Povos originários

"Genocídio legislado": Marco Temporal é derrota para indígenas e para Lula

Em demonstração de força da bancada ruralista, Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que só reconhece a demarcação de terras ocupadas antes de outubro de 1988. Senado e Supremo Tribunal Federal podem rever o assunto

Taísa Medeiros
postado em 31/05/2023 03:55
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Após 16 anos de tramitação no Congresso Nacional, o PL 490, conhecido como novo Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas, foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados. A matéria obteve 283 votos favoráveis, 155 contra e apenas uma abstenção. Mesmo com articulação da bancada do cocar com apoio da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, o projeto foi aprovado, em uma demonstração de força da bancada ruralista. Todos os destaques propostos foram rejeitados em plenário. O texto segue para o Senado.

Segundo afirmou o relator da matéria, Arthur Maia (União-BA), a expectativa é de que, com o posicionamento do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) paralise o julgamento sobre o tema. Na avaliação do deputado, a aprovação do PL 490 pelos parlamentares "fará com que o Supremo reflita e paralise, no sentido de não dar uma repercussão geral a essa querela jurídica que está marcada para ser julgada em junho", anunciou Maia, em coletiva de imprensa no Salão Verde, ao lado de parlamentares da bancada ruralista e da segurança pública, antes do início da apreciação da matéria.

No STF, a matéria de mesmo teor está em votação desde 2021, mas foi interrompida por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e se encontra com placar empatado. Na Corte, o Marco Temporal voltará a ser debatido, após sucessivos adiamentos. Com empate de 1 a 1, os votos até agora foram do relator, o ministro Edson Fachin (contra), e do ministro Nunes Marques, a favor. O STF prevê avaliar a constitucionalidade de uma data limite como "trava" para a demarcação de terras indígenas em julgamento em 7 de junho.

Nem mesmo no governo Lula há consenso a respeito da pauta. A ministra do Meio Ambiente e Mudança no Clima, Marina Silva, e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, capitanearam debates contra o PL. Já o ministro Carlos Fávaro, da Agricultura, chegou a defender a aprovação da matéria em entrevista à imprensa, ontem.

O Marco Temporal defende que uma terra indígena só poderia ser demarcada se houver comprovação de que os indígenas estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição — 5 de outubro de 1988 —, e esse seria o marco temporal. Desta data em diante, não há mais direito de pedir a demarcação. A estimativa é que 303 pedidos serão afetados pela alteração na lei, caso seja sancionada, com impacto sobre 197 mil indígenas.

A base do governo e a bancada do cocar tentaram impedir o avanço da proposta. "Hoje estamos aqui para retirar o PL da pauta de votação nesse dia de hoje. Ele representa um genocídio legislado. Vai afetar diretamente os povos isolados. Autoriza o acesso de terceiros onde vivem povos que ainda não tiveram nenhum contato com a sociedade. Cabe a nós lutar pela proteção dos territórios onde vivem esses povos", disse a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, antes da votação. O apelo foi em vão.

"Politicagem"

Deputados da base do governo discursaram sobre os impactos à defesa climática que o projeto pode causar a longo prazo. Sâmia Bomfim (PSOL-SP) ressaltou os efeitos sobre gerações futuras. "Nós vivemos uma emergência climática, e são os povos indígenas os maiores defensores do meio ambiente. É esse o objetivo daqueles que aprovaram no dia de hoje a absurda tese do marco temporal, porque sabem que são os povos indígenas os maiores obstáculos para aqueles que destroem os nossos biomas, que destroem o nosso ecossistema", argumentou.

Parlamentares favoráveis ao Marco Temporal rebateram as críticas. "Utilizam os povos originários para fazer politicagem, e isso não dá para admitir. O povo do Amazonas já está de saco cheio de tanta politicagem com os nossos povos originários", disse o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM).

A inconstitucionalidade do projeto foi rebatida por Kim Kataguiri (União-SP). "Se dizem que o projeto é inconstitucional, precisam questionar a decisão do Supremo Tribunal Federal, porque o projeto coloca na lei o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal", lembrou.

O Marco Temporal foi aprovado apesar do protesto de indígenas em Brasília e em São Paulo. Tampouco influenciou os deputados o apelo do ator Leonardo DiCaprio nas redes sociais.

 

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