
O processo de demarcação de terras indígenas no Brasil precisa ganhar mais agilidade, para garantir a segurança e os direitos dos povos originários. A avaliação é do procurador regional da República Francisco Bastos, convidado do Podcast do Correio, que lamenta serem essas populações vítimas dos conflitos de interesse que envolvem a definição dos territórios. Às jornalistas Aline Gouveia e Mariana Niederauer, ele lembrou que a Constituição de 1988 determinou um prazo de cinco anos para que todas as reservas estivessem demarcadas — ou seja, até 1993 —, mas, passados mais de 30 anos, "as coisas vêm acontecendo em uma velocidade muito lenta".
"Em política, tudo é muito difícil. Houve um avanço, mas numa velocidade muito menor do que aquela que se desejaria. Essas populações, enquanto não estiverem com as suas terras devidamente homologadas e demarcadas, sofrerão todo o tipo de violência. Correm, inclusive, risco de vida", advertiu, reforçando ser necessário mais organização e vontade política.
Exatamente para garantir os direitos dos povos indígenas é que, pela primeira vez, o Ministério Público Federal (MPF) ergueu uma tenda no Acampamento Terra Livre, que estará montado até amanhã, na área central de Brasília. "Ali escutamos as reclamações, os pedidos, quais são as necessidades e, a partir disso, encaminhamos para os colegas na ponta, para que possam ser atendidos. Foi uma novidade importante e espero que continue nos próximos ATLs. Está prevista expressamente na Constituição essa atribuição do Ministério Público Federal, que ao longo de décadas vem lutando para que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados", frisou.
Uma das principais reivindicações é com relação à demarcação de terras indígenas. Para o procurador, o trabalho de conciliação, como ocorre, por exemplo, por meio de uma câmara criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é válido. Mas ele considera que a decisão da Corte sobre o Marco Temporal foi clara, derrubando a tese de que territórios indígenas devem ser definidos a partir da confirmação da presença daquela comunidade, na área reivindicada, em 5 de outubro de 1988, dia da homologação da Constituição.
"É público e notório que muitas populações indígenas foram removidas à força. Então, muitas vezes, não se encontravam naquele território porque foram removidas de forma compulsória. Aconteceu isso, de forma muito evidente, durante a construção da Transamazônica", explicou.
Ele lembrou que vários povos foram realocados compulsoriamente devido a empreendimentos da ditadura militar — como a hidrelétrica de Tucuruí, que afetou as nações Asurini, Gavião, Suruí, Parakanã, Xikrin, Guajará e Krikati. "O que sustenta efetivamente o direito daquela população àquela terra são os seus vínculos culturais, ancestrais, e todas essas informações são obtidas e apuradas por meio de estudos antropológicos, que não têm nada a ver com uma determinada data que foi fixada. Vejo de forma positiva (a comissão), mas minha preocupação é de que não haja um atraso em relação àqueles avanços que conseguimos ao longo desses anos."
Bastos acredita também que a instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade possa representar um resgate da memória do período de exceção. "É importante que tenhamos transparência. Sem intenção de vingança, de revolver a história, mas temos de conhecer o que aconteceu", explicou.
Não às migalhas
No Acampamento Terra Livre, na principal plenária do dia, o advogado e representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena, criticou a Câmara de Conciliação moderada pelo STF. Para ele, a Corte deveria apenas julgar e não mediar soluções que agravam a situação. "Não é porque somos indígenas que vamos aceitar migalhas. O que a gente espera dessa Câmara é que se encerre. O processo conciliatório é uma violência, porque não tem clareza. E, agora, o gabinete do ministro Gilmar Mendes apresentou uma proposta que é pior do que a aprovada no Congresso", lamentou.
Já o cacique Raoni Metuktire tem utilizado os encontros para alertar sobre a invasão de terras indígenas por garimpeiros e a destruição da natureza. E vem pedindo aos povos que se unam para defender territórios e recursos naturais.
"Somos indígenas, somos irmãos, temos essa nossa consideração entre nós. Devemos lutar juntos. É isso que tenho para falar para vocês neste momento", exortou Raoni.
Confira o episódio completo do Podcast do Correio
*Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi
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