CIDADE NOSSA

Cidade Nossa: Um lugar para Oscar

Neste domingo (21/12), Sergio Léo comenta a polêmica da estátua de Oscar Niemeyer na Praça dos Três Poderes e reflete sobre memória, arquitetura e uso do espaço público em Brasília

Sergio Leo, jornalista -  (crédito: Arquivo pessoal)
Sergio Leo, jornalista - (crédito: Arquivo pessoal)

Sérgio Léo — especial para o Correio

Encontrei Oscar Niemeyer meio sorumbático, bebericando café na livraria Platô, na Asa Sul, e já imaginava a razão. Avesso a polêmicas, embora sempre um bravo defensor de suas ideias, sobre arquitetura ou justiça social, o arquiteto viu-se envolvido numa bronca com a cara dele. Aliás, cara e corpo, numa estátua que quiseram plantar na recém-reformada Casa de Chá da Praça dos Três Poderes.

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Amantes da arte e do projeto original de Brasília não gostaram da invenção. Especialistas criticaram a ideia de botar uma figurinha na praça, chamando atenção dos passantes e transformando a arquitetura planejada por Niemeyer em pano de fundo para selfies com o personagem. Os encarregados de zelar pelo patrimônio avisaram que o tombamento do local impede Niemeyer de ficar ali.

Niemeyer, zeloso dos espaços vazios abertos a grandes manifestações populares dentro do harmônico e simbólico equilíbrio entre os prédios dos Três Poderes, até incorporou obras de arte em suas edificações, até na praça, onde se abraçam os gigantescos Dois Candangos de Bruno Giorgi. Ele mesmo criou novidades como o Panteão dedicado a Tancredo Neves, com uma tocha monumental.

"Mas... uma estátua, como as que andam espalhando pelo Rio?", resmungou Oscar, enquanto saía, comigo, da livraria. "Pelo menos, não uso óculos; não tem risco de me roubarem e deixarem cegueta, como fazem a toda hora com o pobre Drummond, em Copacabana", comentou. "Ou o pobre Noel Rosa, de quem roubaram uma garrafa, e até o próprio poeta; ninguém sabe onde foi parar".

Ainda por cima, resmungou, o estilo naturalista da homenagem não dialoga com o modernismo que sempre prezou nos artistas que colaboram em suas edificações, como o próprio Bruno Giorgi, Alfredo Cheschiatti, Portinari, Athos Bulcão, Volpi...

Como a escultura já foi comprada pelo governo, Niemeyer parece não se opor a que coloquem a peça em algum outro lugar. Onde ele pudesse, por exemplo, ver o povo trabalhador de Brasília. "O que exclui um e outro gabinete aqui na capital", acrescenta, com um sorriso maroto. Cogitou homenagear a Ceilândia, cuja criação ele sempre criticou, escandalizado, por ter representado, com outras cidades satélites, a expulsão de moradores de baixa renda para longe do centro, sem transporte e serviços públicos organizados.

"Soube que agora tem por lá muita efervescência artística, até artista plástico de fama internacional", comentou, sorrindo. "Quem sabe teria muito a dizer para esse povo, em suas batalhas do dia a dia", murmurou, pensando em revoluções.

Outro lugar bacana, para Niemeyer seria a movimentada Rodoviária. Ele, aliás, em 2009, perdeu uma batalha contra o tombamento de Brasília, para criar um novo monumento,a "praça da soberania", ao lado dessa obra de Lúcio Costa. "As cidades crescem; é difícil manter os planos originais", argumenta o arquiteto.

"Mas, se querem me homenagear mesmo, acrescente na estátua uma bandeira de protesto, pela melhor distribuição de renda no país", sugere o velho comunista, que sempre levantou essa bandeira em aparições públicas. "E por que não distribuir muitas estátuas minhas, mas acompanhadas de mais veículos de transporte público que facilitem a vida dos sofridos trabalhadores da capital?"

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postado em 28/12/2025 06:00 / atualizado em 28/12/2025 06:00
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