Saúde

Exagerou na ceia? Saiba como lidar com o desconforto pós refeição

Sódio, açúcar, álcool e mudanças na rotina explicam o desconforto comum após o Natal e o Ano Novo. Especialistas alertam para os riscos das medidas radicais e indicam caminhos seguros para desinchar e recuperar o bem-estar

Depois das confraternizações de fim de ano, é comum que o corpo dê sinais de sobrecarga. Pernas pesadas, abdômen estufado, mãos inchadas e desconfortos digestivos costumam aparecer logo nos dias seguintes às ceias. Embora o ganho rápido de peso assuste, na maioria das vezes o problema não está ligado ao acúmulo de gordura, mas sim à retenção de líquidos e a alterações metabólicas provocadas pelos excessos típicos desse período.

A endocrinologista Fernanda Parra explica que o inchaço pós-festas é resultado de uma combinação de fatores. "Durante as festas, a junção de excesso de sódio, álcool e mudança de rotina favorece muito a retenção de líquidos. O sal presente em queijos, embutidos, panetones, bacalhau e petiscos atrai água para dentro dos tecidos, causando o inchaço", afirma. Segundo ela, o álcool também desempenha papel importante nesse processo. "O álcool desidrata e, quando o corpo percebe essa perda de água, reage segurando líquido como forma de proteção", diz.

Além da alimentação, mudanças no estilo de vida agravam o quadro. Dormir menos, beber pouca água, alterar horários e reduzir a movimentação diária comprometem a circulação e intensificam a sensação de corpo pesado. Dados da Organização Mundial da Saúde indicam que o consumo diário recomendado de sal é de até 5 gramas, quantidade que costuma ser facilmente ultrapassada em uma única refeição das ceias de fim de ano.

O consumo elevado de açúcar e carboidratos simples também contribui diretamente para o inchaço. "Sobremesas, refrigerantes, massas, pães e bebidas alcoólicas aumentam a liberação de insulina, hormônio que facilita o acúmulo de glicogênio nos músculos e no fígado. Cada grama de glicogênio armazena cerca de três gramas de água, o que explica a sensação de inchaço e o aumento rápido do peso corporal após os exageros", detalha Fernanda. Ela acrescenta que o açúcar ainda estimula processos inflamatórios, agravando a retenção.

As alterações hormonais típicas desse período reforçam o problema. "O cortisol tende a aumentar por causa do estresse, das noites mal dormidas e do álcool. Cortisol alto retém líquido e aumenta a fome. A insulina sobe com o excesso de açúcar e carboidratos, e a aldosterona, que regula sódio e água, fica mais ativa quando há desidratação ou consumo elevado de sal", explica a endocrinologista. Segundo ela, o organismo entra em um verdadeiro "modo sobrevivência", segurando líquidos para tentar compensar os desequilíbrios.

 

Inchaço e desconforto

O gastroenterologista Alexandre Fontoura explica que o principal problema após exageros é o aumento da produção de ácido no estômago. Segundo ele, refeições ricas em gordura e proteína tornam a digestão mais lenta. "Esses alimentos permanecem mais tempo no estômago, atrasam o esvaziamento gástrico e aumentam o risco de refluxo gastroesofágico, já que o ácido pode retornar ao esôfago e causar desconforto logo após a refeição ou até nos dias seguintes", explica. A orientação, especialmente durante as festas, é equilibrar pratos mais pesados com frutas, verduras e saladas, que facilitam a digestão.

O álcool agrava ainda mais esse cenário. "Quando é absorvido ainda no estômago, o álcool pode causar inflamação da mucosa gástrica, a chamada gastrite alcoólica, efeito que é ainda mais intenso quando o consumo ocorre em jejum", alerta Fontoura. No intestino, o álcool acelera o trânsito intestinal e altera a flora e o pH, favorecendo diarreia, gases e distensão abdominal.

 

Como aliviar o inchaço e quando ligar o alerta

A boa notícia é que, ao retomar hábitos equilibrados, o organismo tende a se reorganizar rapidamente. Fernanda explica que a retenção de líquidos costuma melhorar entre 48 e 72 horas com boa hidratação e redução do consumo de sal. "As oscilações de glicemia e insulina geralmente se estabilizam em três a cinco dias, enquanto sono, energia e humor tendem a normalizar ao longo de cerca de uma semana", afirma o nutricionista Thyago Nishino.

