Por Cristina Ávila, Especial para o Correio - Maribel não é a única, mas é a mais escancarada invasão na Terra Inígena Cachoeira Seca. Quando cheguei, perguntei sobre a situação ao cacique Totó: "Vivemos ameaçados", me disse quando vimos as camionetes 4x4 que diariamente atracam no porto. O vilarejo tem décadas e persiste mesmo com os limites da terra indígena delimitados desde a década de 1980 e homologados desde 2016. "Todo dia nos perguntam que dia e mês vai sair a desintrusão. "A gente não responde quando nos perguntam, até porque não sabemos. A gente diz pra falar com a Funai. Eles ficam com raiva e saem bravos".
As estimativas indígenas variam de 1 mil e chegaram a afirmar que há 4 mil invasores, segundo o sertanista Sydney Possuelo, que esteve na região no final do ano passado e também denunciou a situação à Funai. Isso, sem contar os chamados "turistas", que entram pelo porto fluvial para caça, pesca, garimpo e festas de final de semana.
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A desintrusão faz parte do Plano de Mitigação de Impacto do Componente Indígena da UHE Belo Monte e é citada, por exemplo, em ação civil pública do Ministério Público Federal, de 2015, impetrada devido a denúncias de violações aos direitos indígenas, não apenas dos Arara, mas de outras etnias impactadas pela hidrelétrica.
Segundo o documento lançado na sexta-feira pelas organizações indigenistas e indígenas, esforços governamentais significativos foram feitos nos últimos anos para resolver dívidas históricas em outras terras indígenas na mesma região. "Em cumprimento a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da ADPF (arguição por descumprimento de preceito fundamental) 709, movida pela Apib, o governo brasileiro promoveu a desintrusão das TIs Apyterewa, do povo Parakanã, e Trincheira-Bacajá, do povo Xikrin. A TI Ituna Itatá, na qual se encontram grupos indígenas em isolamento, teve recentemente a portaria de restrição de uso renovada e a retirada de grileiros e seus rebanhos bovinos, em ações de fiscalização ambiental. Essas ações foram capazes de eliminar quase totalmente o desmatamento na área".
É terrível pensar que em 2025 a situação piorou bastante para os Arara. Historicamente, o desmatamento na Cachoeira Seca acumulou 44,3 mil hectares até o ano de homologação do território, em 2016. Em 2017 houve um aumento de 24% e, em 2018, um crescimento exponencial de 274%, com mais 5,9 mil hectares que sofreram corte raso é assim que os técnicos denominam quando o desmatamento foi tão grande que não sobrou quase nenhuma vegetação. Entre 2019 e 2022, a área desmatada ultrapassou 14 mil hectares, um aumento de 45% em relação aos quatro anos anteriores. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), embora o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tenha conseguido conter a expansão do desmatamento em 2020 e 2022, e o ano seguinte tenha registrado uma redução de 32,9% (para 1.028 ha), o desmatamento voltou a subir em 2024 para 1.576 ha, representando um aumento de 53,17% em relação a 2023 ultrapassando 68.777 hectares até julho de 2025 equivalente a 9,35% de sua área total.
Os Arara são classificados pela Funai como de "recente contato", considerados pelo Ministério Público Federal como os mais atingidos por empreendimentos como a Usina Hidrelétrica Belo Monte e a Transamazônica. Eles fazem peregrinações frequentes a Brasília. Em junho de 2023, poucos meses após a nomeação da presidente da Funai, Joenia Wapichana, já estavam lá, pedindo atenção às violações dos direitos humanos e ambientais em suas terras.
Ao contrário do Ministério dos Povos Indígenas, que não responderam o pedido de esclarecimentos encaminhados pelo Correio, a Norte Energia encaminhou uma resposta de sete páginas que você pode ler na íntegra neste link. O documento inicia com o seguinte texto: "Sobre os impactos ambientais da implantação e operação da Usina Hidrelétrica Belo Monte, a Norte Energia esclarece que diversas medidas de mitigação e compensação foram estabelecidas, totalizando atualmente um investimento da ordem de R$ 8 bilhões.
Os resultados das ações de mitigação e compensação da empresa, que incluem 117 planos, projetos e programas no Projeto Básico Ambiental (PBA) e 42 programas e projetos no Plano Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI), estão presentes nos relatórios anuais, reportados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e órgãos intervenientes, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)."
A Funai respondeu perguntas encaminhadas pelo Correio Braziliense no dia seguinte à publicação desta matéria, pelo e-mail, em 23 de outubro, as 17h59. Leia na íntegra:
"A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) informa que trata da região através de suas instâncias internas e sua Coordenação Regional Centro Leste do Pará (CR-CLPA), além de, quando necessário, contar com a atuação de órgãos de segurança e saúde pública no auxílio à proteção dos territórios e comunidades indígenas.
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