares de jovens naquela manhã do primeiro domingo de agosto. Leão XIV focou-se em temas urgentes para os mais novos, como "amor" e "futuro". "A plenitude da nossa existência não vem daquilo que acumulamos. Consumir não basta; precisamos levantar os olhos e perceber que tudo tem sentido na realidade do mundo", declarou.

"Nós fomos criados para ser grandes, e nenhuma bebida ou vício nos dará isso. Olhe a verdade e a grandeza no seu coração", disse o pontífice, sendo efusivamente aplaudido. Em diversos momentos, reforçou que os jovens têm lugar na Igreja e que a certeza de um futuro pacífico virá do "exercício da fé". "Jovens, vocês são a certeza de um futuro melhor, um futuro de fraternidade. E, na vida, onde tudo é efêmero, encontramos a verdade no amor", defendeu.

O fim da missa trouxe uma nova peregrinação de volta. Agora mais concentrados, os milhares de fiéis fecharam avenidas, como as diversas alças da suntuosa Largo Guido Carli, até os arredores da capital italiana. Em meio à atenção para não se perder no oceano de gente, a sensação era de dever cumprido. Os brasilienses peregrinaram. Usaram a boca e os pés, em todos os caminhos, até Roma.

*O jornalista viajou a Roma a convite da Comunidade Obra de Maria

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postado em 07/09/2025 05:54
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