
A ansiedade está entre os transtornos mentais mais comuns da atualidade. Em níveis moderados, é um mecanismo de defesa do organismo, que prepara o corpo para situações de risco. Mas, quando se torna intensa e constante, pode transformar a vida em um ciclo de preocupações excessivas, medos irracionais e sintomas físicos debilitantes.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 18 milhões de brasileiros convivem com algum transtorno do tipo, colocando o país na liderança mundial nesse ranking. Mas não são apenas os diagnosticados que sofrem: familiares, amigos e colegas de trabalho também enfrentam desafios por não saberem como lidar com a condição.
A neuropsicóloga e doutora em psicologia Leninha Wagner destaca que, quando saudável, esse mecanismo é um recurso de sobrevivência, que prepara o corpo para agir, amplia a atenção e nos mantém alertas quando algo exige cuidado. "Costuma aparecer em momentos específicos, antes de uma prova, de uma decisão importante, e se dissolve depois."
No entanto, na forma patológica, não precisa de um motivo concreto. Segundo a neuropsicóloga, ela se instala como uma presença constante, antecipando perigos, criando cenários de catástrofe e interferindo no trabalho, no sono, nas relações e no prazer de viver. Nesses casos, o medo passa a comandar a rotina, e o sinal de alerta se torna uma doença.
"O corpo fala antes da mente. Coração acelerado, falta de ar, aperto no peito, sudorese, tremores, tensão muscular, distúrbios gastrointestinais e insônia são frequentes. A mente acompanha com pensamentos repetitivos, medo de perder o controle, dificuldade de concentração e uma sensação constante de ameaça, mesmo em situações neutras", afirma Leninha Wagner.
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Por ser uma reação natural, reconhecer que ultrapassou os limites do "normal" não foi simples para a bancária Alessandra Miranda Felix, 53 anos, e para a estudante Ana Luiza Barreto, 24. Ambas relatam que os sinais começaram a se manifestar em situações comuns do dia a dia, mas que, pouco a pouco, transformaram-se em barreiras para viver plenamente. Alessandra lembra que deixou de comer e se via incapaz de concluir tarefas que iniciava. "Eu percebi que algo estava errado quando as situações rotineiras começaram a me paralisar", conta.
O diagnóstico da bancária, recebido com susto, só começou a fazer sentido quando ela iniciou acompanhamento psicoterapêutico. Desde então, para lidar com as crises, isola-se, elenca os problemas e organiza mentalmente suas prioridades. Para ela, é fundamental que as pessoas entendam que não se trata de desculpa para improdutividade, mas de uma condição real, com impactos internos e externos.
Ana Luiza, por sua vez, teve uma trajetória marcada por sintomas físicos intensos. "Eu tinha crises muito longas, tinha taquicardia, falta de ar, sudorese e perdi muito peso porque não conseguia me alimentar", recorda. Os pais foram os primeiros a notar a gravidade e a incentivaram a procurar ajuda. O diagnóstico de transtorno generalizado não foi exatamente uma surpresa, já que, como estudante de medicina, ela reconhecia os sinais clínicos, mas trouxe o peso da confirmação.
Nos momentos de crise, Ana adota técnicas de ancoragem nos sentidos, que consistem em listar cinco coisas que vê, quatro que escuta, três que toca e duas que sente o cheiro para recuperar o controle. Esse processo, aliado à psicoterapia, a fez perceber o quanto havia perdido em experiências ao longo da vida. "Deixei de ir a lugares, perdi momentos com pessoas porque o problema falava por mim. Só depois do tratamento entendi o tamanho desse prejuízo", afirma.
Tanto Alessandra quanto Ana destacam que a incompreensão social agrava o sofrimento. O silêncio ou a inquietação, muitas vezes, são interpretados como exagero, estresse ou até motivo de piada. "Se as pessoas tivessem mais consciência de como realmente é uma pessoa ansiosa, elas não inibiriam alguém de procurar tratamento", afirma Ana. "E aquelas que realmente sentem prejuízos não se sentiriam coagidas a não buscar ajuda, porque existe uma categorização que pesa muito", acrescenta.
Para a estudante Yasmin Assumpção, 19, os sinais também não surgiram de repente. Ela fez parte da vida desde a infância, quando comportamentos aparentemente pequenos a destacavam dos colegas. "Sempre fui muito agitada, roía unhas até machucar, arrancava pele de outras áreas do corpo sem perceber, até sangrar. Sentia aperto no peito e tinha uma necessidade enorme de terminar qualquer atividade o mais rápido possível", lembra. Além dos sintomas físicos, a cobrança por perfeição a acompanhava desde cedo, o que tornava situações simples em experiências angustiantes.
Apesar disso, Yasmin acreditava que tudo era normal. Aprendeu a conviver como se fosse parte de sua personalidade e, de certa forma, fez dela uma aliada para alcançar resultados acadêmicos e sociais. "Eu conseguia bons desempenhos, mas, por trás, havia um peso constante, uma exigência que nunca me satisfazia", conta. O diagnóstico veio aos poucos, já que nem tudo se resumia a esse transtorno. A dificuldade maior, segundo ela, foi fazer a família compreender suas necessidades. "Hoje, entendo que, para a época, era uma notícia mais complexa", reflete.
O outro lado: quem convive também sofre
Conviver com alguém que tem crises pode ser desafiador. Muitas vezes, familiares e amigos não sabem como agir diante de um episódio ou como oferecer apoio sem reforçar os sintomas. De acordo com Yasmin, cada pessoa manifesta de um jeito, e o tratamento não é o mesmo para todos, então é importante que quem convive apenas aprenda a escutar.
Considerar os sinais, como fraqueza, drama, falta de foco e produtividade, é comum entre pessoas que não compreendem os desafios da doença mental, o que intensifica o isolamento de quem sofre. Segundo Leninha Wagner e a psicóloga Mariane Pires Marchetti, a chave para evitar esses conflitos é entender que a condição é séria e exige cuidado.
Para Mariane, o ideal é que familiares e amigos ofereçam acolhimento, escuta ativa e incentivo ao tratamento profissional, sem críticas ou julgamentos. A forma de conversar sobre o assunto também pode interferir no caminhar da abordagem. "É importante abordar o tema de maneira empática e respeitosa, validando o que a pessoa sente, mas sem dramatizar ou trazer exemplos que possam aumentar a preocupação."
Frases para dizer
“Isso vai passar”
“Estou aqui com você”
“Vamos enfrentar isso juntos”
“Como posso te apoiar nesse momento?”
“Quer me contar o que sente agora?”
Frases para não dizer
“É só frescura”
“Acalme-se agora”
“É só se acalmar”
“Você não tem motivo para isso”
Técnicas simples para momentos de emergência
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Respiração 4-7-8: inspirar por quatro segundos, segurar por sete e expirar por oito, repetindo por alguns minutos.
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Ancoragem sensorial: identificar mentalmente cinco coisas que vê, quatro que sente, três que ouve, dois que cheira e um que saboreia.
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Caminhar lentamente, sentir o contato dos pés com o chão e ajudar a devolver o corpo ao presente.
Onde buscar ajuda
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SUS: oferece atendimento psicológico e psiquiátrico em Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
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Clínicas-escola: universidades com cursos de psicologia oferecem atendimento gratuito ou a baixo custo.
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CVV (Centro de Valorização da Vida): apoio emocional gratuito pelo número 188 ou pelo site cvv.org.br.
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Redes de apoio: grupos presenciais ou on-line que conectam pessoas em tratamento podem ajudar a reduzir o isolamento.
Revista do Correio
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