
A larga fronteira amazônica com países vizinhos e rotas de difícil fiscalização impõem desafios para o combate ao tráfico de drogas e outras atividades do crime organizado na região. Facções usam caminhos fluviais, rodovias e até aviões para distribuir entorpecentes para o restante do Brasil e para o mundo. Integrantes do governo federal reconhecem a dificuldade, mas destacam resultados do policiamento na Amazônia.
A situação é agravada pelo volume recorde de produção de cocaína na América do Sul. O estudo Cartografias da Violência na Amazônia, desenvolvido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e lançado durante a COP30, mostra que a região teve um aumento de 574,4% no volume de cocaína apreendida pelas polícias estaduais entre 2019 e 2024, e de 84,8% nas apreensões da PF.
O levantamento aponta, também, que as apreensões realizadas pela Polícia Federal nos nove estados da Amazônia Legal aumentaram drasticamente sua participação no total nacional, passando de 10,8% em 2019 para 27,9% em 2024. No ano passado, a corporação apreendeu um total de 74,5 toneladas de cocaína no Brasil, e as polícias estaduais na Amazônia totalizaram 46,9 toneladas.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, destacou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado que a vastidão territorial das fronteiras brasileiras impõe um desafio logístico ao controle do Estado, beneficiando o narcotráfico.
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"É uma utopia achar que a gente vai ter um controle absoluto. Aliás, eu não conheço país nenhum do mundo que tenha controle absoluto das suas fronteiras. Nós temos um controle bom e uma atuação muito forte nas fronteiras. Temos que ter um maior controle, e há oportunidade de melhoria," afirmou Rodrigues.
O diretor comparou a divisa do Brasil com a Bolívia, que tem 3,4 mil km, com a fronteira entre Estados Unidos e México, de 3,1 mil km, e ressaltou que nem os EUA conseguem controlar toda sua extensão.
Ele afirmou, ainda, durante a audiência no colegiado, que, em cinco anos, foram instaurados mais de 50 mil inquéritos policiais, sendo 700 de tráfico de drogas, 15,4 mil flagrantes e 19,9 mil prisões. Só neste ano, segundo Rodrigues, a PF já apreendeu 70 toneladas de cocaína e 438 de maconha.
Rota do tráfico
O FBSP registrou que a facção fluminense Comando Vermelho (CV), em articulação com a produção peruana e cartéis colombianos, possui hegemonia nas rotas fluviais e demonstrou a maior expansão territorial, ampliando em 123% o número de municípios sob sua influência em apenas dois anos — chegando a 286 dos 772 municípios da Amazônia Legal.
"O escoamento das drogas segue em direção a centros portuários estratégicos como Manaus, Santarém, Barcarena, Belém e Macapá, utilizando embarcações regionais, lanchas rápidas, submersíveis e 'mulas' humanas", aponta o relatório.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, também do Fórum, os rios amazônicos e hidrovias se tornaram infraestruturas naturais estratégicas que facilitam e permitem o deslocamento de grandes quantidades de carga a um custo reduzido, beneficiando o tráfico em comparação ao transporte aéreo, que se tornou mais vulnerável após a política de interdição aérea — Lei nº 9.614/1998, chamada de Lei do Abate.
A Rota Solimões — no sudeste do Amazonas — se destaca como um vetor principal para o escoamento de drogas produzidas nos vizinhos sul-americanos, conectando os produtores a portos no oceano Atlântico. A principal porta de entrada de cocaína e armamentos, segundo o Cartografias da Violência, é a cidade de Tabatinga, no Amazonas, na tríplice fronteira com Peru e Colômbia.
O Fórum explica, então, que o transbordo e a distribuição dos ilícitos ocorre em Manaus, capital amazonense, no encontro entre os rios Solimões e Negro. "Após o ingresso em território brasileiro via Tabatinga, as cargas ilícitas transitam pelo rio Solimões e, subsequentemente, pelo rio Amazonas", diz o estudo.
De Manaus, os principais pontos de escoamento para os mercados nacional e internacional — com ênfase ao europeu — são os portos de Vila do Conde, próximo a Belém, no Pará, e de Santana, no Amapá, que dão acesso Atlântico. "Elas (as drogas) são ocultadas de diversas formas: dentro de compartimentos ocultos nos grandes barcos, misturadas às cargas, submersas e presas nos cascos das embarcações e até em fundos falsos de canoas usadas pelos indígenas e pescadores. Passam às centenas", aponta a pesquisa.
O Primeiro Comando da Capital (PCC), por sua vez, intensificou o uso de rotas aéreas clandestinas, aproveitando pistas de pouso em garimpos ilegais e unidades de conservação, segundo o estudo Cartografias, como uma forma de adaptação frente ao controle aquático do CV. Em Rondônia e no Mato Grosso (MT), o transporte de entorpecentes ocorre predominantemente pelos modais rodoviário e aéreo.
O crime organizado do MT, estado da Amazônia Legal que mais apreendeu cocaína no último ano, mais de 23 toneladas, utiliza corredores logísticos como a BR-163 e a BR-364 para efetivar o escoamento. Para isso, usam veículos roubados nas regiões transfronteiriças, que são enviados aos produtores da droga e trocados por entorpecentes.
Desafios institucionais
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) informou ao Correio que reconhece a complexidade da atuação dos estados fronteiriços no combate aos crimes transnacionais. Por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o governo federal tem desenvolvido ações integradas para reforçar as operações de fronteira, com destaque para o Programa Protetor das Divisas e Fronteiras, que apoia 11 estados fronteiriços e três estados em regiões de divisa interestadual.
Entre 2022 e 2024, a integração entre o MJSP e outras instituições reduziu em 45,77% a área desmatada da Amazônia Legal, que em 2024 totalizou 6.288 km², abaixo da meta de 9.280 km². Em 2024, foram realizadas 277 operações de polícia judiciária, com 897 mandados de busca e apreensão, 132 prisões preventivas e descapitalização de R$ 502,4 milhões. Em 2025, já foram executadas 176 operações, com 653 mandados, 66 prisões e R$ 1,66 bilhão em bens apreendidos.
Operações recentes também têm atuado em mercados legais utilizados para lavagem de dinheiro e evasão de divisas, como o setor de combustíveis. Graças a ações conjuntas da PF, Receita Federal e outros órgãos, operações como Quasar, Tank e Carbono Oculto desbarataram um esquema bilionário de gestão fraudulenta, evasão e lavagem de dinheiro.
O Ministério da Defesa, por meio do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), afirmou ao jornal que a interoperabilidade entre Marinha, Exército e Força Aérea nas operações de fronteira é avaliada de acordo com o cenário e o contexto de cada missão. O desempenho é medido pela capacidade logística de uma força apoiar a outra em termos de suprimentos, comunicações e comando e controle.
*Estagiário sob a supervisão de Victor Correia
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