
Revoltada com a morte de Luiz Cláudio Dias, baleado por um policial militar enquanto mantinha como refém uma técnica de enfermagem no Hospital Municipal de Morrinhos (GO), a família do paciente denuncia a unidade de saúde e a Polícia Militar local de negligência.
Em frente ao Instituto Médico Legal (IML), enquanto aguardava a liberação do corpo do pai, o dentista Luiz Henrique Dias gravou um depoimento emocionado. Ele disse que soube da morte do pai por vídeos que circulavam na região, e ressalta não ter tido acolhimento nenhum e nem apoio psicológico por parte do hospital.
"Meu pai leva um tiro no hospital como paciente, e a gente aqui, ninguém ta nem ai. Eu fiquei sabendo que meu pai morreu antes mesmo da equipe médica me falar. Que despreparo desse povo. A dor é grande, mas Deus vai fazer justiça. A polícia matou meu pai dentro de uma UTI, um paciente com hipoglicemia, com menos de 60 kg, fragilizado e a agente aqui esperando para reconhecer o corpo. Que desumano!", expressou.
O caso ocorreu no último sábado (18/1). Em surto psicótico, Luiz Cláudio Dias fez uma tecnica de enfermagem de refém na Unidade de Terapia Intensiva do hospital. O paciente de 59 anos estava internado há três dias.
Em um vídeo registrado, é possível ver a técnica de enfermagem mobilizada pelas costas ao ser ameaçada pelo paciente com um pedaço de vidro. Em um momento de distração de Luiz Cláudio, a vítima consegue se desvencilhar do homem. O homem então se move e é baleado na região do abdômen.
Em nota, a Polícia Militar de Goiás informou que, mesmo com a chegada dos policiais, o paciente permaneceu com atitudes agressivas. A corporação acrescentou que foram aplicados protocolos de gerenciamento de crises para a libertação da vítima. Um procedimento administrativo foi instaurado para apurar os fatos.
A polícia ressaltou que o policial precisou atirar para resguardar a vida da profissional de saúde. “Mesmo alvejado, o autor continuou resistindo, sendo necessária a sua contenção pelos demais policiais militares. A equipe médica prestou socorro imediato, mas infelizmente ele não resistiu aos ferimentos e veio a óbito.”, informou a corporação.
Laudo do paciente
Segundo o jornal O Globo, Luiz Cláudio sofria de uma doença renal causada pela diabetes há cerca de 24 anos, continha apenas 60% da visão em um dos olhos e o outro era completamente cego. Segundo o filho da vítima, ele já teve surtos parecidos anteriormente, por conta de hipoglicemia, era contido pela família nessas ocasiões ao administrarem remédios necessários.
Em nota, a prefeitura de Morrinhos assegurou que oferecerá acompanhamento psicológico e social aos familiares, à enfermeira e demais envolvidos no incidente.
Especialistas ouvidos pelo Correio têm visões distintas do episódio. Na avaliação do especialista internacional em Segurança do Grupo TFI EUA/ Brasil Leonardo Sant’Anna, o uso da força letal pode ser mais adequada quando o nível de agressividade e risco de vitimização é alto. Se não agirem a tempo, os policiais e médicos podem ser responsabilizados — e outras pessoas podem ser feridas ou mortas.
“Tanto médicos ou enfermeiros quanto profissionais de segurança, que estejam no local, eles se obrigam a mudar a sua forma de análise. A partir desse instante, ele tem que estar preocupado em salvar vidas, porque, inclusive, caso ele não haja dessa forma, a culpa por não ter salvado vidas é daquelas pessoas, em especial dos profissionais de segurança”, afirmou.
Por sua vez, Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos e segurança pública e Membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, afirma que a arma de fogo deve ser o último recurso a ser utilizado. Em caso de agressor em surto psicótico, a mediação deve ser feita por médicos psiquiatras e não só com policiais.
“Os policiais deveriam manter o diálogo e as negociações, pois era dentro de um hospital, contando com médicos psiquiatras e profissionais da saúde especializados em situações de surtos psicóticos. Quando as negociações se esgotam, deveriam ser utilizadas armas não letais, como armas de choque e spray de pimenta”, observa o especialista.
Ariel ressalta a importância de investigar se a ação foi abusiva e destaca possíveis penalidades. “O policial pode responder por homicídio, por dolo eventual, ao utilizar a arma de fogo, quando poderia ter utilizado mais tempo de negociação e armas não letais. Ele assumiu o risco de gerar a morte do idoso”, afirma. Segundo Ariel de Castro Alves, cabe à Polícia Civil, à corregedoria da PM e ao Ministério Público investigar possíveis excessos na atuação policial.
Luiz Cláudio foi enterrado às 19h deste domingo(19). Procurado pelo Correio, o Hospital Municipal de Morrinhos informou que entraria em contato para informar detalhes do ocorrido. Mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para manifestações.
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