>> DEBORAH FORTUNA 

Assegurados pela Constituição, os direitos ao lazer e à mobilidade andam juntos quando se trata dos habitantes dos núcleos rurais. Com a concentração dos espaços de cultura e entretenimento em áreas centrais, os moradores das zonas periféricas dependem de transporte de qualidade para usufruir desses locais. Caso contrário, além de a qualidade de vida dessa população ser prejudicada, a disparidade social entre a cidade e o campo tende a se acentuar ainda mais.

Pesquisa da consultoria especializada JLeiva, divulgada em 2018, investigou hábitos culturais em 12 capitais, incluindo Brasília. A intenção do documento era mostrar uma ampla visão da identidade cultural no país, ao revelar o percentual de pessoas que, nos 12 meses anteriores ao levantamento, haviam realizado alguma atividade cultural. Entre os brasilienses, os hábitos mais comuns são a leitura (mencionada por 68% dos entrevistados) e o cinema (64%). Já outros tipos de evento foram usufruídos por menos da metade da população, como shows musicais (46%), festas populares (42%), museus (31%), teatro (31%) e concertos (11%).

O estudo não diferencia o acesso de moradores de áreas rurais e urbanas. Mas, pelos relatos colhidos nos núcleos visitados pelo Correio para a série Rodas para crescer, é possível imaginar índices muito mais baixos se o mesmo levantamento for feito nessas regiões. Para os moradores desses lugares, sair de casa para trabalhar ou ir ao hospital já é um desafio. Deslocar-se para uma atividade de lazer ou cultura, então, torna-se um luxo do qual muitos nem tentam usufruir, como conta a faxineira Josilene Gonçalves, 32 anos, cuja casa, no Capão Comprido, em São Sebastião, fica a 6km da parada de ônibus.

“No fim de semana, a gente evita sair de casa”, diz. Sem um transporte de qualidade, Josilene não tem acesso ao lazer ou à cultura. Depois de vencer os 6km até a parada, ela ainda está a 25km do cinema mais próximo e a 22km do Centro Cultural Banco do Brasil (veja arte), que oferece à população uma série de possibilidades de entretenimento, incluindo exposições gratuitas. 

Impacto econômico

A escassez de transporte prejudica também a economia local. O empresário Sebastião Gontijo, 72 anos, criou um clube repleto de churrasqueiras e piscinas que funciona todos os dias da semana às margens da Rodovia DF-290. O local poderia ser uma boa opção de lazer para os moradores da Ponte Alta, no Gama, mas Gontijo diz que grande parte da clientela em potencial é afugentada pela falta de ônibus. “Só vem para o clube quem tem carro próprio ou pega carona. De ônibus, ninguém vem. Não tem regularidade a situação do transporte aqui. Não pode contar que vai passar tal horário”, lamenta.

Para a especialista e professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG) Débora Ferreira da Cunha, regiões mais isoladas, como núcleos rurais, são ainda mais desprovidas de serviços básicos. “A população desses locais é privada do acesso à cidade e às oportunidades que a cidade oferece, como lazer e outros serviços essenciais”, avalia. “É uma lógica capitalista do espaço, que centraliza serviços no meio urbano.”

Joaquim José Guilherme de Aragão, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), a oferta de transporte para a população rural é uma responsabilidade do governo. “Soluções existem. O governo pode delegar, mas o serviço público tem que existir. Ele não pode cruzar os braços com a situação da população”, completa.

Segundo o secretário de Transporte e Mobilidade do DF, Valter Casimiro, uma nova licitação, que prevê subsídio governamental para as linhas que não são economicamente atraentes para as empresas deve ser lançado em breve. A medida, acredita, trará melhorias em breve para o transporte das áreas rurais. “O governo entende que precisa atender a essas áreas”, assegura (leia entrevista com o secretário).