
Por Pablo Coutinho Barreto* — Por muito tempo, as pessoas com deficiência viveram sob exclusão e invisibilidade. Essa realidade começou a mudar de forma decisiva com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPCD), aprovada pela ONU e incorporada ao ordenamento brasileiro com status de emenda constitucional em 2009. Mais do que um tratado, ela representa uma mudança profunda de perspectiva: a deficiência não está apenas na pessoa, mas nas barreiras físicas, sociais e culturais que a impedem de exercer plenamente seus direitos.
A CDPCD rompeu com o antigo modelo médico-assistencialista, que via a deficiência como uma limitação individual a ser tratada, e adotou o modelo social. Nesse novo olhar, uma cidade sem rampas, uma escola sem intérprete de Libras ou uma empresa que recusa candidatos com deficiência não são meras falhas: são violações de direitos humanos. A mensagem central é clara — cabe ao Estado, ao setor privado e à sociedade eliminar esses obstáculos para garantir igualdade de condições e participação plena.
Ao lado desse avanço jurídico, ganha força o princípio da fraternidade, consagrado no preâmbulo da Constituição de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Muitas vezes ofuscado pelos ideais de liberdade e igualdade, ele vai além da solidariedade: exige reconhecer a dignidade do outro e agir para incluí-lo. No campo do Direito, funciona como um critério interpretativo que orienta a aplicação dos direitos fundamentais, especialmente daqueles que afetam a coletividade, como acessibilidade e inclusão.
Quando a CDPCD e a fraternidade se encontram, nasce um constitucionalismo fraterno — um modelo mais humano e inclusivo, que não se limita a proibir discriminações, mas impõe a criação de condições concretas para a igualdade. É a compreensão de que recursos como rampas, intérpretes, tecnologias assistivas ou acessibilidade digital não são concessões, mas obrigações constitucionais e requisitos para a efetivação da dignidade humana.
Esse novo paradigma fortalece os chamados direitos transindividuais, que pertencem à sociedade como um todo e garantem que grupos vulneráveis sejam plenamente integrados. A dignidade, nesse contexto, não é um conceito abstrato: ela se realiza no cotidiano, quando o diferente é reconhecido como parte essencial da comunidade.
O desafio é transformar esse compromisso jurídico em realidade. Embora a lei já reconheça as pessoas com deficiência como protagonistas de sua história, barreiras persistem e a inclusão plena ainda está distante. Cumprir a CDPCD e aplicar o princípio da fraternidade exige mais do que políticas públicas: requer mudança de mentalidade e ação coordenada de governos, empresas, escolas, meios de comunicação e de cada cidadão.
Fraternidade e inclusão, juntas, são a base de um Brasil mais justo. Não se trata de benevolência, mas de um imperativo constitucional e ético: assegurar que ninguém seja excluído por barreiras que poderiam — e deveriam — ser removidas.
Procurador regional da República e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)*