
“Não há país como o Brasil”, dizia o cartaz nas ruas de Buenos Aires. A provocação na promoção turística nos leva a refletir sobre por quais motivos o bairrismo dos países latino-americanos não se reproduz quando o assunto é a própria latino-america? Por que viajamos e sabemos o que comer muito mais na Europa ou Estados Unidos, do que entre nossos vizinhos? Por qual motivo ainda não compreendemos a gastronomia, a cultura, os atrativos locais? Por que celebramos o orgulho nacional com a feijoada, o ceviche, o assador, mas não compartilhamos isso com a América Latina?
Latina influência europeia
Para isso, é preciso entendermos primeiramente o que é a América Latina. Termo que ao longo do século XIX ganhou força sob a ótica colonizadora de Napoleão a fim de distinguir da América Anglo-Saxônica e por fim exercer seu projeto colonizador. De fato, desde a colonização, os países da América Latina foram organizados para olhar para a Europa, não uns para os outros. Mas o termo ganhou novos significados numa construção intelectual e contemporânea. Hoje, o conceito de América Latina é político, cultural e identitário. Representa uma comunidade de países com raízes coloniais semelhantes, da América do Norte a América do Sul. É também uma forma de solidariedade regional frente às desigualdades globais e às influências externas.
Na culinária, isso se traduziu em narrativas isoladas: cada país desenvolvendo símbolos próprios: o mate, a arepa, o feijão, o milho, o pisco —, mas sem um imaginário comum. Durante boa parte do século XX, as elites latino-americanas olharam para Paris, Nova York ou Madrid como referências culturais e gastronômicas. Enquanto isso, as cozinhas locais — indígenas, africanas, camponesas — eram marginalizadas ou vistas como “comida simples”.
Resultado: valorizamos nossos pratos nacionais como resistência interna, mas não os vemos como parte de uma grande civilização culinária latino-americana. O que une nossas cozinhas — o milho, a mandioca, as pimentas, o fogo, o sincretismo cultural — ainda não virou um discurso de pertencimento regional.
Muito mais que um Tango
Esta semana em Buenos Aires um simples show de tango – que já havia assistido várias vezes – me chamou atenção. Além da tradicional dança sensual, foi acrescentada à apresentação um grupo de músicos andinos, com flautas e músicas dos povos originários. Noutra parte, danças gaúchas. Ficou evidente que era preciso contar a história da Argentina muito mais que pela visão dos imigrantes europeus que chegaram aqui e no tango lamentavam suas perdas, suas origens e histórias. Era preciso contar a trajetória de quem já estava por aqui antes, de quem ajudou a formar a identidade argentina de fato. E foi lindo assistir às músicas e danças em sua diversidade histórica.
É preciso entendermos que a gastronomia também é a porta de entrada para um turismo que se renova, que busca conexões com quem vem pela primeira vez ou quem já esteve naquele destino. Um novo restaurante, menu sazonais ou prêmios recentes fazem o turista voltar a um lugar que já conheceu antes. Hotéis como a rede NH Collection, com 9 unidades somente em Buenos Aires, estão cada vez mais empenhados em investir em gastronomia como protagonista de suas operações, talvez como uma forma de se renovar, uma vez que estão instalados em prédios clássicos, centenários, repletos de histórias, como o NH Collection Lancaster – de 1945, ou o NH Collection City da década de 30 e ao lado dos principais atrativos turísticos da cidade.
Parrilhas, churrascos, ceviches e feijões
O turismo gastronômico se desenvolve com a força da coletividade: um restaurante não consegue sozinho atrair turistas para aquele destino, se não houver hotelaria condizente, conectividade no transporte A ABEAR – Associação Brasileira das Empresas Aéreas não disponibiliza dados sobre quantidade de voos, mas, de certo, temos mais voos saindo do Brasil para Estados Unidos e Europa que para países da América Latina. Empresas como a LATAM tem crescido em número de voos entre Brasil e Argentina. São mais de 33 saindo só de Guarulhos – São Paulo. Além de novas rotas saindo de Recife, Florianópolis e Porto Alegre, inclusive para cidades como Rosário e Córdoba, voos diretos que determinam a escolha do cliente em relação ao destino das próximas férias.
Mais conectividade, hotelaria de excelente nível, restaurantes e chefs renovados, esse pode ser o caminho para aquecer o turismo latino-americano e todas as suas potencialidades. No entanto, sem demanda, sem interesse do consumidor, do viajante, nada disso acontece! Portanto, que tal viajar para a Argentina para conhecer a nova parrilla do restaurante Hierro do Palermo, ou quem sabe as milanesas do restaurante Bottega no NH Collection Crillon, ou ainda o jantar ao show de tango e latinidades no Ventana?
Viajar pela América Latina é redescobrir nossa identidade coletiva. Muito mais que divisões geográficas, somos um povo marcado pelo que comemos, pelo que vivemos, pelo que construímos juntos. Não é utopia, vide o filme Diários de Motocicleta, de Walter Sales, ou quem sabe a promoção turística que o Peru tem feito de sua culinária pelo mundo e angariado prêmios.
Que sigamos o exemplo, e seremos o continente do ceviche, dos feijões, das parrilhas e churrascos, do milho, da mandioca e todas as suas possibilidades. A cultura culinária ainda pode nos levar muito longe. Não há lugar como a América Latina. Pense Nisso!
Thiago Paes é colunista de viagem e gastronomia. Apresentador de TV no canal Travel Box Brazil. Está nas redes sociais como @paespelomundo Press: contato@paespelomundo.com.br
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