Literatura

Morte de Cássia Eller: nova tese contesta versão de overdose

Biografia "Eu queria ser Cássia Eller" descreve o fatídico 29 de dezembro de 2001, dia da morte da cantora

Nem overdose nem sobriedade total. Às vésperas dos 24 anos da morte de Cássia Eller, ocorrida em 29 de dezembro de 2001, o jornalista Tom Cardoso defende nova hipótese sobre o que teria acontecido naquele dia. Autor de biografia lançada pela HarperCollins, Tom afirma que “uma conjunção de fatores” pôs fim à vida da artista, aos 39 anos.

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O autor do livro Eu queria ser Cássia Eller afirma que ela chegou à clínica em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, com um colapso nervoso provocado pelo estresse de muitos shows e entrevistas. A crise teria sido desencadeada por diferentes elementos e agravada por erros médicos. Tom Cardoso diz que a clínica não estava preparada para o atendimento e tratou o caso como intoxicação por excesso de drogas.

A conclusão se baseia nos depoimentos de Maria Eugênia Vieira Martins, viúva da cantora, além de músicos e outras pessoas que estiveram com Cássia nos dias que antecederam sua morte. Ela morreu no mesmo dia em que chegou à clínica, após sofrer quatro paradas cardíacas decorrentes de infarto.

Se Cássia Eller quebrou padrões com sua intensidade e irreverência na cena musical, a narrativa do livro é aberta com a citação da mulher que desafiou a literatura: Hilda Hilst (1930-2004). O relato começa com Cássia aos 8 anos, no Mineirão, assistindo fervorosamente ao clássico Atlético e Cruzeiro ao lado dos tios Valdo e Didi. Atualmente, ela é homenageada com um grafite na Arena MRV, estádio do Galo, o time do coração.

“Cássia tem passagem importante por Belo Horizonte, onde passava férias com os tios maternos e viveu parte da infância”, explica Tom.

“A carreira nasce em Brasília, mas a artista começa a se formar em BH, muito por influência dos tios e da própria mãe”, aponta.

Anos depois, a cantora batizaria o filho como Francisco (que adotou o nome artístico Chico Chico), em homenagem à canção homônima de Milton Nascimento lançada em 1976.

A narrativa segue linear. Filha de militar, a carioca Cássia teve infância cigana, mudando-se de cidade em cidade, conforme o pai buscava novas oportunidades. A mãe, Nanci, queria cantar, mas abriu mão do sonho ao se casar.

Autor de biografias de Nara Leão, Caetano Veloso e Chico Buarque, Tom Cardoso decidiu se dedicar a Cássia depois de ver o destaque de Francisco, filho dela, na cena musical. “Considerada por muitos a maior artista de sua geração, ela é muito autêntica e dona de marca própria”, afirma. 

Adolescente, Cássia Eller enfrentou a repressão de sua sexualidade e a dificuldades de se encaixar nos padrões femininos. Aos 14, ganhou um violão do pai, que logo virou refúgio. O primeiro amor, Moema, provocou reação familiar que a levou a temporadas em BH e Brasília, onde, aos 19, encontrou espaço para se afirmar como artista.

Em Brasília, a jovem cantora impressionou Oswaldo Montenegro ao interpretar “I’ve got a feeling”, dos Beatles, e estreou no musical “Veja você”. Depois, foi vocalista da banda Malas & Bagagens, com a qual se apresentou em festival para 15 mil pessoas e torrou o cachê em um único dia. Já chamava a atenção por sua MPB com pegada roqueira.

A carreira, porém, só engrenou no Rio de Janeiro. O primeiro show de Cássia Eller no Mistura Fina, a casa que revelou Marisa Monte, atraiu jornalistas, músicos e produtores. Até Cazuza apareceu por lá. O interesse crescia, mas as gravadoras quiseram moldá-la como produto vendável.

A capa do primeiro álbum, lançado em 1990, seguiria o padrão, mostrando a cantora arrumada e sorridente. Porém, surgiu ali a artista descabelada e sem batom. O álbum vendeu pouco, cerca de 7 mil cópias, trazendo a releitura de “Por enquanto” (Legião Urbana), que, anos depois, seria trilha do velório de Cássia.

Ecstasy holandês

Entre os casos mais emblemáticos do livro está o do “mecenas misterioso”, representante de uma fábrica de ecstasy na Holanda que financiou a produtora de Cássia sem jamais se revelar.

Tom Cardoso conta também que ela tentou gravar 12 clipes para o segundo disco, um para cada faixa. Com orçamento curto, as filmagens ocorreram em situações inusitadas, com gravações em aterro sanitário e luta com anões num elevador. A maioria dos vídeos não foi finalizada.

A maternidade marcou outra virada na vida da cantora. Francisco, fruto do caso de uma noite com o músico Tavinho Fialho (1960-1993), casado e pai de outros filhos, nasceu poucos dias após uma tragédia. O baixista morreu em acidente de carro a caminho de Unaí (MG), notícia que abalou profundamente Cássia. Seis dias depois, Francisco veio ao mundo prematuro, aos oito meses. Com a chegada do bebê, a cantora se afastou do álcool e das drogas, abstinência que teve altos e baixos até o fim de sua vida.

A biografia relembra momentos decisivos para consolidação da imagem de Cássia Eller, como o show histórico no Rock in Rio, a participação no Acústico MTV e a gravação das canções Malandragem e O segundo sol, que se tornaram hits. 

“Não escrevo livro para descobrir fatos novos. Meu compromisso é contar uma história que atraia o leitor, sem obrigação de furo jornalístico”, diz Tom Cardoso. Neste Brasil cujos artistas costumam cair no esquecimento com rapidez, ele espera manter viva a memória de Cássia Eller entre as novas gerações.

 Tarefa que Francisco, o Chico Chico, vem cumprindo, afirma Tom. Dono de voz, aparência e jeito descontraído de lidar com o público parecidos com a mãe, o cantor e compositor, de 32 anos, contribui para renovar o interesse por Cássia.

Aliás, tal mãe, tal filho. Chico Chico tem show marcado para o próximo dia 18/12, às 19h, no Teatro Francisco Nunes, em BH. Será sessão extra, pois os ingressos para as 21h30 acabaram rapidamente.

 

“EU QUERIA SER CÁSSIA ELLER”

• Livro de Tom Cardoso
• 302 páginas
• HarperCollins
• R$ 69,90

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Arquivo pessoal - Cássia Eller com a mulher, a mineira Maria Eugênia Vieira Martins, e o bebê Francisco, o Chicão, que nasceu em agosto de 1993
HarperCollins/reprodução -