SOBRIEDADE

Alcoólicos Anônimos celebra 90 anos de ajuda na busca pela sobriedade

Criada em 1935, a irmandade se mantém fiel ao anonimato e à ajuda mútua como pilares de recuperação do alcoolismo — sem julgamentos, vínculos políticos ou religiosos

Reunião dos Alcoólicos Anônimos: momento de compartilhamento e luta -  (crédito: Divulgação )
Reunião dos Alcoólicos Anônimos: momento de compartilhamento e luta - (crédito: Divulgação )

Neste junho, a fundação Alcoólicos Anônimos (A.A.) completa 90 anos de existência. Criada em 1935 nos Estados Unidos como uma irmandade de recuperação do alcoolismo, a A.A. visa manter a sobriedade por meio do apoio comunitário e sem cobrança de taxas. No Brasil, estima-se que existam cerca de 4 mil grupos de Alcoólicos Anônimos. 

Para manter o anonimato, os membros se tratam pelas iniciais dos nomes. É o que explica J.D., que se juntou ao A.A. para combater o que hoje reconhece como uma doença. O tratamento é feito por meio de trocas de experiências, na qual ocorre o apadrinhamento — relação sem hierarquia cujo objetivo é a ajuda mútua contra uma dificuldade semelhante. 

Foi na infância que J.D. teve o primeiro contato com o álcool. Ao beber com o pai e largar os estudos, percebeu que a dependência gerou problemas na vida toda. No A.A., surpreendeu-se ao ver que as pessoas podiam ser felizes sem beber: “Eu não entendia, achava que a felicidade estava vinculada ao álcool porque tudo eu fazia bebendo.” 

Com o compartilhamento de experiências nas reuniões, J.D. descreve ter se tornado uma pessoa melhor. “O único requisito para participar é querer parar de beber. Não temos vínculo político nem religioso, não somos contra a bebida, mas contra a doença do alcoolismo”, disserta. Aprender a viver sem a bebida foi a parte mais difícil para J.D., que se apoiou nos relatos compartilhados por outros membros. 

Segundo Lívia Pires Guimarães, presidente da Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil, a irmandade tem como princípio não aceitar ajuda de fora, se mantendo com contribuições voluntárias e espontâneas dos próprios membros — se e como puderem. 

O convite para a sobriedade é, conforme Lívia, pautada em princípios comunitários. Além das reuniões on-line oferecidas no site oficial, A.A conta com aplicativo oficial, podcast e redes sociais — canais de transmissão que guardam o anonimato dos membros. 

Tabus e recuperação

Mitos e equívocos como “quem vai para AA está em fim de carreira” são comuns na convivência de Lívia, que destaca o estereótipo de pessoas que já perderam tudo quando procuram ajuda. “Nesse cenário, há também uma imagem de que as reuniões são pesadas, cheias de sofrimento. Tem pessoas que perderam tudo sim, mas encontramos também jovens que identificaram seu modo inadequado de beber a tempo e buscaram ajuda precocemente”, narra. “São pessoas que não se identificam somente com a doença, mas com o processo de recuperação e com a vida que querem ter.”

O anonimato favorece a proteção de membros em posições delicadas, de prestígio ou poder. Para Lívia, a visibilidade pode testar a sobriedade de forma intensa, e nem todos conseguem lidar bem com isso. “Além disso, existe o estigma social. O álcool é amplamente aceito e incentivado na cultura, mas o alcoólico ainda é muito estigmatizado. O anonimato oferece segurança para que a pessoa busque ajuda sem medo de julgamento ou exposição”, acrescenta. 

Sem rótulos ou cobranças, a programação de A.A é sempre sugerida, nunca imposta. Lívia esclarece que o programa é baseado em 36 princípios, dos quais apenas o primeiro fala sobre o álcool — convidando a pessoa a admitir sua impotência diante da doença. Os demais se concentram em como lidar com a vida em geral, e não apenas em evitar o álcool.

“Se você sente vontade de repensar sua forma de beber ou de conhecer a Irmandade, dê uma chance a si mesmo. Garanto que será acolhido como nunca antes — aliás, mais do que isso: você será a pessoa mais importante da reunião”, afirma a presidente. 

A primeira reunião de A.A.

Embora soubesse que algo estava errado, C.M. só percebeu que de fato tinha um problema com o álcool na primeira reunião no A.A. O sofrimento de não ter controle entre bebedeiras no meio da semana a levaram a buscar ajuda, êxito obtido com a chamada do filho para a sobriedade. 

“Quando aceitei que o primeiro passo é admitir a imponência diante do álcool, que me fez perder o domínio sob minha vida, não quis beber mais”, relembra. “Reconhecer egocentrismos e defeitos foi mais doloroso do que a abstinência de viver sem a substância, que era uma fuga de mim mesma.” 

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Através do compartilhamento de vivências, C.M. se sentiu acolhida e inspirou-se a mudar de vida. A amizade, a disciplina e o olhar para o outro com amor a deram forças para a ajuda mútua e a encarar mais do que o encerramento da dependência: mas estar sóbria consigo mesma. 

Passados 90 anos desde sua criação, A.A. permanece com o propósito de unir pessoas com um problema em comum e oferecer, por meio da escuta, do respeito e da vivência compartilhada, a chance de uma nova vida.

postado em 23/06/2025 21:37
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