
O possível surto do delegado da Polícia Civil (PCDF) Mikhail Rocha e Menezes, 46 anos, que resultou em três mulheres gravemente feridas a bala nesta quinta-feira, continua a revelar novos capítulos e detalhes com o andamento das investigações. O servidor público teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela Justiça e deve ser indiciado por três tentativas de feminicídio, segundo a polícia. Desde a noite de quinta-feira, Mikhail está internado na ala psiquiátrica do Hospital de Base, onde permanecia até o fechamento desta matéria. Após receber alta, ele será transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda.
O Correio esteve no shopping Gilberto Salomão, na QI 5 do Lago Sul, para ouvir pessoas que trabalham no local. No dia do crime, o delegado esteve no centro comercial. De acordo com o boletim de ocorrência, entre 8h e 9h30, Mikhail atirou contra a esposa, Andréa Rodrigues Machado, 40, e contra a empregada doméstica Oscelina Moura Neves de Oliveira, 45. O crime foi na cozinha da casa, no condomínio de luxo Santa Mônica, no Jardim Botânico.
Depois de atirar contra as duas vítimas, o policial deixou o condomínio com o filho de 7 anos e o cachorro da família. Antes de ir ao Hospital Brasília, onde baleou a enfermeira Priscila Pessoa, 45, Mikhail passou no Gilberto Salomão pouco depois das 10h, horário de abertura das lojas, e entrou em uma revenda de celulares acompanhado da criança e do cãozinho.
No local, estava o único vendedor do turno da manhã. Segundo as informações obtidas pela reportagem, Mikhail pretendia comprar um celular, mas pediu ao funcionário o telefone da loja para fazer uma ligação e perguntou se podia comprá-lo. O rapaz respondeu que o aparelho era do estabelecimento e não podia ser vendido.
"Quando eu cheguei, vi toda a movimentação. Ele saiu com o celular (da loja) na mão e jogou o telefone no chão. A criança estava descalça e vomitou muito. A todo momento, ele (o delegado) pedia para que o filho o abraçasse", declarou uma vendedora que trabalha no Gilberto Salomão.
Ataque
Mikhail saiu do shopping e seguiu até o Hospital Brasília, distante cerca de 2km. Segundo fontes da polícia, o delegado entrou na unidade de saúde com duas armas de fogo em punho, acompanhado do filho e do cachorro. Com falas desconexas e aparentando nervosismo, ele se dirigiu à atendente da recepção e exigiu atendimento prioritário à criança. "Será que vou ter que atirar em mais alguém?", teria dito o delegado.
Priscila Pessoa, chefe do pronto-socorro do hospital, saiu da sala de pediatria para conversar com o delegado. A profissional de saúde perguntou sobre o estado da criança e Mikhail respondeu que o filho sofria de dores abdominais e problemas psicológicos. Ela voltou a questioná-lo se o garoto precisava de atendimento. Em resposta, o delegado teria afirmado que não, e que tinha atirado em um robô.
Durante a discussão com a enfermeira, Mikhail teria ameaçado contar até cinco para receber o atendimento; caso contrário, atiraria. Ele teria contado até três e disparado no pescoço e no ombro de Priscila. Após o ataque, Mikhail teria ido à sala de um dos consultórios e só depois saiu do hospital, como se nada tivesse acontecido.
Prisão
A Polícia Militar capturou o delegado na altura da QI 23 do Lago Sul. Pelo trajeto, aparentemente ele voltaria para casa. Com o delegado, os PMs apreenderam uma Glock 9 mm, da PCDF, e uma .40 Taurus. O Correio teve acesso ao depoimento de um dos policiais militares que atuou na prisão. Ele afirmou que o delegado apresentou forte resistência e tentou mordê-lo na mão.
Mikhail foi conduzido à Corregedoria da PCDF e à noite, levado à Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP). "Durante a triagem, ele foi avaliado por um médico da unidade, que recomendou encaminhamento à ala psiquiátrica do HBB. O custodiado permanece sob supervisão médica com escolta policial", informou a PCDF.
O delegado estava internado na ala psiquiátrica do HBB até o fechamento desta edição. Na manhã de ontem, em audiência de custódia, a Justiça do DF converteu em preventiva a prisão em flagrante de Mikhail. Com a decisão, assim que receber alta ele será transferido para a Papuda e deve responder por três tentativas de feminicídio, segundo a polícia.