A hidratação é apontada como a principal estratégia nos dias seguintes aos exageros. "A orientação mais eficiente é beber bastante água e água de coco. Refeições leves, com foco em vegetais, frutas e proteínas magras, ajudam a facilitar a digestão", orienta. Ele ressalta que o jejum pode até funcionar para algumas pessoas, mas não deve ser encarado como punição. "Uma estratégia segura é fazer um 'dia anti-inchaço': mais líquidos, menos sódio e açúcar, inclusão de fibras e exclusão de ultraprocessados."

Entre os alimentos aliados estão melancia, abacaxi, pepino, melão, frutas cítricas, vegetais verde-escuros, aveia, chia e linhaça. Chás como hibisco, gengibre, cavalinha e chá verde também podem ajudar, desde que consumidos com moderação. "Eles têm efeito diurético leve, mas não fazem milagres. Funcionam como complemento de uma alimentação equilibrada", reforça o nutricionista.

Os especialistas alertam para erros comuns na tentativa de compensar os excessos. "Passar horas sem comer, cortar completamente os carboidratos ou usar laxantes e diuréticos por conta própria pode gerar desequilíbrio eletrolítico e efeito rebote, com mais fome e mais retenção", alerta Nishino. Exercícios intensos logo após os exageros também podem piorar o mal-estar por aumentar a desidratação.

É fundamental ficar atento aos sinais de alerta: vômitos persistentes, diarreia intensa, sonolência excessiva, confusão mental, desmaios, queda importante da pressão ou presença de sangue em vômitos exigem atendimento médico imediato. "Esses sintomas podem indicar desidratação grave, distúrbios do sódio no sangue, hipoglicemia ou até hemorragia digestiva, situações que não devem ser ignoradas", afirma Alexandre.

Na maioria dos casos, porém, o corpo não precisa de soluções milagrosas. Ao restabelecer hidratação, rotina, alimentação equilibrada e descanso, o organismo tende a eliminar o excesso de líquidos e recuperar o equilíbrio perdido nos dias de festa.

 

Palavra do Especialista

O que explica o estufamento mesmo horas depois da refeição?

O estufamento prolongado está relacionado a uma combinação de fatores fisiológicos, como digestão lenta, produção excessiva de gases e alterações transitórias da microbiota intestinal. Alimentos ricos em gordura e proteína demandam maior tempo de digestão e permanecem mais tempo no estômago e no intestino, contribuindo para a distensão abdominal. Além disso, excessos alimentares e alcoólicos podem provocar um desequilíbrio da flora intestinal, alterando o padrão de fermentação dos alimentos. O tempo de recuperação varia de acordo com a intensidade do excesso, podendo durar algumas horas até vários dias, especialmente em pessoas com doenças gastrointestinais prévias.

 

Pessoas com doenças gastrointestinais prévias correm mais risco?

Indivíduos com gastrite, doença do refluxo gastroesofágico, síndrome do intestino irritável, intolerância à lactose ou doença celíaca apresentam uma menor reserva funcional do trato gastrointestinal. Nesses pacientes, o sistema digestivo responde de forma mais sensível aos excessos alimentares e alcoólicos

Como resultado, há maior risco de exacerbação dos sintomas, incluindo dor abdominal, refluxo intenso, distensão, náuseas, diarreia e alteração do hábito intestinal.

 

Exageros repetidos podem causar problemas mais graves?

Entre as principais complicações estão a gastrite aguda, piora importante da doença do refluxo, diarreia persistente, crises de colelitíase (pedra na vesícula) e, em situações mais raras, pancreatite aguda, uma condição potencialmente grave. Esses quadros exigem atenção médica, especialmente quando surgem sinais como dor abdominal intensa, vômitos persistentes, febre, desidratação, sangramentos digestivos ou alteração do estado geral, pois o diagnóstico e o tratamento precoces reduzem significativamente o risco de complicações.

Alexandre  Fontoura é especialista em gastroenterologia, endoscopia digestiva, ultrassonografia e clínica médica focada em prevenção

 

 

 

 

Mais Lidas