
A chegada de um novo ano costuma funcionar como um marco coletivo de encerramento e recomeço. Mesmo sem perceber, muitas pessoas sentem a necessidade de pausar, refletir e atribuir significado à passagem do tempo. É nesse intervalo simbólico que os rituais ganham força, eles organizam emoções, desejos e expectativas, ajudando a atravessar o fim de um ciclo e a abertura de outro com mais consciência.
Para a dançarina e professora de dança Carol Magalhães, 31, os rituais de ano novo são uma forma de alinhar fé, intenção e cuidado com o que se deseja atrair. Ela conta que, todos os anos, escolhe com atenção a cor da roupa, pensando na energia que quer levar para o novo ciclo, seja amor, prosperidade, equilíbrio ou novos começos. "Além disso, faço um banho com ervas com a intenção de atrair boa sorte e saúde, além de manter um ritual mais simbólico e divertido, que é comer uvas embaixo da mesa, representando abundância para o ano que começa", conta.
Nos últimos anos, esses rituais passaram a ganhar também um caráter coletivo. Carol relata que, pelo segundo ano consecutivo, ela e as primas se reuniram em um encontro chamado Board Vision, um momento dedicado a conversar sobre metas futuras, sonhos e projetos. Entre uma pequena ceia e trocas sinceras, o grupo celebra a comunhão entre mulheres e a possibilidade de iniciar o ano com mais clareza, conexão e propósito.
Ao longo de 2025, ela percebeu mudanças sutis, mas consistentes. Sentiu que as coisas começaram a fluir com mais leveza, teve mais clareza sobre seus objetivos e se sentiu emocionalmente mais saudável. "Ter clareza do que se quer alcançar faz com que a gente acabe realizando", avalia Carol Magalhães.
Embora alguns rituais já tenham se tornado tradição, como a escolha da cor da roupa, os banhos com ervas e as uvas, outros são adaptados conforme o momento de vida. O que permanece é a essência, uma mistura de fé, intenção e diversão, sem perder a leveza. Hoje, para Carol, o que não pode faltar na virada é a presença, a conexão e a troca sincera, estar perto de quem ama, compartilhar uma refeição e alinhar sonhos com pensamentos positivos.
Do ponto de vista simbólico, o astrólogo e psicanalista Arthur Tadeu Curado explica que os rituais de ano novo são fortes porque o ser humano é um animal simbólico. Para ele, marcar começos e finais é uma forma de organizar o tempo psíquico, dar sentido às mudanças e alinhar desejo e intenção. A virada de 31 de dezembro, segundo Arthur, é uma convenção humana ligada ao calendário gregoriano, de origem católica, associada ao ano civil e fiscal.
Na natureza, lembra ele, os ciclos seguem outros marcos, como o equinócio, quando o Sol entra em áries e se inicia um novo ciclo solar. Ainda assim, os rituais existem para alinhar os indivíduos tanto aos calendários sociais quanto aos ritmos naturais e cósmicos. Entre as práticas mais comuns estão o uso de roupas específicas, especialmente o branco, banhos simbólicos, oferendas ligadas à prosperidade e gestos repetidos, como pular ondas ou realizar refeições associadas à abundância. Mesmo quem não se considera religioso acaba utilizando esses gestos como atos de intenção.
Do ponto de vista simbólico, o astrólogo e psicanalista Arthur Tadeu Curado explica por que esses gestos seguem tão presentes. "Os rituais de ano novo são fortes porque o ser humano é um animal simbólico", afirma. Para ele, marcar começos e finais é uma necessidade psíquica, mas nem todo ano pede os mesmos símbolos. "Mais do que rituais elaborados, os mais potentes são aqueles que fazem sentido subjetivo para quem os realiza."
A psicanalista e especialista em Hipnose Clínica Sandra Avramidis reforça que o fim e o início do ano representam um rito de passagem coletivo. Mesmo pessoas que não seguem práticas espirituais sentem esse encerramento simbólico e a abertura para um novo ciclo. Segundo ela, esse período favorece fechamentos, balanços internos e renovações, porque o inconsciente associa o tempo a ciclos de morte e renascimento.
Ela aponta que, ao longo do ano, emoções e tensões se acumulam. "A gente acumula mais do que percebe, emoções, expectativas, conflitos e sobrecarga mental", afirma. Para Sandra, os rituais ajudam porque atuam em diferentes níveis. "Eles atuam no emocional, trazendo alívio; no mental, promovendo foco; e no vibracional, abrindo espaço para o novo", explica Sandra Avramidis.
Na vivência prática, esses rituais nem sempre são solenes. A assistente social Jordana Moreira, 22, conta que decidiu experimentar algo diferente na última virada. "Na virada de 2025, comi 12 uvas debaixo da mesa à meia-noite", relata. A ideia surgiu a partir de incentivos de uma amiga. "Ela me mandava vídeos e me incentivava a fazer esse ritual como forma de atrair prosperidade, especialmente para a vida pessoal e amorosa."
Jordana relata que, no início deste ano, começou a se aproximar romanticamente de um amigo da universidade e, atualmente, os dois estão juntos. Além disso, ela se formou na faculdade e chegou à última etapa de um concurso que desejava muito.
Para Jordana, os rituais não precisam virar tradição fixa. Ela prefere mudar a cada ano, experimentar coisas novas e não se prender a um único gesto. Embora tenha feito o ritual mais por diversão, por estar ao lado da melhor amiga e da prima, ela reconhece que sempre existe uma intenção por trás, mesmo quando tudo começa de forma leve. Hoje, o que não pode faltar em sua virada de ano é a presença de pessoas que ama, sejam familiares ou amigos.
Já para a arquiteta Fernanda Christine, 44, alguns rituais se mantêm ao longo do tempo, criando um marco emocional e espiritual para a virada. Ela conta que costuma unir gestos simples, mas cheios de significado, como uma oração de agradecimento e entrega, a escrita de metas guardadas na agenda e três voltas simbólicas em torno da mala, como abertura para viagens. Em família, também fazem uma cápsula do tempo com desejos e intenções de cada um.
Ao olhar para o ano que passou, Fernanda percebe alinhamento entre intenção e escolhas. "Mais do que 'dar certo', o que acontece é um alinhamento, as escolhas do dia a dia passam a caminhar na direção daquilo que foi intencionado", diz. Para ela, os rituais não são mágicos. "São gestos conscientes que organizam o coração, a mente e a direção que quero seguir."
Entre histórias pessoais e explicações simbólicas, os rituais de ano-novo seguem atravessando gerações. Eles não garantem mudanças imediatas, mas ajudam a elaborar despedidas, alinhar intenções e atravessar o tempo com mais clareza, presença e propósito.

Revista do Correio
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