
Jaguar queria ser comandante de navio, mas não deu. Tornou-se, então, um dos cartunistas mais importantes do Brasil, que ficou órfão de uma voz capaz de mesclar crítica e humor com elegância, inteligência, precisão e muita ironia. Nascido Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o cartunista morreu, ontem, aos 93 anos. Ele estava internado com uma pneumonia há três semanas no hospital Copa D'Or, no Rio de Janeiro, onde morava.
O cartunista começou a carreira desenhando para a revista Manchete, em 1952. Ao mesmo tempo, trabalhava no Banco do Brasil, para o qual prestou concurso e no qual ficou por 17 anos, até pedir demissão em 1974. Na instituição, tinha como chefe o cronista Sérgio Porto, que o aconselhou a não trocar o emprego de bancário pelo de ilustrador. Foi anos após a fundação do O Pasquim, criado em junho de 1969 com a finalidade específica de bater na ditadura militar, que Jaguar decidiu pedir demissão.
Segundo ele, porque queria estar na redação do semanário nas horas mais animadas do dia, e não em outro emprego. Botequeiro contumaz, perfeito tradutor do modo de vida carioca, fundador da Banda de Ipanema, Jaguar tinha o olho afiado para o que podia render humor.
Foi o cartunista Borjalo quem sugeriu o pseudônimo a Jaguar. Com essa assinatura, criou personagens emblemáticos como o Gastão, o vomitador, Boris, o Homem-Tronco e o ratinho Sig, inspirado em Sigmund Freud e apaixonado por Odete Lara e Tânia Scher. Todos eles circulavam pelo O Pasquim, que tinha também BD, o Capitão Ipanema, protagonista da tirinha Chopnics (mistura de chopp com beatniks) e inspirado no amigo Hugo Bidê que, Jaguar dizia, levava um ratinho branco para os bares. Gastão, o vomitador era especialista em colocar tudo pra fora ao se deparar com notícias absurdas nos jornais.
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Já Bóris, o Homem-Tronco, era um personagem sem pernas que dirigia um carrinho quadrado e protagonizou Átila, Você É Bárbaro, primeiro livro lançado por Jaguar, em 1968. Mais tarde, ele lançaria ainda o livro de memórias Ipanema — Se Não Me Falha a Memória, em 2000, e Confesso Que Bebi, em 2001, um compilado de histórias pessoais com uma peregrinação pelos cardápios dos bares cariocas.
Desde a década de 1950, Jaguar passou por inúmeros veículos. Além da Manchete, publicou também na Senhor, Civilização Brasileira e Revista da Semana, e nos jornais Tribuna da Imprensa, Última Hora, A Notícia e O Dia, além do histórico Pif-Paf, de Millôr Fernandes, e do já citado O Pasquim. Também foi editor da Bundas, publicação lançada no fim dos anos 1990 com parte da turma do jornal.
O Pasquim é um capítulo à parte na vida do cartunista, um marco de criatividade e de resistência. O jornal foi fundado em junho de 1969, sete meses depois do AI-5, que endureceu a ditadura, suspendeu direitos políticos e civis, permitiu ao presidente fechar o Congresso Nacional e instalou de vez a censura. Ao lado de Sérgio Cabral, Claudius Carlos Prósperi e Tarso de Castro, Jaguar participou da fundação do semanário, que teria na equipe, ao longo dos anos, nomes históricos do jornalismo alternativo como Millôr Fernandes, Ziraldo, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa e Sérgio Augusto. O próprio Jaguar sugeriu o nome do jornal, uma referência ao termo italiano Paschino, um panfleto difamador.
Em entrevistas, ele explicava: "A fundação de O Pasquim logo depois do AI-5 foi uma coisa inteligentíssima, né? Risos. Um grupo de pessoas consideradas de um certo QI, esperou o AI-5 pra abrir um jornal pra falar mal do Governo! Foi uma ideia brilhante! Risos Deu tanto resultado que, seis meses depois, 80% da redação estava em cana".
Jaguar gostava de brincar dizendo que não sabia desenhar, mas que enganava muito bem. Em uma entrevista concedida à Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 2009, ele explicou: "Eu detesto desenhar! Se um dia eu puder ou tiver que parar de desenhar, não desenho mais. Minha única inspiração é a seguinte: Eu tenho que entregar a porra do desenho! Risos. Se não, eles não me pagam?".
A capacidade de se autoesculhambar era infinita e, eventualmente, até irritava os amigos. Ziraldo reclamava de certas histórias, como a da prisão durante a ditadura, sempre relatada de forma bem-humorada ao longo dos anos. Segundo Jaguar, Ziraldo ficava zangado porque achava que as histórias estragavam a imagem pública da turma.
O humor não tinha descanso na vida do cartunista. Quando completou 80 anos, em 2012, revelou que sofria de cirrose e câncer no fígado. Passou por cirurgia e contou, em entrevista à Folha de São Paulo, que já havia vivido mais do que esperava.
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Quando o médico explicou que não morreria de imediato, disse: "O médico ficou perplexo comigo. Quer dizer que não vou morrer dentro de 20 dias? Ele falou: Não. Falei: Porra, mas que sacanagem! já bolei todo o esquema, vou ter que reformular tudo de novo, voltar à vida normal, fazer planos para o futuro e o cacete, mas que merda! Risos".
Em abril de 2008, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça decidiu que Jaguar receberia uma indenização de mais de R$ 1 milhão e uma pensão mensal de R$ 4 mil, assim como Ziraldo, pelos prejuízos que sofreram com a perseguição política durante a ditadura militar (1964-1985). O valor rendeu críticas, e Jaguar chegou a se dizer decepcionado com a reação do público e da mídia: "Não esperava levar tanta porrada".
Jaguar na capital
Em 2005, Jaguar teve um breve momento brasiliense. Morou por 11 meses na cidade quando sua mulher, Célia Regina Pierantoni, assumiu o cargo de diretora de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. Na época, visitou a redação do Correio e deu uma entrevista ao jornal na qual reparava que Brasília não tinha calçadas e que era formada por imensos espaços vazios.
Contou à repórter Conceição Freitas que não entendia por que não se construiu um metrô antes de a cidade ser erguida. Era uma falha "perdoável" de Oscar Niemeyer, por quem o cartunista se dizia apaixonado. Jaguar também confessou: "Aliás, estou com 90% de certeza de que vou morrer antes dele". Niemeyer morreu em 2012 e era 24 anos mais velho que Jaguar, que fez uma rápida e tumultuada visita à redação do jornal.
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