Análise preliminar da PCDF indica que o delegado teve um surto. Ele estava afastado do cargo havia cerca de 30 dias. Na semana passada, apresentou um atestado médico emitido por um profissional particular por problemas de saúde mental.
As vítimas
Andréa, Oscelina e Priscila estão internadas em estado grave. A esposa de Mikhail foi transferida no mesmo dia do Hospital de Base para o particular DF Star. O quadro de saúde da servidora do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) é considerado estável.
O Correio apurou, por meio de familiares, que Oscelina Moura segue internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Base em estado grave e apresenta um quadro de dificuldade respiratória. De acordo com os parentes, a situação inspira cuidados médicos intensivos, uma vez que o estado de saúde é "gravíssimo". Um parente chegou a visitá-la na UTI, na manhã de ontem, mas contou que Oscelina não respondeu aos estímulos, apresentando apenas aumento na frequência dos batimentos cardíacos. "Ela não respondeu com os olhos nem com as mãos. Não teve nada mais do que os batimentos acelerados", lamentou.
Em entrevista na quinta-feira, Davi Roque, esposo da diarista, informou que a mulher perdeu um rim e parte do estômago após ser atingida pela bala. O tiro atingiu as costas e atravessou o abdômen da vítima.
Priscila está na UTI do Hospital Brasília e o estado é delicado, segundo os médicos. Para a equipe de profissionais, o impacto da lesão na medula é uma "incógnita", ou seja, o dano não está claro e depende do acompanhamento médico. A enfermeira não sofreu lesões vasculares graves, que poderiam ser fatais.
Inadimissível
Autoridades do DF se posicionaram sobre o caso. Procurado pela reportagem, o governador Ibaneis Rocha (MDB) classificou o episódio como "mais um caso de doença mental" e ressaltou o que está sendo feito. "A polícia vai apurar e a Justiça, cuidar do crime. Além disso, estamos dando assistência às famílias", garantiu. O chefe do Executivo local lembrou do decreto assinado durante a semana. "Criei a Subsecretaria de Saúde Mental e nomeei 20 psiquiatras, justamente para cuidar desses assuntos", comentou.
A vice-governadora Celina Leão (PP) comentou sobre o assunto. "O que ele (o delegado) fez é inadmissível. Todas as providências estão sendo tomadas. Não podemos admitir nenhum tipo de violência contra a mulher", ressaltou. Celina destacou que é preciso ter atenção total à saúde mental. "No caso de quem está na segurança pública, tem que ter a atenção redobrada", pontuou.
O secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar, disse estar "profundamente consternado" com o episódio e que tudo está sendo investigado pela Polícia Civil. "A corporação está comprometida em adotar todas as medidas cabíveis e oferecer a atenção que o caso exige", garantiu.
Avelar reconheceu que a saúde mental dos servidores da segurança pública é um desafio. "Especialmente diante do alto nível de estresse a que esses profissionais são submetidos, salvando vidas, mesmo nos períodos de folga", pontuou. Nosso esforço é constante para fornecer toda a infraestrutura e o suporte necessário, visando melhorar as condições de atuação dos nossos policiais", acrescentou.
De acordo com o secretário, atualmente, os servidores de todas as forças de segurança contam com apoio psicológico. "No entanto, essa é uma questão complexa, que exige a análise criteriosa dos profissionais da área de saúde. São eles os responsáveis por avaliar e decidir se os agentes estão aptos a exercer suas funções regularmente", ponderou.
Ainda segundo o gestor da SSP-DF, foram investidos R$ 3 milhões na construção do Centro de Atenção Biopsicossocial (CAB). "É um espaço que será dedicado à valorização profissional de policiais e bombeiros. O novo centro irá ampliar os serviços na área de saúde mental, oferecendo atendimento especializado em transtornos psíquicos", explicou. "Estamos comprometidos em proporcionar melhores condições para os nossos profissionais", enfatizou. A inauguração do CAB está prevista para o primeiro semestre deste ano.
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Darcianne Diogo
RepórterFormada em jornalismo pelo Centro Universitário Iesb, é especializada na cobertura da área de segurança pública e pós-graduada em jornalismo investigativo. Integra a equipe do Correio desde 2018